Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

quarta-feira, agosto 30, 2006

Fred Negão

Não trago muitas recordações boas da escola. A bem da verdade, sofri pacas na escola e minha infância não foi nada pink. Aurora da minha vida é o caráleo! Eu tinha uma asma horripilante e minha mãe nunca me deixou matar nem uma aula por isso. Eu tirava 9.0 e meu pai me perguntava porque eu tinha perdido aquele ponto na prova. Minha escola participava de todas as olimpíadas intercolegiais com um time sinistraço composto por meninas negras altas, verdadeiras deusas gladiadoras do handball, mas nas aulas de educação física eu era sempre a menos empolgada porque calhava de ser sempre a última a ser escolhida pro banco de reservas do time que perdeu no par ou ímpar.

Minhas melhores memórias daquela época estão intimamente relacionadas aos poucos amigos que tive no hostil ambiente escolar, alguns dos quais mantenho até hoje (salve Wal!). Contudo, de alguns desses amados, eu nunca mais tive notícias. É o caso do Fred Negão.

O Fred foi o único gênio verdadeiro que eu conheci na vida. Que as pessoas inteligentes que me cercam não fiquem enciumadas, mas quando eu digo gênio, não quero dizer que ele ocasionalmente dizia uma frase brilhante na hora certa, mas sim que ficava, aos 10 anos de idade, calculando quantos dias uma pessoa levaria caminhando da Terra pro Sol, obviamente (e nas palavras dele) se não morresse carbonizada a não sei quantos anos-luz do astro rei, em plena aula mortífera de Educação Moral e Cívica, enquanto anotava num canto de caderno surrado, COM UMA LETRA IMPOSSÍVEL, as perguntas que ele deduzia que a professora faria na prova, com gabarito e tudo (e ele sempre acertava), e jogava uma bolinha de papel e cuspe por dentro da gola do Léo, que sentava na cadeira da frente. Ufa! A multifuncionalidade do cérebro do Fred me fazia sentir o peido do próton da ameba do cocô do bandido.

Apesar de ser um gênio, e como é típico dos gênios, o Fred não era um cara popular no colégio. Por motivos completamente distintos -- eu por ser asmática e ter nascido inválida pro handball, ele por ser um gênio --, nós éramos a escória da escola. Isso, no entanto, nos aproximou ao longo dos anos. A cada ano que passava, eu olhava com mais simpatia praquelas olheiras esverdeadas do Fred, que era tão branco, mas tão branco, que de seu rosto saltavam úmidas mucosas palpebrais róseas, como uma planta carnívora colorida desenhada em fundo albino. Ele era uma daquelas crianças fisiologicamente transparentes que um médico meio cego, meio distraído diz se tem ou não anemia, se o sangue está sendo oxigenado direitinho nos alvéolos ou não, assim, a uns três metros de distância. Pois bem. Eu, como criatura melaninamente mais favorecida, cresci tendo um pouco de pena da brancura do Fred (pois se eu, que era morena, era escorraçada pelos atletas maiores, imagina ele, que era minúsculo e branquelo!). Então, um belo dia, decretei:

- Fred, você é negão.
- Por que você diz isso?
- Tá vendo essa pinta marrom que você tem aqui no braço? E essa outra aqui, no cotovelo? Pois esta é sua cor natural. O resto é só uma máscara social. No duro, Fred, você nasceu pra ser negão. Você nasceu pra brilhar!

O Fred ficou orgulhosíssimo. A atitude do bichinho mudou, ele floresceu! A partir desse dia, passamos a nos tratar por "negão" e "negona", mas no caso dele ninguém entendia bem o porquê. Viramos cúmplices.


(to be continued)


PS: O aniversário do Lau é hoje!

Dos vírus que não pegam

Sou fã de Heloísa Helena. Não pra presidente da nação, mas enquanto pessoa, a nível de gente, como brincou a Cora outro dia. E como criatura que talvez esteja fazendo muito barulho por nada, mas que não desiste nunca, porque é brasileira. Eu não sei o que me deu na cabeça pra não ter ficado doente durante o expediente, como se diz no serviço público, pra poder ir ao debate de ontem, promovido pelo jornal O Globo, com a candidata. Devo ter tido um surto de HHelenite. É uma doença rara, que acomete gente com a dignidade maculada pelos perdigotos purulentos da impunidade que afogam o país nesse mar de lama.

Trabalhando há menos de 3 anos no serviço público, cheguei à incômoda conclusão de que basta uma pessoa incorreta para modular negativamente o comportamento de 100 corretas, ao passo que são necessárias pelo menos 100 pessoas corretas para modular positivamente (ou forçar o exílio, licença médica ou exoneração, que há casos sem cura) de uma pessoa incorreta. O vírus do desvio moral e cívico, o da Lulite, digamos assim, é muito mais virulento que o da HHelenite.

