Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

segunda-feira, junho 25, 2007

A primeira meia-maratona a gente nunca esquece.

Lau et moi: O descanso do guerreiro: depois de 42km, uma soneca num ombrinho descansado de 21km.

Marcelo, Lau e eu na composição "Meias Super Poderosas" ou "A revolta do peixe-palhaço": sem essas meias especiais, teria sido tudo muito mais difícil.

Marcelo Bones e Lau: a pose olímpica com banheiros fermentados de estrume ao fundo. Ecologia é esporte e vice-versa.

A chegada do guerreiro com o Pão-de-Açúcar ao fundo.

Uma luz no fim do Túnel Novo: no km 18, a sensação é de já ter chegado.

Batedores escoltando atletas de elite: os caras merecem.

A elite é magra!

Subindo a Niemeyer, e o dia ainda com preguiça de nascer.

Tive de parar pra fotografar: sempre quis estar a pé neste trecho entre a Barra e São Conrado. O barulho do mar é incrível.

Rafa, eu e as meninas que correm da academia. Aliás, correm à vera!

Chegada na Praia do Pepê, às 6h: escuridão.

Fila pro xixi nervoso, antes da largada. Tenho a impressão de que os banheiros já chegam sujos, não é possível!

Unidos por um fio: dois dos 32 atletas da Dinamarca que vieram ao Brasil pela primeira vez para esta corrida e, lógico, prum Foz do Iguaçu ali, uma Bahia acolá...

Eu & my precious: a medalha mais bonita do mundo, que eu dedico à minha querida amiga, Marina, que não pôde correr desta vez, mas que vai correr comigo na próxima, em setembro.

A SEMENTE DA DOIDEIRA

Quando acompanhei o Lau e seu fiel escudeiro, Marcelo Bones, à largada da meia maratona do Rio, em setembro de 2006, fiquei tão empolgada que decidi que ia, eu mesma, virar uma dessas criaturas que correm por diversão, sem a necessidade instinto-preservativa de ter um leão faminto ou um maníaco do parque no encalço.

A fim de me tornar uma maratonista, e por ser eu uma hipocondríaca de elite, no ano passado eu fiz um check-up bastante elaborado para saber se era sadia o bastante pra iniciar minha nova carreira como maratonista. Nessa ocasião, uma médica insensível de 12 anos de idade, que por mero acaso não era do Copa D'Or, ao ver meu modestíssimo resultado na prova de função respiratória -- um teste ridículo baseado num sopro de boca aberta --, sorriu pra mim e disse: "Você pode ter uma vida perfeitamente normal [com essa obstrução pulmonar moderada, resultante de décadas de asma]. Só não pode correr uma maratona." A bruaca nem sabia que correr maratona era justo o que eu queria, e já estava me detonando com tamanho despautério. Pensei em sair da Clínica São Vicente e me suicidar, mas minha vontade de voltar dois anos depois, com minha medalha de 42km, e dizer: "Enfia o diploma no vafanculo e rasga, sua anta!" era maior. Por isso, calcei meus tênis superfaturados de corrida e comecei a correr que nem uma maluca.

CORRENDO QUE NEM UMA MALUCA

No começo, tudo é festa: se chega algum amigo que você não vê há tempos perto da esteira, sua corrida de 4km vira um trote de 400m, três chopes e algumas coisinhas gordurosas. Um mês depois, quando a série de musculação já está ficando fácil, vai brotando uma vontade natural de queimar calorias, mesmo que isso signifique correr. Eu comecei a correr desvairadamente. Primeiro xeroquei umas planilhas da O2, depois comecei a usar uma planilha do site da Polar que eu nunca consegui seguir, e finalmente eu fiz um contato imediato com um professor de carne e osso, o Carlinhos, que me fez uma planilha de treinamento com base nos meus objetivos (dar um cacete naquela estagiária da São Vicente) e no meu tempo de 10km. Fui pra Lagoa e corri 10km em 54 minutos, tempo que eu nunca mais repeti, o que deixou meu personal professor de corrida com a impressão de que eu sou uma pessoa mentirosa.

Com base nesta planilha fantasiosa, que eu teoricamente conseguiria seguir caso vivesse em hipomania, fiz um treinamento capenga e inconsistente de três meses, sempre com alguma preguiça, uma variedade surpreendente de dores esqueléticas que nunca eram nada demais, e muita indisciplina. Faço meu mea culpa dizendo que fui relapsa, sim, nesta fase básico zero da corrida, mas justifico observando que só o fui por causa do distanciamento temporal entre o momento presente e a gloriosa hora de cumprir meu objetivo final, que é correr 42km sem morrer. Todos sabem que ninguém corre 42km sem antes correr 21km, e ninguém corre 21km sem antes correr 10km. Sob o signo da leveza que só a ignorância nos confere, planejei uma corrida 10km em maio (a provinha no Belvedere de BH, em 2o/05), a meia maratona do Rio, em junho, e os 42km de Nova York, em novembro. Talvez eu esteja afoita demais, mas nada como um dia depois do outro pra revelar a verdade que há em cada loucura ou a loucura que há em cada verdade.


