Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

domingo, abril 15, 2007

O esporte é meu pastor, e nada me faltará.


Arrumei um sucedâneo de marido. Ele não é muito sociável, não gosta de beber e nem de sair à noite. Acorda às 6h todos os dias, e pra ele não existe diferença entre domingo e terça: todo dia é dia de ralar e acordar cedo. O cara é meio exigente, em todos os sentidos, e não me deixa comer chocolate, coisas gordurosas e enlatados, em geral. Em compensação, dá no couro legal: tem dias que ele me faz dar 15 sem sair de cima. Eu sempre acho que vou morrer, claro, mas no dia seguinte eu quero mais! Só que ele impõe um recesso de 24h. Não é ciumento: deixa que eu o troque por outro dia sim, dia não. Aliás, ele até exige isso pra poupar meu pobre esqueleto de lesões irreversíveis. Com tanta generosidade, um dia vou me tornar triatleta, pois já estou correndo e pedalando bem, e natação eu pratiquei dos 4 aos 24: é só retornar.

Eu nunca achei que fosse me realizar em algum esporte, mas definitivamente estou empolgadíssima com o treino para a meiúca do Rio. Culpa do Lau, que me apresentou às maratonas. Fiz minha inscrição pra meia (maratona) deste ano, meu marido rigoroso até o dia 24 de junho, e estou empenhadíssima: a partir desta semana, meu menor treino terá 8km, mas minha planilha prevê corridinhas de até 16km: duas voltas e tal na Lagoa. A O2 virou minha revista de cabeceira e, na minha cabeça megalomaníaca, já estou planejando até correr a marotona de Lisboa ou Paris ou NYC no ano que vem. Qualquer maratona é um bom pretexto pra passar meses economizando (evitar a naite e suas bebedeiras é um puta alívio no bolso do contribuinte) e emagrecendo. A corrida, quando levada a sério, seca um ser humano adiposo em poucas semanas. Mais dois meses assim, e vou economizar em cremes e massagens anticelulite pro resto da vida.

Eu sei, vocês vão dizer: corridas não fazem filhos nem fotos de casamento na sala. E eu serei obrigada a replicar: mas não falam merda, não mentem que vão ligar no dia seguinte, não têm medo de mulheres com M maiúsculo e ainda dão mais prazer que a maioria dos homens mezzo imbecis, mezzo metrossexuais, que são praticamente os únicos que sobraram nessa xepa de bofes solteiros ou descasados que não dão a bunda como primeira opção.

Talvez eu esteja correndo só pra fugir do apocalipse: afinal, o efeito estufa taí, o papa nazista vem aí, e eu começo a cogitar se não é muita loucura querer ter filhos com um débil mental qualquer, só pelo prazer de parir (já que um dos principais sintomas do apocalipse é o desprezo pelos machos de nossa espécie, um desprezo crescente que não é só meu, é geral), ainda mais num mundo doido como este. Hoje me deu um desespero tão grande, que eu pensei: prefiro me fuder assim no Quebec, que pelo menos lá não há densidade populacional pra que testemunhem o naufrágio da minha fé no futuro da Humanidade.

Vou correr pra esquecer. É como qualquer outro vício, só que faz bem.


Tende piedade, Senhor, de todas as mulheres
Que ninguém mais merece tanto amor e amizade
Que ninguém mais deseja tanto poesia e sinceridade
Que ninguém mais precisa tanto de alegria e serenidade.

Tende infinita piedade delas, Senhor, que são puras
Que são crianças e são trágicas e são belas
Que caminham ao sopro dos ventos e que pecam
E que têm a única emoção da vida nelas.

Tende piedade delas, Senhor, que uma me disse
Ter piedade de si mesma e de sua louca mocidade
E outra, à simples emoção do amor piedoso
Delirava e se desfazia em gozos de amor de carne.

Tende piedade delas, Senhor, que dentro delas
A vida fere mais fundo e mais fecundo
E o sexo está nelas, e o mundo está nelas
E a loucura reside nesse mundo.

(Trecho de Elegia Desesperada, do Poetinha)