No ano passado, vi no cinema um filme tão lento e cansativo que, ao sair da sala de projeção, não sabia distingüir exatamente meu sonho (dos minutos cochilados) da história, um tanto quanto fantástica, de um tempo futuro em que as pessoas poderiam ser inoculadas com "vírus" genéticos moduladores de talentos específicos, como o da empatia, fundamental a um investigador de polícia, por exemplo. Talvez esse filme seja bom, e o cansaço seja coisa minha; estou cansada de mentiras, de gente que se contenta com o mínimo, de gente que não cede um milímetro do que tem só pra si pra que todos ganhem um metro mais a frente. Saí do cinema aquele dia pensando como seria bom se um dia a ciência desenvolvesse um vírus comportamental, um replicante sem vacina pra integridade de caráter, e com ele borrifasse o Planalto Central, só pra início de conversa. Seria bonito de ver os deputados devolvendo seus carros e abrindo mão da verba pros terninhos e pras diárias de hotel em que eles nunca dormem. Mesmo que esse mau funcionamento ocorresse uma única vez, em um único dia, esse dia valeria minha vida. E eu poderia, finalmente, tirar das costas o peso dessa culpa que tenho de ser egoísta o bastante pra querer ter filhos num mundo onde os vírus bons nunca pegam. E os HHelenitovirus-positivos se sentem, como eu, uns otários babaquaras cansados de guerra.

terça-feira, agosto 29, 2006

Amor de cão

Pro Joel ver o quão sórdida eu sou, UHAUHAHAHUAHUAHUA!!!

Procura-se família com sapatos pra roer


Procura-se família com sapatos pra roer
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Ei, moço, me adotaê vai, adotaeu, adotau-au. Tá mó friaca no Rio, tio, e peludo aquece a alma e esquenta o pé.

Café do Sol


Café:
Estabelecimento comercial, ger. com balcão e/ou mesas, onde café e outras
bebidas são servidas, eventualmente com pequenas refeições; bar, botequim;
bistrô.

sol:
Derivação: por metáfora.
estado de espírito positivo; alegria,
felicidade, esperança

É justo assim que eu percebo o botequim do Lau. Uma espécie de Central Perk (o café do seriado Friends) onde as pessoas falam (e é servido de graça!) um delicioso mineirês, e onde os ícones do sol aparecem nos lugares mais inusitados, como que pra não deixar esquecer da derivação por metáfora do sentido do nome. Aliás, o Lau faz todo o sentido.

(Lauzinho, tô sentindo falta d'ocê.)

Sol em Lau


Lindo como os amores no Café do Sol. Se vocês fossem de Belô, saberiam onde é.

segunda-feira, agosto 28, 2006

Gatifismo em BH


Gatifismo
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Eu acho que vi um gatinho...

Lau e Marília.


Lau e Marília.
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Exs e amigos, porque a vida segue bela.

Aniversário


Aniversário
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Essa não tinha ido...

domingo, agosto 27, 2006

Pernas que ralam


Pernas que ralam
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As medalhas do Lau. Domingo que vem ele ganhará mais uma, a da meia do Rio, e eu vou só fotografar, o que já é um bom começo. Sensato.

sábado, agosto 26, 2006

Lau e Clara


Lau e Clara
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Ele sabe fazer filhas bonitas, isto é inegável.

Ternura


Ternura
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Aniversário do Lau em BH


Aniversário do Lau em BH
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Caipitanga no Cafe do Sol. No aguardo da feijoada.

sexta-feira, agosto 25, 2006

Cora e Nora


As Rónai
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Por falar em mãe e filha, duas gerações de meninas Rónai que habitam o quarto mais amplo de meu músculo cardíaco estriado. Lindas, poderosas e vitaminadas, no flickr da Heliana: http://www.flickr.com/photos/heliana/223659117/

Thank you God!


Thank you God!
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Cora e Tom, em momento fotográfico raro. Cora agradece ao Senhor pela graça alcançada.

The mother is on the table

Minha mãe fez uma redação no curso de inglês e veio mostrá-la pra mim, toda contente. A professora pediu que cada aluno escrevesse sobre uma pessoa da família, e ela escreveu sobre... bem, um doce pra quem adivinhar! Depois que cada um leu seu textinho modesto sobre seu ente familiar modestinho, todos aplaudiram minha mãe de pé; os homens solteiros se assanharam pra conhecer-lhe a filha; as outras mães morderam a língua de inveja; e a professora precisou respirar fundo pra criar distanciamente crítico, a fim de poder separar conteúdo de forma e avaliar a autora por seus próprios méritos, e não pelos méritos do ente familiar. Traduzindo, mas mantendo-me fiel aos errinhos fofos da aluna fofa num nível fofo de aprendizado de idioma estrangeiro, eis aqui o que mais ou menos dizia a redação de mamã:

A Srta. Vanessa é minha filha e professora de inglês. Ela é 32 anos e é medicina veterinária na RJ Prefeitura. Ela é uma garota bonita com cabelo curto e escuro. Ela geralmente usa uns vestidos longos bonitos e uma flor no cabelo. Ela é uma pessoa ativa de verdade e extremamente gentil e generosa e sempre ajudar cães e gatos. Vanessa é uma pessoa especial. Eu a amo tanto! Ela é escritora também.