UMA PEQUENA LISTA DE ITENS ESSENCIAIS À PRIMEIRA MEIA MARATONA

Também não quero parecer frívola, embora na verdade, eu seja um pouquinho (não toda hora, mas sempre que atono este meu lado mulherzinha, tipo: ó céus, vou desmaiar, que barata enorme, não tenho roupa, preciso de um megahair e de uma limpeza de pele urgente). Quem me conhece sabe que eu sou o oposto disso 90% do tempo: todo dia apresento no trabalho uma combinação de pijama com camiseta ou vestido e um despenteado diferente. Na véspera da minha primeira meia maratona, porém, como se tratava de uma estréia, eu quase tive um colapso nervoso porque não conseguia decidir se correria com a camiseta da prova (branca, mega discreta) ou com a da academia -- esta sim, linda e verde com letras azuis, combinando com meu short e boné azuis e a listra verde do meu tênis. Resolvido este pequeno impasse, quase infartei quando percebi que eu teria de reaplicar o filtro solar em algum momento da meia maratona, e onde diabos eu iria carregar um filtro solar num short de corrida?!? Aí veio o maior dilema de todos: O QUE LEVAR NUMA MEIA-MARATONA? Ora, se o ser humano vai correr do Pepê ao Aterro pela primeira vez, é óbvio que ele tem de levar, pelo menos:

1. Uma máquina fotográfica pra registrar tudo;
2. Um celular pra pedir socorro pra mãe;
3. Um aipode com músicas animadas pra subida, pra descida, pros joelhos não doerem mais, etc;
4. Um filtro solar para reaplicar no final do percurso;
5. Um boné;
6. Óculos de sol;
7. Um documento de identidade (não sei bem porquê, já que eu tinha um número megaloenorme na camiseta que teoricamente identificaria meu cadáver em caso de morte súbita, mas eu achei muito importante);
8. Dinheiro pro ônibus ou pro táxi, dependendo da gravidade do aleijão;
9. Dois sachês de maltrodextrina com eletrólitos, pra não morrer na praia;
10. Um litro de isotônico congelado pra não morrer desidratada;
11. Uma barrinha de cereais pra não morrer de fome;
12. Um rolo de papel higiênico, pro advento de uma dor de barriga;
13. Vaselina, para lubrificar as partes que roçam na corrida e acabando assando;
14. Casaquinho novo da Zara;
15. Uma mochila grande o bastante pra enfiar tudo isso.

Como o Lau é um cara experiente, ele ouviu minha lista com muita atenção e não me deixou levar tudo, claro. Claro! Ele teve de usar de muito tato pra me convencer, porque eu já estava emocionalmente abalada por ter esquecido meu frequencímetro na academia, o que me impediria de saber gasto calórico (informação muito útil na hora de saber quantos quilômetros eu tenho de correr depois de uma feijoada, por exemplo) e o tempo. Com jeito, ele tentou me dizer que é muito difícil correr 21km carregando tralha, que as tralhas me esfolariam a pele e eu teria dificuldades, que os organizadores do evento sempre distribuem isotônico, bla bla bla. Humilhada por ter minha relação de itens cruciais reprovada, fiz que ia desistir, disse que sem tralha eu não corria, que as tralhas me deixavam menos insegura, até que a gente chegou a uma solução intermediária, que seria deixar algumas tralhas no guarda-volume (papel higiênico, vaselina, mochila, barrinha, óculos de sol), carregar outras (pochete, sachês energéticos, documento, dinheiro, aipode, boné, celular e um micro-frasquinho de filtro solar) e trocar a câmera digital pelo VGA do celular, que é uma merda, mas serve pra isso mesmo. Usei o casaquinho da Zara (obrigada, Nelson!) até as 7h30, quando tive de entregar meu ouro pro guarda-volume.

O DIA D

Às 5h20, ainda escuro no Rio de Janeiro, eu, Lau e Marcelo estávamos no Aterro pra pegar um ônibus até a largada, no cu da zona oeste. Foi nesta hora que me deu um certo pânico: eles dois iriam juntos pro Pontal, onde seria a largada pra maratona; e eu iria SOZINHA, PORRA!, pra Praia do Pepê, na Barra, largar pra meia. Ou seja, às 5h30 eu já estava com vontade de ir ao banheiro, chorar, dormir e morrer. Foi então que vi um índio, todo vestido a caráter, com aqueles saiotes de palha, pintado pra guerra e descalço. Fiquei olhando aquele cara esperando para entrar num ônibus pra Praia da Macumba e pensei: "Se esse cara vai correr descalço do Pontal ao Aterro e nem está chorando, então eu também não vou chorar". Subi num ônibus, fiz amizade com uns dinamarqueses e uns mineiros (eu tenho facilidade), servi de intérprete prum correspondente da Contra-Relógio fazer umas entrevistas e, quando eu vi, já éramos uma grande família desembarcando no Pepê.

