Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

sexta-feira, outubro 10, 2008

Tarô

Chega um determinado momento da vida em que a gente precisa tomar uma decisão, e ela era do tipo que não decidia nada sem consultar o inconsciente coletivo, os astros, o tarô, os búzios, enfim: era uma mulher de fé! Só que sua crença esotérica tinha uma particularidade: para evitar que um determinado tarólogo (ou astrólogo, ou buzólogo, etc) começasse a montar quebra-cabeças complexos com os fatos que ia revelando de sua vida, e a fim e evitar que isso interferisse na clarividência do profissional, ela se forçava a trocar de esoterista após a segunda consulta.

Mal entrou na casa do novo tarólogo - super bem indicado por uma amiga como o mais infalível do Rio, "não erra nada, menina, é duma precisão cartesiana, tudo o que diz é batata, chega a dar medo!" -, foi logo impondo suas regras:

- Olha, antes de você pôr as cartas, já vou avisando que não quero saber de notícia de morte. Se der morte, pode ser até da bezerra, prefiro que não me diga nada porque eu tenho muito medo dessas coisas.

Ele concordou, acendeu velas, rezou, pediu pra ela cortar com a mão esquerda, escolher dez cartas, virou, pôs numa certa ordem e olhou, olhou, olhou, franziu o cenho, mas não disse nada. Até que suspirou, levou as mãos à testa como se enxugasse um suor invisível e fez aquela expressão emblemática de "e agora, josé?".

- O que foi? Meu jogo tá muito ruim?
- Não sei, querida, tá? Olha pra isso e me diz o que você acha: o enforcado tá de cabeça pra baixo na casa das mudanças olhando pra imperatriz, que tá na casa dos temores, e daí pra frente, ó, tá tudo trancado. Eu sei, você me pediu pra não falar de morte, mas com esse jogo tá difícil!
- Ai, meu Deus! Eu vou morrer? Agora que você tocou nesse assunto, eu preciso saber!
- Olha, não é bem assim que o tarô funciona: o tarô não diz, tá, sugere. As cartas apenas representam as suas tendências no momento, mas o destino não está completamente definido, até por causa do livre arbítrio. Então é assim: você tem grandes chances de sofrer, sei lá, um sequestro relâmpago, uma saidinha de banco, uma bala perdida, essas coisas traumáticas que acontecem no Rio. São eventos praticamente arquetípicos pro carioca que, mesmo que não resultem em morte, representam uma perda muito grande.
- OK, vamos trocar a idéia da morte pela idéia de uma perda muito grande. Se é uma perda muito grande, será que eu vou terminar com meu namorado?
- Poderia ser, mas olhando aqui seu jogo... não me parece que você esteja namorando no momento...
- E se eu eu arrumar um hoje? Eu posso arrumar um namorado, aí ele termina comigo e a perda fica sendo essa.
- Não, não tem bofe nenhum aqui nesse jogo.
- E se essas perdas muito grandes forem referentes à minha carteira de ações? Eu perdi muito, muito, muito mesmo. Foi uma perda muito grande!
- Escuta, querida, eu entendo que você esteja muito abalada com essa notícia, mas com a Morte a gente não tem poder de barganha. Tá claro aqui, ó: você vai morrer. Ou sofrer uma perda muito grande. De qualquer jeito, esse evento mudará seu destino.
- E se mudar o destino da cidade? E se essa perda tiver uma conotação política? Eu ando muito envolvida com as eleições municipais, isso tem preenchido minha vida quase que completamente. Eu tou muito envolvida com a minha cidade, eu amo o Rio, eu amo ser carioca. É tanto amor e envolvimento que talvez o tarô tenha confundido o meu destino com o do Rio, né? Heim? O que você acha?
- Bem, se você está assim, tão envolvida, até pode ser. Mas se for isso, sinto muito: significa que seu candidato vai perder.
- Ótimo! Quanto lhe devo?
- 50, mas você não quer ouvir o resto do jogo?
- Não, obrigada, eu já tenho a minha resposta. Coitado do Gabeira, ele bem que merecia ser prefeito do Rio. Não era pra ser!

Pagou, caminhou até a saída e, antes de sumir pela porta, voltou-se pro tarólogo, que ainda balançava a cabeça, atônito:
- Vem cá, o Gabeira é seu cliente?
- Por acaso é.
- E aí, ele vai ganhar ou vai perder?
- Vai ganhar.
- Puta que pariu!
- Que foi?
- Vou ter que começar a gostar daquele pilantra vira-casaca do Eduardo Paes!
- Ou então vai morrer.
- Nem morta!