Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

quarta-feira, abril 22, 2009

A viagem em fatos e fotos fora de ordem, como convém.


Cusco, Peru. Rua cusquenha de bares, restaurantes baratinhos (na casa de 7 soles, com entrada, prato principal, sobremesa e uma chincha adocicada) e cursos rápidos de espanhol, mas quem precisa de espanhol quando se tem cara-de-pau? A minha, por exemplo, rapidamente adaptou verbos (tudo virou uma variação de hacer e quedarse, pero conjugados em bom e perfeito português), inventou palavras, substituiu "v" por "b", "ão" por "ion", incorporou um sotaquezinho hilário, engrenou uma terceira, e fomos que fomos. Mas agora eu me sinto na obrigation moral y cívica de aprender espanhol. Nem que seja pra barganhar melhor. Desconcertante barganhar em portunhol/italianês.

Cusco, Peru. No museu inca (uma pequena decepção, ma va bene), tentei emplacar uma conversa com esta artesã quechua, mas meu quechua não rende um oi. Na verdade, eu só queria saber por que as mulheres quechuas não têm cabelo branco. Deve ser a alta altitude: como falta oxigênio, também falta peróxido de oxigênio pra clarear os fios negros. Radical livre passa longe desse povo. O ar rarefeito é melhor que filtro solar pra preservar a pele.

Peru, em algum ponto da Panamericana entre Cusco e o cu de Puno. Não se deixem enganar, amigos: Puno é o pior lugar do Peru. OK, talvez Puno apenas perca pra Juliaca, ou o que quer que se chame aquele lugar horroroso povoado por traficantes bolivianos mal encarados, bem ao lado de Puno. Mas não era isso que eu queria dizer. Aí na foto, quatro horas antes de atingir o ponto mais baixo da viagem (que era, paradoxalmente, um dos pontos mais acima do nível do mar), o ônibus parou num lugar cheio de lhamas, vicunhas e alpacas. Esse bebê aí é um dos três, não sei qual. São três camelídeos muito parecidos, mas um é mais alto, magro ou largo que o outro. Os peruanos, no entanto, comem todos seus camelídeos, sem distinção. Nunca comi tanta galinha quanto no Peru. Morri de medo de comer algum bichinho fofo inadvertidamente.

Cusco, Peru. Rua de San Blas, onde fiquei. Como bem disse a Gabi, minha musa Amaral, é uma espécie de Santa Teresa local, cheia de bares, galerias de arte e lojas bem transadas de artesanato menos convencional. É difícil fugir ao artesanato convencional no Peru. Em dois dias, qualquer um decora tudo o que eles têm pra vender, as faixas de preço (que variam com a cor da pele do freguês) e os métodos de engambelamento (níquel passa por prata, lã de ovelha passa por lã de alpaca, e por aí vai).

Lima, Peru. Neste ponto da viagem, eu estava revoltadíssima por ter tido meu vôo Cusco-Lima cancelado e ter ficado 6 horas chupando dedo no aeroporto como resultado dessa arbitrariedade. Por causa disso, cheguei a Lima tarde demais e perdi a chance de conhecer qualquer museu mega recomendado da capital. Mas vi um pôr-do-sol, va bene, e depois tomei uns piscos e etc na Santa Teresa de Lima, o Barranco. Se você também perder os museus de Lima, não desanime: o Barranco tem vista pro mar, bares incríveis e não decepciona.

Lima, Peru. Será que toda porta de igreja colonial é encravada desses mamilos de bronze provocantes ou isso só acontece no Peru? Eu nunca tinha reparado nisso antes. Pô, um país com um nome desses deveria ter mais decência na hora de encravar coisas nas portas de suas igrejas. Eu achei constrangedor ver que as pontas dos mamilos são lustradas pelo toque humano. Na foto, você vê só um detalhe, mas imagine isso multiplicado por mil! Cada porta de igreja do século XVI tem umas mil peças dessas de cada lado, e tantos mamilos no Peru, sei lá... simplesmente não pega bem.

