Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

quarta-feira, junho 13, 2007

Fundamentalismo

Estudei em escola católica e, talvez por isso, ou talvez porque minha mãe tenha se tornado uma fundamentalista católica depois que começou a estudar Teologia na PUC (ou depois que minha avó morreu, é difícil julgar), transformei-me numa pessoa impaciente com o tema religião. Veja bem: qualquer religião!

Outro dia fui visitar um amigo no hospital e logo chegou uma outra visita: era um cara de São Paulo com seu personal pastor importado de Recife. Em menos de cinco minutos, eles começaram a falar sobre o salmo 23 e um tal de vale das trevas, vale da morte, vale-qualquer-coisa, e aquilo foi me dando uma angústia crescente e um puta mal-estar. Olhava pro meu amigo e entendia que ele entendia que os caras o estavam enterrando vivo. À medida que o enterro-em-vida prosseguia, o brilho em seu olhar ia se apagando. Cruzei e descruzei as pernas com a velocidade da luz, levantei, sentei, pigarreei, tossi forte, fingi que atendia o telefone e falei mais alto que um gaúcho médio, mas nada fazia cessar a pregação resignada do vale-enterro-em-vida. Quase pedi pra enfermeira trazer uma overdose de Simancol pros maníacos do vale da morte. No mundo ideal, essa gente seria tratada com supositórios de Simancol tão calibrosos quanto um foguete, e tão acesos quanto a tocha olímpica.

Pô, então o cara se desloca centenas de quilômetros pra pagar um mico desses? É por causa de gente assim que as reservas de petróleo no mundo vão se esgotar. Os religiosos se deslocam mais que a média, vão muito à meca, peregrinam demais, visitam muitos doentes em hospitais e importam, do raio que os parta, muitos pastores, rabinos, mulás, bispos e pais-de-santo, executivos que, no final das contas, só querem saber o valor do dízimo. Eu sou descrente, eu sei, e não tenho nada contra Deus ou seus representantes celestiais, mas a interface Deus-Homem é muito falha. Só uma pessoa muito inteligente, o que não é meu caso, consegue sublimar esses bugs do sistema e se tornar um religioso não-fundamentalista (ou seja, uma pessoa religiosa não chata e não castrada, como era minha mentalmente sã avó).



Se estivesse viva, minha avó estaria desde ontem fazendo simpatias pra Santo Antônio em meu nome. A véia rezava muito, e tinha uma reza forte que só. Ela não entendia, assim como minha mãe não entende, porque eu não casei nem tive três filhos antes dos trinta, como elas. Minha mãe, aliás, ontem me deu um presente misericordioso de dia dos namorados: achei fofo, sobretudo porque, no cartão, ela dizia algo como "nem vou torturar mais seus namorados, então pode arrumar logo um!". Como estou sem voz há 3 dias, e meu pai acha que isto me torna um tipo ideal de mulher, e como há grandes chances de minha mãe estar rezando por mim uma novena secreta pro pobre do San Totonho de cabeça pra baixo num copo d'água, virado pra parede e sem o Menino Jesus (é muita tortura por nada!), não estranhem nem um pouco se, daqui a uns dias, eu estiver realmente namorando. Minha mamma pode estar até trilhando os caminhos equivocados da fé, mas herdou de minha avó a reza forte. Ainda bem que somos do mesmo time!