Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

sexta-feira, novembro 07, 2008

Alô, isto é um sequestro.

Eu trabalho num lugar onde rajadas de metralhadores muitas vezes se confundem com o canto dos passarinhos, e por isso morro de medo de banalizar a violência a ponto de esquecer que eu sou um ser humano. Meus pais, no entanto, assumem sua blindagem afetiva, e por mais bárbaro que isto possa parecer, esse distanciamento crítico evitou, felizmente, que os dois caíssem no golpe do sequestro de ente querido pelo celular.

Pra quem não sabe, este golpe consiste numa tentativa de extorsão meramente afetiva: o bandido, que nada tem além de um celular, liga pra alguém que ele aposta ter filhos e diz que detém um dos rebentos do interlocutor como refém. Obviamente, se uma determinada quantia em dinheiro não for depositada ou entregue até um determinado horário, o suposto refém virará estatística. É horrível, eu sei, mas só cola entre os mais aflitos e apressados, que concordam em pagar antes mesmo de verificar se o filho não está dormindo em sua própria casinha (e em outros casos excepcionais, com estrutura logística mais sofisticada).

Minha mãe foi a primeira vítima aqui em casa:
- Alô?
- Mamãe, mamãããe... ele vai me matar, mamãe! (a pessoa chora e grita como se estivesse em transe)
- É mesmo, minha filha?
- É, mamãe... ai, mamãe... fala aqui com ele.
- Tá bem, chama ele aí que eu vou tentar convencê-lo a não fazer uma coisa dessas, onde já se viu!
E a conversa, como vocês podem imaginar, não durou muito tempo. Minha mãe salvou uma vida, pode-se dizer.

Meu pai foi a segunda vítima:
- Pronto.
- UAHHHH, NÃO, AIIIII, NÃO! ME AJUDA, AAAAAAI!! (a pessoa que dá os dramáticos gritos introdútorios ao colóquio é substituída na linha por uma outra, de voz bem mais calma e controlada, mas ainda assim nervosa:) Eu tô com teu filho aqui, tá me ouvindo? Vou queimá ele, tá me entendendo?
- Ah, sim entendo. Sei exatamente o que você está sentindo: ele só me dá trabalho, é um preguiçoso, nunca quis trabalhar, come muito, enfim, é só problema. Não perde tempo, meu amigo: queima logo!
- Não tô de brincadeira não, eu vou queimáááááá! (e os gritos de ai, ui, ai ao fundo)
- Tá bem, faça como bem entender. E só mais uma coisa: [...]

A fim de preservar a privacidade e aura pudica de meu adorado pai, não transcrevi as sugestões de cunho sexual que ele fez ao meliante, mas eu posso garantir que o bandido nunca tinha ouvido palavras tão altas para coisas tão exoticamente sujas.

Uma coisa que a gente pode fazer para evitar esse golpitcho é apagar da agenda do celular todas as referências familiares, como "mamãe", "tio", "vovó", etc. É mais fácil pegar uma vovó cujo netinho perdeu o celular na frente da Escola Parque (e portanto está fora da área de cobertura ou desligado), que uma criança de 15 anos que porventura receba uma ligação dessas. Aliás, é o sonho de todo adolescente receber uma ligação assim no recreio da escola. Meus pais que o digam!