Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

sábado, outubro 29, 2005

Pela janela do carro
















Esquadros
Adriana Calcanhotto


eu ando pelo mundo prestando atenção
em cores que eu não sei o nome
cores de almodóvar
cores de frida kahlo, cores
passeio pelo escuro
eu presto muita atenção no que meu irmão ouve
e como uma segunda pele, um calo, uma casca,
uma cápsula protetora
eu quero chegar antes
pra sinalizar o estar de cada coisa
filtrar seus graus
eu ando pelo mundo divertindo gente
chorando ao telefone
e vendo doer a fome nos meninos que têm fome

pela janela do quarto
pela janela do carro
pela tela, pela janela
(quem é ela, quem é ela?)
eu vejo tudo enquadrado
remoto controle

eu ando pelo mundo
e os automóveis correm para quê?
as crianças correm para onde?
transito entre dois lados de um lado
eu gosto de opostos
exponho o meu modo, me mostro
eu canto pra quem?

pela janela do quarto
pela janela do carro
pela tela, pela janela
(quem é ela, quem é ela?)
eu vejo tudo enquadrado
remoto controle

eu ando pelo mundo e meus amigos, cadê?
minha alegria, meu cansaço?
meu amor cadê você?
eu acordei
não tem ninguém ao lado

pela janela do quarto
pela janela do carro
pela tela, pela janela
(quem é ela, quem é ela?)
eu vejo tudo enquadrado
remoto controle



Este blog não é mais secreto. Podem fuçar à vontade.

sexta-feira, outubro 28, 2005

Repartição



Ele sempre passava apressado por aquela porta. Era tanta pressa, que escolhia um entre oito servidores para olhar nos olhos e desejar bom dia, boa tarde, boa noite. Trabalhava noite e dia, incansável, admirável. Adoeceu. Foi internado. Rezamos por ele, tivemos mais ou menos esperança de acordo com o boletim médico, mas nunca a perdemos. Até que ele se foi numa tarde de segunda-feira. Segunda, dia de trabalhador. A última coisa que ele me disse, em tom solene, tom de gabinete, foi: "Vanessa, precisamos conversar mais vezes."


Aquela porta de vidro nunca mais será a mesma sem este ilustre passageiro, o delegado e Superintendente da Vigilância Sanitária do Rio de Janeiro, Fernando Alves Villas Boas.

Meu carinho, chefe. Faça uma boa viagem e não trabalhe demais.

sexta-feira, outubro 14, 2005

E a obra no meu quarto parece estar chegando ao fim...


Estamos trabalhando há 67 dias sem acidentes de trabalho.

Hoje eu ousei trazer um ursinho de pelúcia pra casa. Willian Fuchs, este é o nome do cara, me convenceu de que é um mestre de obras contumaz e que fará de um tudo pra que a normalidade retorne ao meu quarto antes do Natal. Eu fiquei meio assim-assim, sabe como é, seu Bill-urso, eu entendo suas boas intenções, mas eu sou alérgica à pelúcia, ao que ele rebateu: mas se sou 100% antialérgico e peso menos que um ácaro, que mal poderia lhe causar? Fiquei sem palavras e apenas pedi, envergonhada de meu preconceito arraigado, para parcelá-lo em 3 vezes sem juros, já que não está fácil pra ninguém.

Eu achei que ele ficará simpático no meio dos livros. Sem contar, é claro, que graças à sua competência e obstinação, hoje eu já voltei a ter um espelho e um cabideiro na parede. Obrigada, Willian Fuchs!