Como a morte e os impostos
Acabaram minhas férias, conforme previsto. Como previsto, tudo que sobe desce; e tudo o que é bom acaba. Se eu participasse de um grupo de auto-ajuda, eu diria o seguinte pros miseráveis à minha volta:
Quando eu finalmente levantasse a cabeça para encarar a platéia sinistramente silenciosa, veria alguns anônimos ainda limpando suas lágrimas antes dos aplausos rasgados ao meu depoimento tão sincero. Um anônimo diria que eu consegui finalmente verbalizar o que ele jamais tivera coragem de assumir, e que ele não tem nada contra o lugar que vive ou as pessoas com quem convive, mas gostaria muito de poder estar nos mesmos lugares e com as mesmas pessoas sem essa obrigação excruciante de acordar numa determinada hora e fazer todo dia tudo sempre igual. Nesse instante, a sobriedade da reunião se romperia por uma animação inesperada, e todos começariam a compartilhar suas experiências traumáticas com férias curtas demais e chefes levianos. Seria um momento bonito de grupo, mas tumultuado demais para não exigir a interferência do mediador. Ele proporia o seguinte exercício: por que então, nas próximas férias, a gente não resolve trabalhar em vez de tirar os dias livres a que temos direito? Seria um exercício interessante de dessensibilização, ele seguiria dizendo, e eu imediatamente pensaria, lá com meus imaginários botões, que Freud, o Sigmund, a título de experimentação, claro, enfiaria um charuto aceso no rabo desse sujeito. Porque às vezes um charuto aceso no fiofó dos outros é apenas um refresco.
Em meio ao tumulto formado na minha reunião ficcional de auto-ajuda dos feriados anôminos, eu voltaria pra casa, quieta como a noite -- e triste como a chuva --, para me preparar para mais uma rotina de 12 meses de trabalho por 1 de férias.
Nada me tira da cabeça que essa relação de 12:1 é mesquinha, mas vai ver que minha matemática afetiva interfere muito negativamente nesses cálculos trabalhistas. Ou talvez eu goste demais de férias, e se um dia isso ganhar um código internacional de doenças mentais graves, espero pelo menos obter algum abatimento no imposto de renda por isso. Porque a verdade é que eu sofro quando as férias acabam. E eu sofro de verdade.
PS: Quando eu estiver menos chuvosa, volto aqui pra contar da catarse do Harlem e de um ou outro insight que essa viagem me deu.
- Olá, meu nome é Vanessa Ornella e minhas férias acabaram. De novo. Sou viciada em férias pesadas e estou no fundo desse poço há 36 anos. Minha família não desconfia. Nem meus amigos, nem meus colegas de trabalho imaginam que eu esteja envolvida nesse vício maldito, e só eu sei o que eu passo pra passar por uma pessoa que tira férias, viaja e volta pra casa todos os anos. Todo ano, meus amigos e companheiros de doença, eu planejo fugir, mas na hora H tenho medo de virem me buscar. De me encontrarem de biquini com 5 quilos de férias a mais numa praia de Ibiza. No ano que vem, no entanto, eu juro que fujo. Vou tirar férias num lugar onde só se possa chegar de trem, jegue e nado, e não volto. Vou lutar até o fim, e não volto!
Quando eu finalmente levantasse a cabeça para encarar a platéia sinistramente silenciosa, veria alguns anônimos ainda limpando suas lágrimas antes dos aplausos rasgados ao meu depoimento tão sincero. Um anônimo diria que eu consegui finalmente verbalizar o que ele jamais tivera coragem de assumir, e que ele não tem nada contra o lugar que vive ou as pessoas com quem convive, mas gostaria muito de poder estar nos mesmos lugares e com as mesmas pessoas sem essa obrigação excruciante de acordar numa determinada hora e fazer todo dia tudo sempre igual. Nesse instante, a sobriedade da reunião se romperia por uma animação inesperada, e todos começariam a compartilhar suas experiências traumáticas com férias curtas demais e chefes levianos. Seria um momento bonito de grupo, mas tumultuado demais para não exigir a interferência do mediador. Ele proporia o seguinte exercício: por que então, nas próximas férias, a gente não resolve trabalhar em vez de tirar os dias livres a que temos direito? Seria um exercício interessante de dessensibilização, ele seguiria dizendo, e eu imediatamente pensaria, lá com meus imaginários botões, que Freud, o Sigmund, a título de experimentação, claro, enfiaria um charuto aceso no rabo desse sujeito. Porque às vezes um charuto aceso no fiofó dos outros é apenas um refresco.
Em meio ao tumulto formado na minha reunião ficcional de auto-ajuda dos feriados anôminos, eu voltaria pra casa, quieta como a noite -- e triste como a chuva --, para me preparar para mais uma rotina de 12 meses de trabalho por 1 de férias.
Nada me tira da cabeça que essa relação de 12:1 é mesquinha, mas vai ver que minha matemática afetiva interfere muito negativamente nesses cálculos trabalhistas. Ou talvez eu goste demais de férias, e se um dia isso ganhar um código internacional de doenças mentais graves, espero pelo menos obter algum abatimento no imposto de renda por isso. Porque a verdade é que eu sofro quando as férias acabam. E eu sofro de verdade.
PS: Quando eu estiver menos chuvosa, volto aqui pra contar da catarse do Harlem e de um ou outro insight que essa viagem me deu.
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