Rio Madre de Dios, Peru. Este é o Tanzaro, um cidadão do mundo absolutamente descolado, querido e bem resolvido que conheci na Amazônia. Apaixonado pelo Brasil e sediado em Cusco, é daquelas pessoas que a gente tem total certeza que verá de novo. Tivemos conversas incríveis nas tardes de rede à beira do Rio e ele fez parte da minha galera amazônica que, ao final da estadia de três dias no lodge, parecia se conhecer desde criancinha. Quando você fica num lugar isolado e ilhado por cobras e répteis de botes noturnos, onde não há energia elétrica após as 22h, as pessoas são a atração principal. Elas sempre são, mas, neste contexto, o ser humano se torna ainda melhor.

Amanhecer singelo no rio Madre de Dios, Peru. Este rio é um braço do Amazonas e eu naveguei por uma hora e meia nele, a partir de Puerto Maldonado, para chegar ao EcoAmazonia Lodge, onde fiquei por 3 dias. Este foi, definitivamente, um dos pontos altos da viagem. O lodge tem acomodações super gracinhas, completamente teladas, com rede e eletricidade em 3 períodos do dia. Ficar numa hospedaria dessas significa entrar num esquema meio summer camping, com expedições guiadas, pescarias, mergulhos e atividades programadas durante todo o dia - incluindo passeios noturnos de barco pra ver jacaré à margem do rio - a fim de que o freguês não sucumba ao tédio. O gerente é uma espécie de diretor de presídio, porque é ele quem determina em que mesa do refeitório sentará cada grupo (são vários grupos, o lodge tem capacidade pra cerca de 100 pessoas, mas quando eu fui tinha apenas cerca de 30), os horários herméticos dos passeios e das refeições. Aliás, todas as refeições estão incluídas no pacote, já que é meio trevas sair por aí, pelo rio e pela mata, atrás de um restaurante, bar ou boite bacana. Os alcóolatras e comilões podem respirar aliviadamente, porque o lodge tem um bar/cantina que funciona de seis às vinte e duas. Nem preciso dizer que é a cerveja mais cara do Peru. Os caras se valem fortemente da lei da oferta e da procura, mas quem quer encher a cara quando os grilos (e outros milhares de bichos não identificados) que aqui guizalham não guizalham como lá? Dormir na Amazônia é como dormir numa sala de yoga com musiquinha de floresta ao fundo. Só que bem melhor, porque além de não ter que ficar trocando o CD, você toma café da manhã ao lado de araras e tucanos e ainda pode trocar umas idéias e ervas marotas com o xamã local.

Este é o Moe, iraniano inglês que fez parte da minha tchurma amazônica. Um doce de ser humano.
Amazônia peruana. Esta é a maior árvore que já vi na América do Sul. O nome, infelizmente, me esqueci, mas significa "rei da floresta" ou algo assim. É tão alta que não se vê o topo. Idade estimada em 500 anos. A formiguinha ao centro sou eu.

Rio Madre de Dios, chegando ao Lodge. Nenhuma habitação humana num raio de 20 km.

Cusco, Peru. Eu e Nicolas, o argentino queridíssimo que conheci qando dançava que nem uma maluca no Mamma Africa, casa noturna local onde todos os turistas sacodem o esqueleto à noite. No dia seguinte a esta foto, ele iniciou sua caminhada de 5 dias pela trilha inca com um grupo. As pessoas fazem essa caminhada como uma peregrinação às fronteiras do limite humano, para conhecer seu poder de superação. Muitas pessoas fazem isso quando terminam um namoro, perdem um emprego, enfim, passam por situações que abalam a auto-estima. Mas há as pessoas que também entram nessa porque um amigo disse que seria legal ou porque é a forma mais barata de chegar à MacchuPichu. Eu me enquadro na categoria que fará o passeio porque todo mundo que eu encontrei depois da aventura relata ter perdido 5 kg. Raciocinem comigo: são apenas 200 dólares para perder 5 quilos em 5 dias. É o spa mais barato do mundo, e provavelmente o que tem a vista mais bonita e a desculpa esotérica mais convincente. Eu sempre vou poder dizer que fiz a trilha inca porque queria entrar em contato com o meu eu mais profundo, mas a verdade é que meu eu mais profundo está soterrado sob uma moderada camada adiposa contra a qual eu sempre hei de lutar.

