Por que mentem os taxistas?
Ontem peguei o mesmo táxi daquele cara que me contou o causo do coelho pimpão. Comentei que havia contado a estória do coelho pros meus amigos e que todos se divertiram, ao que ele respondeu:
-- Ah, esse coelho é uma figura! Está lá em casa até hoje, gordo que só ele.
Confesso que minha primeira reação foi de alívio: então o coelho não morreu! Não foi pra panela! Num segundo momento, contudo, eu olhei pra cara dele pelo retrovisor e me ocorreu que o coelho jamais poderia ter morrido, porque esse coelho provavelmente nunca existiu; e coelhos ficcionais não morrem. Depois, eu senti uma inveja quase raivosa do taxista por ele ter conseguido inventar um estória tão fantástica -- envolvendo um taxista, um coelho que gosta de andar de carro, feirantes, frentistas, uma passageira míope, um poodle-de-malandro e uma vizinha assassina --, e eu não. Então, fiquei dividida entre o triunfo do flagrante (És mentiroso, ó taxista!) e a diplomacia. Acabei optando pela segunda, sorri e permaneci em silêncio o tempo todo, espiando vez por outra a cara do taxista pelo espelho, pra ver se lhe cresciam galhos e folhas no nariz, tal qual um Pinóquio contemporâneo.
Poucos segundos antes de descer, no entanto, notei que não tinha superado minha decepção por ter descoberto que a estória do coelho era inventada. Como é triste saber que a arte, embora imite a vida, tantas vezes a supera! Abatida pela melancolia de me perceber reles personagem real que nunca se assemelhará, em feitos, a uma personagem fantástica, perguntei ao meu contador de causos preferido, já com a porta aberta:
-- E o coelho? Casou e teve filhos?
-- Muitos! Até com a poodle ele já cruzou. Agora que ela tá prenha, vamos ver no que vai dar. Não teve uma gata no sul que pariu uns cachorrinhos? Pois é. Quem sabe minha poodle não vai parir uns coelhinhos?
Um sorriso holístico me percorreu todos os meridianos da alma. Despedi-me, feliz, fazendo cara de "quem sabe?", e saí com a certeza de que a mente humana é um calabouço insuperável de idéias.
-- Ah, esse coelho é uma figura! Está lá em casa até hoje, gordo que só ele.
Confesso que minha primeira reação foi de alívio: então o coelho não morreu! Não foi pra panela! Num segundo momento, contudo, eu olhei pra cara dele pelo retrovisor e me ocorreu que o coelho jamais poderia ter morrido, porque esse coelho provavelmente nunca existiu; e coelhos ficcionais não morrem. Depois, eu senti uma inveja quase raivosa do taxista por ele ter conseguido inventar um estória tão fantástica -- envolvendo um taxista, um coelho que gosta de andar de carro, feirantes, frentistas, uma passageira míope, um poodle-de-malandro e uma vizinha assassina --, e eu não. Então, fiquei dividida entre o triunfo do flagrante (És mentiroso, ó taxista!) e a diplomacia. Acabei optando pela segunda, sorri e permaneci em silêncio o tempo todo, espiando vez por outra a cara do taxista pelo espelho, pra ver se lhe cresciam galhos e folhas no nariz, tal qual um Pinóquio contemporâneo.
Poucos segundos antes de descer, no entanto, notei que não tinha superado minha decepção por ter descoberto que a estória do coelho era inventada. Como é triste saber que a arte, embora imite a vida, tantas vezes a supera! Abatida pela melancolia de me perceber reles personagem real que nunca se assemelhará, em feitos, a uma personagem fantástica, perguntei ao meu contador de causos preferido, já com a porta aberta:
-- E o coelho? Casou e teve filhos?
-- Muitos! Até com a poodle ele já cruzou. Agora que ela tá prenha, vamos ver no que vai dar. Não teve uma gata no sul que pariu uns cachorrinhos? Pois é. Quem sabe minha poodle não vai parir uns coelhinhos?
Um sorriso holístico me percorreu todos os meridianos da alma. Despedi-me, feliz, fazendo cara de "quem sabe?", e saí com a certeza de que a mente humana é um calabouço insuperável de idéias.
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