Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

terça-feira, março 17, 2009

Post umbilical

Meu sobrinho, o Cara, está na classe de alfabetização. Agora o ensino é um lance muito moderno, construtivista e cabeça, então desisti de entender que série é essa. Na minha época, era o pré. Era pré de "Pré-escolar", mas como eu sofri um linchamento dos meus coleguinhas de cinco anos por motivo fútil e kichutilesco, sempre pensei nesse pré como "pré-história", "pré-cambiano", enfim, esses subtipos de pré.

Pois O Cara está num equivalente moderno do pré, e contou pra minha mãe:
- Vovó, estou aprendendo a ler e escrever.

Depois se corrigiu:
- Desculpe, vovó, mas eu me enganei: estou aprendendo a escrever. Ler, ainda não.

E a avó contou isso pra mim achando a coisa mais linda do mundo, só que eu quase não conseguia escutar mais o que ela dizia porque fiquei vitrificada de horror - e pensava, cá com meus botões: "COMO É QUE PODE, MINHA GENTE?!? O SER HUMANO VAI PRA ESCOLA AGORA E SÓ APRENDE A ESCREVER?!?" -, até que pesquei uma fala da minha mamma que dizia mais ou menos assim: "... ele ainda não entende que o processo de aprender a ler e escrever é o mesmo, coitadico...".

Como assim, "ainda"? Eu tenho quase 37 e não sabia.

Donde concluí que ainda não posso deixar de ser filha: se eu tivesse um filho e ele me contasse uma coisa dessas, eu certamente iria na escola botar pra quebrar (como é que pode, minha gente, ensinar a criança a escrever sem ler, como é que vocês conseguem isso, mein gott?!?, isso é uma loucura, e bla bla bla). Ou seja: eu ainda preciso da minha mãe ao meu lado pra me explicar tudinho, da crise econômica mundial à alfabetização das pessoas.

Tenho pensando muito nisso ultimamente. Ontem cheguei em casa e disse: "Mãe, você está proibida de morrer. Eu ainda não posso viver sem você." E falei do fundo do meu coração. Até deixei umas lágrimas cairem sem querer, porque afinal eu não queria que minha mãe sentisse o cansaço de não conseguir vislumbrar sua aposentadoria como mãe num futuro próximo, mas juro que foi maior do que eu. Tem gente que se criou sem mãe, que vive bem sem a mãe, que esquece a mãe num asilo e até odeia a mãe, mas eu sou o oposto disso tudo: eu ainda preciso do colo materno e desconfio que nunca vou me curar desse desvio de caráter.

Então quer dizer que a gente aprende a escrever e ler ao mesmo tempo sem perceber? Só minha mãe pra abrir meus olhos pra uma coisa tão óbvia dessas!