Update: li um email do Nicolas há pouco que dizia que a caminhada foi maravilhosa, etc e tal, mas ele se assustou muito quando um homem morreu de um ataque fulminante do coração bem ao lado dele. Estavam caminhando juntos, quando o cara bateu as botas, literalmente. Ou seja: talvez haja métodos de emagrecimento menos arriscados que uma trilha inca, mas ainda não descartemos a hipótese por completo.

Lago Titicaca, Peru. O menino lindíssimo da foto estava no mesmo bote de totora que eu peguei de uma ilha flutuante a outra, e durante todo o trajeto ele cantou músicas em 10 línguas distintas. Seu pai, o remador, dizia: ahora en italiano. E o menino cantava Volare. Francês: frère jacques. E por aí foi, até chegar no português. Eu, a única brasileira do bote, bati palminhas e fui ao delírio quando ele cantou "sapo no lavu pé, no lavu pé puque num qué". Eu juro que, nesse momento, quase virei a canoa, porque senti a necessidade de ovacionar de pé, e não é recomendável ovacionar de pé numa lagoa gelada, a bordo de uma canoa primitiva feita de palha e garrafa pet. O menino, depois da cantoria, passou por todos os passageiros da canoa para cumprimentá-los e pegar uma gorjeta, e eu, que sou descarada, puxei-o pela mãozinha e dei-lhe uma agarrada memorável, daquelas que a gente dá nas crianças que tocam o nosso coração. As crianças peruanas, todas elas, tocaram meu coração profundamente. Não sei se pela beleza de rosto sujo ou se pela forma graciosa como encaram a miséria, mas eu digo a vocês: é praticamente impossível sair do Peru sem jurar pra si mesmo que a primeira coisa a fazer, de volta à casa, é se apresentar como coloborador ou voluntário de uma ONG séria que ajude essas crianças a ter uma vida mais digna. Foda é decidir quem é sério e quem não é. Conheci uma espanhola que foi ao Peru com uma mala de 40 kg repleta de livros e roupas infantis para doar às crianças que encontrasse pelo caminho. Preferiu pagar excesso de bagagem a por dinheiro em mão de ONG.

Ilhas flutuantes de Uros, no Lago Titicaca, Peru. As ilhas flutuantes são integralmente feitas de uma planta aquática que eles chamam de totora, sendo sua raiz usada na parte submersa (2 metros de blocos amarrados de raizes) e seu caule usado para revestir a base (1 metro de capim espalhado em feixes cruzados sobre a base, capim esse que tem de ser diariamente renovado). Os aymaras, habitantes dessa parte do Peru, começaram a habitar o lago em ilhas flutuantes feitas por eles para fugir à guerra que comia solta em terra firme. Hoje, há cerca de 3 mil pessoas vivendo assim em Uros, e cada ilha abriga uma ou duas famílias amigas. Se por acaso deixam de ser amigos, eles pegam lá seu facão e repartem a ilha em duas, e cada um vai pro seu ladinho. Eu achei isso muito engraçado, é a versão puxadinho do lago Titicaca. Aliás, a palavra titicaca também tem duplo sentido pra eles. Pra gente, tanto titica quanto caca significam cocô, e quem chega ao Titicaca por Puno, como eu, não pode pensar em outra coisa que isso: uma merda dupla, uma dose duplicada de excremento - mas aí é só fazer o passeio ao lago pra esquecer da má impressão inicial, ou ao menos colocar as coisas em perspectiva. Para os peruanos aymaras, titi significa "puma", animal sagrado intimamente relacionado à tradição andina, ao passo que há controvérsias sobre o significado de caca, que tanto poderia ser "cinza", quanto "pedra" (puma cinza ou puma de pedra). Na dúvida, dizem os aymaras, o Peru fica com o Titi e a Bolívia fica com a Caca. Como eles dizem isso rindo, é claro que caca pra eles também signfica merda, e eles deixam bem claro que a merda vai toda pra Bolívia. O lago é mais ou menos dividido hermanamente entre os dois países, mas eu senti que rola um sentimento meio Rio X Sampa entre as partes.

