Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

sexta-feira, maio 22, 2009

Celularidade

Meu pai é a pessoa que mais perde celular na face da Terra. Ou ele perde, ou é roubado. A média é de 2 por ano. Ontem, ele perdeu o telefoninho pra um vendedor de amendoim, desses que passam deixando amostra grátis nas mesas de bares. O malandróide levou três aparelhos da mesa e ninguém notou. Como eu sou a titular de nosso plano família de telefonia móvel, lá fui eu pra loja esta manhã adquirir um novo aparelho e um novo chip. Eu escolhi o modelo mais simples - afinal, ele durará mesmo muito pouco nas mãos de seu dono - e optei pela cor preta, que é a favorita dos ladrões (às vezes dou vazão à minha romântica faceta Robin Hood).

Meu pai chegou nos minutos finais do atendimento, só pra catar o dele e partir pra sua atribulada vida de perdedor de celular. Já que ele estava ali, e já que ele sempre reclama dos aparelhos que eu arrumo pra ele (porque têm funções demais, são complicados demais, independentes demais, discam e fazem mil coisas sozinhos quando colocados no bolso da calça, etc...), perguntei se ele não gostaria de escolher um outro modelo. Isso porque o aparelho que eu escolhi recebeu uma crítica no tempo recorde de 4 segundos (não era ergonômico o bastante). Perdido, como sempre, meu pai solicitou a ajuda da vendedora. Eu lavei minhas mãos e só observei, porque eu gosto de ver o circo pegar fogo:

- O senhor gosta da Nokia?
- Com ou sem molho?
- Como o senhor preferir.
- Eu prefiro com molho.
- Ah, então esse aparelho que a sua filha escolheu é ideal pro senhor!

Detalhe: o aparelho que eu escolhi era um Samsung. A vendedora vai pro trono ou não vai?

***

Estava no meio de um pasto, em Cusco, com um grupo de turistas, quando escutamos o mugido de uma vaca. Alguma criatura do grupo alertou:
- O celular de alguém está tocando.

Todos verificaram seus aparelhos, mas nenhum estava tocando. Era uma vaca mugindo mesmo. Às vezes um mugido de vaca é realmente (apenas) um mugido de vaca.

***

Fico chocada quando vejo no jornal registros fotográficos de pessoas tendo os celulares roubados de suas orelhas por um pivete do lado de fora do ônibus. O que me choca nem é o assalto, em si, mas a interrupção da conversa. Eu acho uma falta de cortesia sem tamanho isso de interromper o outro no ato! Ter o celular arrancado da orelha em plena conversa telefônica corresponderia a ter a suculenta comida extraída do garfo em pleno vôo do prato à boca salivante; ou estar transando com alguém e, de repente, vê-lo desaparecer de baixo (ou de cima) de você. É o tipo de subtração que provoca uma enorme sensação de vazio e a certeza de que o mundo - ô mundo! - pode mesmo ser muito mau.

***

Ontem a Fabiana, nossa diarista, foi assaltada às cinco da matina no ponto de ônibus ao lado de sua casa, num bairro bastante proletário de New Iguaçu. A relação com este assunto é que, entre seus parcos pertences, o ladrão lhe tomou o celular. Fiquei revoltada com a situação: desde quando se assalta uma criatura num ponto de ônibus de Nova Iguaçu às cinco da manhã? Quem está num ponto de ônibus às cinco da manhã não tem, minha gente, na-da pra entregar prum cretino dum ladrão (exceto pelo celular, que celular é que nem opinião: todo mundo tem, mesmo que seja uma merda).

Quando fui assaltada em janeiro deste ano, também num ponto de ônibus bastante proletário da Central do Brasil, às sete da manhã, me ocorreu que os ladrões perderam completamente o bom senso e o espírito robin-rúdico de tomar dos ricos para dar aos pobres: eles agora tomam dos pobres, e foda-se! A culpa disso, obviamente, é a pandemia de corrupção que corrói este país: se até os políticos roubam do povo (e estão se lixando pra opinião pública, e nunca são presos porque sempre se safam na safadeza de foro especial), por que o povo não roubaria a si? O exemplo está dado, e ele vem de cima. Agora durma-se com este barulho!

E já que o tema é corrupção, o assalto da Fabiana me fez lembrar que ela é obrigada a pagar uma "mensalidade" para manter a milícia de sua área, mensalidade esta que ela certamente pagava com prazer até ontem porque tinha a falsa sensação de que estar contribuindo para a paz e segurança pública que o governo é absolutamente incapaz de lhe oferecer. A milícia é um retrato moderno da tomada do poder pelos porcos de George Orwell e, muito mais do que os assaltos a trabalhadores, me assusta saber que os milicianos invadiram o Planalto Central e chegaram pra ficar. Só o terrorismo ideológico pra nos salvar. Eu definitivamente doaria um rim à causa.