Lá, encontrei a galera da academia, passamos vaselina no corpo todo, fizemos nosso xixi nervoso -- ao ver que o xixi nervoso muitas vezes vira um cocô nervoso, tive dó e deixei meu rolo de Neve lá pra geral limpar a bunda --, nos alongamos, fomos fotografados nas poses mais esdrúxulas do alongamento, deixamos nossos volumes no guarda-volume, testamos o volume dos radinhos, pulamos pra driblar o frio e largamos num estouro de boiada.


GENTE É PRA SE SUPERAR, MAS CADA UM SABE DE SUAS LIMITAÇÕES

Eu sabia que não tinha feito meu dever de casa, e portanto não chegaria em primeiro lugar (UHAUHAUAHAU). No entanto, eu sabia que, entre 15 mil participantes, eu dificilmente seria a última a chegar, embora isso também me parecesse tão ou mais atraente que chegar em primeiro (sempre tive uma queda pelos frascos e comprimidos). Por isso, decidi que não acompanharia ninguém durante a prova; correria sozinha, e cuidaria pra manter meu ritmo constante. Meu único objetivo era chegar inteira, sem sofrer e sem mancar. Fiz o percurso todo com isto em mente, bem toli-toli-tolá, agora eu vou chegar. Passei o trajeto todo apreciando a vista, tirando fotos, batendo na mão de todas as criancinhas que a estendessem pra mim e até incentivando quem parecia estar morrendo na praia.

DEVAGAR E SEMPRE

Um dos mortos-vivos por quem eu passei dezenas de vezes era um canadense que corria com uma camiseta do Diabetes Team. Era um cinquentão meio gorducho que já suava em bicas no km3, na praia do Pepino. Talvez porque fosse evidente que se tratava de um canadense, talvez por eu ser realmente ridícula, cismei de falar com o cara durante o Pepino. Nada mais desagradável que alguém que nem está suando falar com você animadamente quando você não só está suando, como quase morrendo. Na verdade, eu não queria fazer amizade: eu estava apenas sendo naturalmente ridícula. E aí eu mandei a fatal tradução literal: slowly and always! E porque eu ria alto (na verdade, gargalhava de mim mesma, da minha superação na arte de ser ridícula numa hora dessas), o canadense tomou ódio de mim. E foi até o final mancando, andando e suando, mas sempre que eu passava trotando por ele naquele meu ritmo "toli-toli-tolá, agora vou te passar", ele ficava arisco, gente, uma coisa impressionante, e corria até sumir de vista. Só que isso aconteceu umas vinte vezes. Conclusão: os canadenses são ariscos!

O IMPORTANTE É CHEGAR.

Teve um momento em que eu pensei: vou acelerar agora pra completar em 2h20. Mas depois me dava uma preguiça de sentir dor nos joelhos, dor de corno, enfim, uma preguiça de sofrer, e acabei a prova quando o relógio da largada marcava 2h45. Ou seja: fiz um tempo pouca coisa menor que isso.

Recompensas não faltaram: no quiosque da minha academia, ganhei alongamento, massagem, sandubinhas, salada de frutas, isotônicos e o carinho da galera. Fui a última do grupo a chegar, é bem verdade, mas ninguém me recriminou por isso. Logo depois, minha mamma chegou esbaforida com meu pai: quando eu disse que estava na massagem, ela logo pensou que era massagem de ressuscitação cardíaca e ficou apavorada. Foi me procurar primeiro no quiosque da Golden Cross, e quase teve uma síncope de felicidade por me ver tão viva. Em seguida, chega o Joelito com sua mega-ultra-power câmera, para registrar... a chegada do Lau! Ele não levou fé em mim e não acreditou que eu fosse correr.

5h35 após a largada, chegam o Lau e o Marcelo de seus 42 sofridos quilômetros. Eles são, definitivamente, meus musos, meus heróis, meus tudo-de-bom. Estarão sempre 21km e dois anos à minha frente, mas não importa. Um dia, eu também chego lá. O importante é não parar. Ou melhor: o importante é dizer pros médicos que eles não sabem de nada. Melhor ainda: eles não sabem de nós. E os urubus continuam passeando a tarde inteira entre os girassóis.