Lago Titicaca, Peru. Eu experimentando uns nhacos de totora, uma espécie de aipo de 3 metros de altura que serve como material de construção, comida, remédio e até papel higiênico pra galera de Uros. A minha totora, notem bem, era virgem. Nunca tinha sido usado como papel higiênico, ou pelos menos eu assim espero.

Base das montanhas andinas, no Peru. Cozinha tipicamente andina, com porquinhos da índia se confraternizando antes do jantar. O que eles ainda não sabem é que, no jantar, os humanos servirão cuy. A inocência me assombra.


Machu Picchu, Peru. Choveu à vera em Machu Picchu, mas eu tinha comprado um ponche de plástico que salvou o meu dia. Os dedos ficaram murchos, como ficam os dedos de quem passa horas numa piscina. Cheguei ao parque bem cedo, depois de ter dormido em Águas Calientes, e tive uma visita guiada de 3 horas pelas principais partes do complexo. Depois, como ainda tinha o dia todo pela frente (e mais uma noite em Águas Calientes, a melhor opção pra quem não gosta de correr de um ponto a outro e ainda quer curtir um banho termal noturno), escalei umas montanhas, tirei umas fotos de despenhadeiros nubladíssimos e senti ainda mais vontade de fazer a caminhada de cinco dias pelas trilhas incas. Um dia subindo montanha não me parece o suficiente.

Condado de Cusco, Peru, num restaurante simpático e off-road onde paramos pra almoçar entre cães, gatos e esse bambi foto da foto (que tinha muita vontade de comer a flor amarela no vaso sobre a mesa). A moça da foto é a Gladys Aller Villafuerte, minha guia e madre peruana. Ela me foi indicada pelo filho da minha agente de viagens no Brasil, a Maliza, que já tinha estado em Cusco e sido muito bem cuidado por ela. Com a Gladys, foi assim: escrevi pra ela dizendo que iria passar 10 dias entre o embarque e desembarque em Cusco, e que queria ver Macchu Pichu e a Amazônia peruana (que é um pouquinho distante de Cusco, por assim dizer). Em dois dias ela me mandou uma programação completa pros 10 dias, com boleto turístico, entrada pra Macchu Pichu, todos os trens, ônibus, hotéis, translados e tours guiados incluídos. Seu preço só não incluía a passagem aérea pra Puerto Maldonado (de onde eu inici a parte amazônica da viagem), mas mesmo assim ela lutou na internet por alguns dias até obter a melhor cotação pra mim.

O trabalho da Gladys é absolutamente personalizado. Nada daqueles grupos enormes repletos de turistas vermelhos que desconhecem o modus operandi de um filtro solar. Ter contrato uma agente de turismo no Peru como ela me conferiu diversas vantagens logísticas, como não ter de me preocupar com o que fazer e quando, não precisar abrir guia turístico, não precisar abrir muitos mapas, não ter de barganhar táxi de um ponto a outro (não há taxímetro no Peru, e todos os preços são negociáveis), não ter de procurar os lugares onde comprar passagem de trem e ingressos para parques, além de conhecer coisas que só uma pessoa local antenada poderia me indicar. Fiz as contas, somei os ingressos dos parques e museus, as diárias dos hotéis, as passagens, os translados ao preço mais baixo que um portuinglesnhol-italianesco poderia tratar, e vi que os tours guiados por ela, que é uma simpatia humana e uma alma extremamente generosa, acabaram saindo completamente de graça pra mim. Por outro lado, eu poderia ter programado alguns dias livres pra ter tempo de respirar, dormir até mais tarde, procurar um lugar que servisse um café da manhã decente e explorar a cidade sozinha, por minha conta, coisa que todo turista descolado tem obrigação de fazer - e por isso mesmo, por eu ter tido tão poucas chances de ter o meu próprio tempo, que houve um momento em que eu me senti a própria turista avermelhada que desconhece o modus operandi de um filtro solar. Uma ingênua. Mas a culpa foi toda minha, já que eu realmente não imaginei que se gastaria um dia inteiro fazendo apenas 3 visitas. Há dezenas de quilômetros entre um sítio arqueológico e outro, e se você roda 40km até um, se sente obrigado a rodar mais 40km até o outro, e assim por diante, até que o dia acaba.

