Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

quinta-feira, junho 28, 2007

Brincadeira de médico

Eu levei 25 anos pra entender a malícia por trás da expressão "brincar de médico". Quando descobri, fiquei um tanto quanto chocada, e olha que é difícil corar uma morena. Talvez porque eu tenha sido uma criança asmática e febril que vivia em pronto-socorro, médico pra mim é coisa séria, exceto quando tem 12 anos e veste um jaleco no Copa D'Or. Ou seja, médico não é pra brincar, pelo menos não nesse sentido.

Mas vejam só vocês: desde que me explicaram didaticamente o que era "brincar de médico", eu passei a pensar na vida sexual dos médicos, especialmente os meus. Na época da descoberta, eu namorava um estudante de medicina da UERJ que já estava naqueles últimos anos de mamata, em que o aluno recebe um soldo para estudar e ainda tem a oportunidade de aprender o ofício nos pobres doentes do SUS (alguns nunca aprendem e vão trabalhar, bem, vocês sabem O'nde). Meu ex, que tinha uma inclinação pela cardiologia por causa de seu privilegiado ouvido musical, adorava me auscultar, pois eu sempre fui um laboratório acústico de sibilos e estertores. Um dia, enquanto ele me auscultava (nós não estávamos brincando de médico, ele estava brincando sozinho), e eu fiquei olhando pra ele ali, todo sério e compenetrado, com o rosto a dois centímetros do meu, perguntei:
-- O que você faria se um dia, durante a ausculta de uma paciente pelada e peituda, ela te paquerasse ou se insinuasse, assim? (e fiz uma mímica mista de hair-flip com a abertura de pernas da Sharon Stone)
-- Ora, eu faria a única coisa que se tem pra fazer numa situação dessas!
-- E o que é isso?
-- Perguntaria: "E o xixi e o cocô da senhora, tudo bem?"

Aquilo me encheu de alegria e segurança! Como eu poderia ter ciúme de um namorado médico que, à qualquer iminência de assédio sexual, prometia transformar o paciente naquilo que ele realmente é: uma fábrica de xixi e cocô com algum tipo de mal funcionamento. Tenho que confessar que essa conversa mudou minha relação com os médicos pra sempre. Se antes eu tinha pudores para tirar a roupa na frente de um médico, hoje eu já entro em qualquer consultório perguntando onde eu penduro minha calcinha, principalmente se eu vou ter de me pesar. A maioria dos médicos acha isso muito normal, afinal, para eles, eu sou apenas mais uma fábrica de xixi e cocô que acha que está com defeito. Outros, no entanto, acham estranha a minha facilidade pra tirar a roupa e ainda encará-los no olho, como quem diz: "comé qui é, vambora logo com esse exame ginecológico que eu tou cheia de serviço." Porque médicos são humanos, e porque humanos falham, o erro de interpretação do meu comportamento desinibido já desencadeou reações audazes por parte de alguns deles (e contra-reações minhas, of course):

1. Um dia, quando eu chorava convulsivamente no consultório de meu ginecologista porque ele teve a infeliz idéia de me perguntar, durante uma TPM particularmente lacrimosa, quando ele faria o parto do meu primogênito, e eu não conseguia parar de chorar por causa disso, porque tá foda, meu relógio biológico isso, os homens afetivamente inviáveis, cagões e de pau cortado aquilo, e eu soluçava tanto que meu corpo todo tremia, ele saiu de sua cadeira e me abraçou, mas me abraçou apertado, sabe, com aquela pegada forte de homem másculo pacas. Eu fiquei cabreira quando vi que nada d'o abraço afrouxar, e quando o abraço começou a ficar bom demais, eu fui parando de chorar, dei uns tapinhas nas costas dele e disse: "TPM, doutor fulano, sabe como é... A gente chora por n-a-d-a!". Ele também ficou meio sem-jeito, voltou pro lugar dele, e aí, pra cortar bem o clima, eu falei: "Bem, pelo menos está tudo bem com o meu xixi e o meu cocô." Ele riu, desconcertado, e eu passei alguns meses pensando em trocar de gineco porque... pô, o cara tinha uma pegada que... fala sério! É muito estranho você saber que o mesmo médico que te enfia um bico de pato gelado regularmente, sem nem um carinho, pode fazer muito mais com aquelas mãos fortes. Sobretudo quando estão sem luvas. Mas depois de muito matutar, perdi o tesão por ele porque deve ser foda ter um homem que passa o dia inteiro vendo a periquita de outras mulheres.

2. Um otorrino de 12 anos, bem, vocês sabem D'Onde, colocou um otoscópio no meu ouvido -- e quando enfiam qualquer coisa no meu ouvido, juro, é maior que eu: eu gemo gostoso. Aí, não sei se isso animou o cara ou o quê, ele perguntou: "Usa pílula?". Cara, aquilo me deixou bem confusa na hora. Na minha cabeça de veterinária eclética, fiquei tentando imaginar o que o vafanculo tem a ver com as calças, mas acabei respondendo: "não". E ele prosseguiu: "Nossa, uma mulher jovem e bonita assim que não usa pílula... que perigo!". Aí eu olhei bem pra cara viada cretina dele e disse: "Em compensação, meu xixi e meu cocô estão excelentes. Alguma outra pergunta pertinente?"

3. Meu oftalmo, no último exame de vista, perguntou várias vezes: "Fica melhor com essa lente ou com esta agora, morena?". E eu respondia com esta, com aquela, mas porque ele sempre pontuava as perguntas com um ectópico "morena", e porque ele é um cara tímido, do tipo que fica corado só por chamar uma pessoa pelo prenome, eu achei que ele estava de ousadia pra cima de mim. Como eu gosto dele, e porque eu tenho um carinho maternal por gente que luta contra a timidez de forma bonitinha, falei: "Ah, doutor, morena eu sou no inverno; quando eu vier aqui no verão, pode me chamar de neguinha." E ele sorriu enrubescido, enquanto tentava esconder uma grossa aliança na mão esquerda. Por que a aliança dos médicos é sempre gorda, larga e grossa, heim? Será que eles não sabem se defender sozinhos, com uma simples anamnese completa?