Apesar dos meus erros de programação, eu recomendo fortemente a todos que queiram um dia visitar Cusco, Macchu Pichu, Amazônia e etc, que entrem em contato com a Gladys primeiro. Só não repitam a minha tontice de aceitar ter a agenda completamente abarrotada de passeios e saídas, porque essa rotina de horários e roteiros pode ser bem bacana no primeiro dia, mas no quarto dia tudo o que a gente quer é férias das férias, a ponto de sentir calafrios toda vez que alguém fala "sítio arqueológico", porque pra chegar em qualquer sítio arqueológico é necessário acordar cedo, bater muita perna e, sobretudo, quando se tem um guia, se resignar com o fato de que simplesmente não há tempo de se esticar num lugar e ficar o tempo que for, porque o tempo do guia também precisa ser considerado. Quem quiser o contato da Gladys e dicas de viagem pro Peru e Rapa Nui, é só me solicitar por e-mail, pelo vanorresponde arroba gmail ponto com. Prometo responder na primeira oportunidade, o que nem sempre é logo.

Neste santuário perto de Cusco, voluntários recuperam animais da fauna local apreendidos pela polícia ou resgatados em condições deploráveis de saúde, e então os devolvem ao habitat natural. É um trabalho muito semelhante ao que a Luciana Pordeus faz em Angra, mas ela agora é uma ONG, ao passo que esses hermanos peruanos, que só existem há uns seis meses, são apenas um grupo bem intencionado que vive de doações espontâneas de visitantes como eu. Passei por lá entre um sítio arqueológico e outro e chorei com a história comovente desse bichinho, cujo nome em espanhol eu jamais poderia decorar e cujo nome em português desconheço, que foi encontrado sem as patas por um protetor de animais. Naquela região, eles acreditam que as patas desse animal, se esfregadas contra um ferimento produzido por picada de cobra, pode salvar a vida do humano acidentado. Uma balela que custou a este peludinho uma vida inteira atrás das grades, já que agora, sem as garras, ele jamais teria condições de sobreviver na vida selvagem. Pelo menos aí ele tem carinho, alimento, abrigo e a companhia eventual de um coleguinha de passagem. Como eu chorei nesse dia!

No mesmo zoológico, me franquearam o ingresso no recinto dos condores. Havia 3 deles no local, se recuperando de intoxicação por organofosforados, porque os criadores de lhamas mais ignorantes acham que os condores são predadores de seus animas, e portanto põem iscas envenenadas para exterminá-los. O que eles não sabem é que o condor só come carne morta, mas como muitas vezes o criador não vê o que matou seu gado, acaba julgando mal o animal penoso que lhe come a carcaça. Esse bichão da foto é apenas um bebê (os adultos ficam negros com uma coleira branca no pescoço). Ele se deixou acarinhar e pareceu curtir a atenção depois de um tempo. Muito emocionante tocar um bicho com 3 metros de envergadura de asa. Não é à toa que o condor é um animal sagrado no Peru.

Em Sacsayhuamán (quase pronuncia-se "sexy woman"), nas proximidades de Cusco, figura semper fidelis posa à frente de pata pétrea de puma, o mundo presente na trilogia inca.

Minha foto turística com os tipos quechuas em vestes tradicionais. No primeiro dia, qualquer um está disposto a dar 3 soles por foto, embora eles peçam 10, mas a partir do segundo dia, os turistas partem mesmo pro esquemão de tirar foto da galera de costas, pra evitar o pagamento da propina. Há centenas de pessoas que trabalham como modelos fotográficos profissionais, desfilando por ruas e ruínas em suas roupas coloridas, à espera de alguém que lhes pague para olhar pra câmera. Cusco é uma cidade de modelos.

Rapa Nui (Ilha de Páscoa), Chile. Moai tombado de seu altar: sinal inequívoco da guerra civil que assolou a ilha há algumas centenas de anos.

Rapa Nui, no berçário dos moais. Eles eram talhados à montanha, empurrados ladeira abaixo, colocados na vertical para acabamento e só então transportados a seus altares, com as costas voltadas ao mar e os olhos à terra, para a proteção de toda a gente. O moai ao meu lado foi soterrado pelo passar dos anos.

Rapa Nui. Vista da varanda da pousada em que fiquei. A ilha é bastante plana e tem apenas 22 x 12 km de extensão. A sensação que dá é que podemos vê-la toda pela janela.

Santiago do Chile. Em todas as partes da cidade, campanhas para a adoção de animais realizadas por uma renomada fábrica de ração. Eu nunca vi tantos cães de rua em cidade grande como vi em Santiago, o que é no mínimo contraditório: a cidade é linda, limpa, organizada, lembra muito uma cidade européia, as pessoas são educadas, mas há uma quantidade inominável de animais abandonados pelas ruas. São animais de raça pura ou mista, quase sempre em bom estado de carnes, mas sem qualquer sinal de assistência médica ou humanitária. Em Rapa Nui, que apesar da distância ainda é Chile, a situação é ainda mais grave. Os animais de lá não parecem ter tanta sorte com comida e, porque incomodam os moradores, revirando lixeiras e roubando alimentos, acabam sendo envenenados por anônimos. Um crime que muita gente aceita resignadamente porque o governo não adota nenhuma política eficaz de controle populacional. Tristeza.


Rapa Nui. Este aqui é o Felipe, um jovem piloto curitibano que eu conheci num passeio de barco pela ilha no primeiro dia. Gato pacas e super divertido, ele tolera ser chamado de tudo, menos de querido. "Querido é como as meninas me chamam quando não querem nada comigo." Agora eu me pergunto: como alguém pode não querer nada com esse pedaço de mau caminho?


Rapa Nui. China, minha guia local, toca o que muitos chamam de "O umbigo do mundo, propriamente dito": uma rocha magnética arredondada a que alguns turísticas esotéricos creditam poderes mágicos. Há gente que vai a Rapa Nui apenas para tocar nessa pedra, encostar-lhe a testa e pedir-lhe fertilidade e prosperidade. Eu, que sei que o umbigo do mundo não é aquele toco de pedra, e sim a ilha toda, toquei a pedra com a mão, a testa, os peitos e meu próprio umbigo, porque energia é bom e eu gosto. Detesto desperdiçar uma boa superstição, sobretudo quando eu já estou ali mesmo, e se tá na chuva é pra se molhar. Confesso que senti uma espécie de barato quando me embolei com a pedra, tanto que tirei a foto assim, de banda, ainda em estato de êxtase, e esqueci de girá-la na posição correta na hora de subir pro post.


Moai modernoso, em Rapa Nui, com feições mais detalhadas. Ao fundo, o altar com 15 moais mais famoso da ilha, que foi restaurado por uma empresa japonesa depois de ter sido lambido por uma tsunami. Numa ilha tão pequena, tsunami chega a ser covardia.

Rapa Nui, no berçário dos moais. Os rapa nuis antigos esculpiam as estátuas na própria montanha, usando pedras mais duras que a rocha vulcânica usada para esculpir, e depois as escorregavam ladeira abaixo, até que se fincassem na terra, na vertical, para lhes finalizar as costas e o rosto. Como essas montanhas de pedra chegavam aos seus altares, alguns a 20 km do berçário, é que permanece um grande mistério. Os descendentes dos rapas nuis antigos, por tradição oral, sabem que as estátuas se camiñavan da montanha a seus altares. Num lugar sem árvores, sem troncos para rolamentos e sem animais de tração, a hipótese de estátuas que caminham sozinhas nunca deve ser completamente desprezada. Há mais entre o céu e a terra do que supõe nossa vanOr filsofia.

Rapa Nui. Essa árvore é uma espécie de Tok & Stok local, pois é nessas folhas que se servem as comidas de festas e churrascos. Dá um pratinho bem duro e jeitoso, só não dá pra usar faca, senão a comida tende a vazar do prato. A gente come com a mão mesmo, e dá tudo certo. Rapa Nui é tão longe, mas tão longe, que nem bactéria de toxiinfecção alimentar existe por lá.

Rapa Nui. Não sei se dá pra perceber que esse foi o lugar que eu mais amei nessa viagem. À esquerda, um petroglifo do Homem Pássaro, que na verdade era o primeiro homem a descer a montanha, nadar 3 km no mar bravio de tubarões, escalar o cume da última ilha, ao fundo, e voltar com o primeiro ovo de uma ave marinha sagrada pra eles, muito parecida com uma fragata, que eles acreditavam ser o ovo do deus Sol. O homem que tocasse aquele ovo e o trouxesse intacto à ilha se tornava o líder espiritual dos rapa nuis. Esse é o tipo de desafio humano que jamais poderá ser reproduzido no mundo moderno, onde a vida é um bem inalienável ao Estado. O homem moderno não pode se matar se quiser, é contra a lei. A Redbull tentou implementar na ilha uma competição estilo ultra-mega-hardocore-man que simulasse as dificuldades das provas do Homem Pássaro, mas as chances de um candidato morrer eram tão grandes, que eles acabaram desistindo.

Um detalhe que eu adoro nesta foto: o horizonte é curvo e a Terra nem é tão grande assim. Grande é o coração da gente, e quando é. Rapa Nui dá essa certeza nas pessoas de coração agigantado.


Chegada à Rapa Nui. Como em toda ilha polinésia que se preze, colares de flores no pescoço dão as boas vindas aos visitantes. Uma ótima forma de chegar em qualquer lugar, definitivamente.

Peludo encoleirado de Rapa Nui. O único cão com coleira que vi em 20 dias entre Chile e Peru.

Valparaíso, Chile. Vidros da casa de Neruda. Única foto que se pode tirar do lugar, onde as fotos são proibidas, mas a emoção é garantida.

Valparaíso, Chile. Faz frio nas praias do Chile, mas ainda assim, elas são lindas.

Rapa Nui, no extinto vulcão Ranu Kao, com 2 km de diâmetro e um discreto desabamento da cratera na direção do mar. Nada como estar numa ilha tão pequena com vulcões tão colossais.

Moray, Peru. Minha oferenda singela à Pachamama, Mãe Terra, que eu depositei no epicentro do grande laboratório agrícola dos incas, um colosso de fazer o coração transbordar de paz e emoção.

Ilhas Uros, Lago Titicaca. Crianças lindas, roupas coloridas, céu azul: um retrato mágico do Peru.

No Mamma Africa, casa noturna de Cusco, no Peru, a cerveja é Cusqueña com C maiúsculo, e sempre está na temperatura ideal pra lubrificar os corpos dançantes. As noites de Cusco só são frias pra quem não sabe se mover. É natural que algumas pessoas não se movam por medo da síncope do ar rarefeito, o mal das altas altitude, mas quem já teve asma não tem medo de falta de ar. Eu mesma, que tenho obstrução pulmonar asmática moderada, só sentia desconforto físico quando subia mais de três lances de escada com minhas duas mochilas de 18kg. Mas aí, meu nêgo, só o super homem não sentiria uma taquicardiazinha discreta.


Valparaíso, Chile. Um moai deslocado de Rapa Nui envergonha os moradores continentais da cidade e magoa os rapa nuis, que prefeririam que essa fase de horror e subtração que tanto marcou a sua História já estivesse encerrada por completo. Mas o homem dito civilizado tem essa mania feia de tirar as coisas do lugar, o ouro dos templos e de violar o sagrado, sobretudo quando se trata do sagrado dos outros. Depois de visitar o Peru, fica realmente difícil não ter uma certa mágoa dos espanhóis, apenas pra citar um exemplo de colonização devastadora.

Santiago do Chile, a cidade mais civilizada da América do Sul, com sua mistura perfeito de velho e novo, motoristas que respeitam pedestres e cidadãos com noção de cidadania e civilidade (exceto pelos cães de rua, que isto sim é o pior horror do Chile).