TEXT INTERPRETATION
1) Mães sempre acham que seus filhos têm (ou são) dois anos a menos.
2) Mães sempre ignoram que o cabelo dos filhos está rosa ou roxo, pois nunca esquecem da cor de nascença;
3) Mães têm uma percepção vagamente poética (e distraída) do estilo fashionista dos filhos (então o neohippie veganês fica reduzido a uma emblemática flor de pano ou crochê no cabelo);
4) Mães acham seus filhos o máximo e, por mais que eles não sejam ativos de verdade, nem nada demais (de verdade), elas sempre vão tirar onda dos feitos supostamente atribuídos a eles;
5) Mães acabam aceitando, ainda que na última linha, que os filhos sejam outras coisas além daquelas que elas sempre sonharam pra eles.

quinta-feira, agosto 24, 2006

Lapa de todos os santos


Lapa de todos os santos
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Uma cruz inusitada.

Lapa de todas as torcidas


Lapa de todas as torcidas
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Detalhe do Brasil escrito certo em língua torta.

Blame it on Cora!


Blame it on Cora!
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A globalização do pensamento na morte da bezerra.

Foto de celular é o que há!


Foto de celular é o que há!
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E o pensamento não pára!

Eu acho que vi um gatinho...


Eu acho que vi um gatinho...
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Detalhe prosaico do poste de mosaico.

A Lapa das pessoas Vans


A Lapa das pessoas Vans
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Um rosto conhecido no meio da multidão.

A Lapa do Selaron


A Lapa do Selaron
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Eu subiria de joelhos só pra admirar azulejo por azulejo.

Gente feliz


Gente feliz
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Deplá e Cora na grande noite. Lucas lá atrás!

quarta-feira, agosto 23, 2006

Fala foto


Fala foto
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A estrela da noite.

Lunch break


Lunch break
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De ócio criativo entendo eu! Trabalho no bairro mais boêmio da cidade, um lugar que desperta nostalgia dum Rio que não corre mais por aqui.

segunda-feira, agosto 21, 2006

Lau, pra que esses olhos tão grandes?


Lau, pra que esses olhos tão grandes?
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É pra te ver mió!

A porta


A porta
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A porta do meu quarto e os passarinhos multicoloridos que o Lau me deu. Voltar pra casa tem sido uma grande felicidade.

domingo, agosto 20, 2006

Coisas que eu gostaria de falar em vez do que eu falo sempre

Em vez de "Caralho, fudeu!", eu gostaria de falar "Ave Maria, misericórdia!", a exemplo de vovó, mas isto não está em mim.

Em vez de "Você só pode estar de sacanagem com a minha cara!", eu gostaria de dizer "Não é possível, você tem mesmo certeza?", porque acho que não dizer palavrão num momento de choque é d'uma superioridade mega.

Em vez de "Pu-ta-quiu-pa-ri-la, neguinho é fo-da!", gostaria de dizer "O ser humano não pára de me surpreender", assim, bem zen, mas não sai. Já tentei, mas não sai.

E, finalmente, em vez de dizer "OK, eu te ligo" ou "a gente se fala", eu gostaria de falar somente "ciao".

sexta-feira, agosto 18, 2006

A viagem

"A viagem de Heitor", de François Lelord: traduzido em 18 países.

Heitor é um psiquiatra que decide fazer uma viagem ao redor do mundo para tentar entender o que é essa tal felicidade que tanto buscam seus pacientes existencialmente vazios.



Como podem imaginar, este é um livro que se encontra nas prateleiras de auto-ajuda das principais livrarias, ao lado dos livros de Osho e daqueles que listam 10 mil razões para ser feliz. Porque surgiu aqui em casa pelas mãos da minha mãe, e eu não tive de buscá-lo na seção de auto-ajuda duma livraria (eu sempre evito essas prateleiras, pois é só ver quantos títulos surgiram com as palavras "queijo" e "inteligência emocional", que logo me dá uma irritação danada), eu li "A viagem de Heitor", de François Lelord, livre de preconceito. Foi uma grata surpresa, e eu recomendo a todos essa leitura leve que conduz a uma reflexão quase que distraída do real motivo de nos mantermos vivos. Em maior ou menor grau, por teimosia ou talento inato, todos buscamos a felicidade. E todos sofremos quando nos distanciamos dela.

Há muitos anos, li um livro intitulado "Afinal, o que você quer? Ter razão ou ser feliz?". Eu e minha fiel escudeira na época, a Gabi, até participamos de um debate sobre o tema, que acabou descambando prum papo brabo de Deus, que fez a gente se entreolhar, gargalhar pra dentro e sair de banda, porque tivemos a impressão de que o próximo passo do debate seria a entoação histérica de hinos religiosos. Na ocasião, fiquei com a sensação de que, se para ser feliz eu deveria ter uma religião -- e como o debate propunha uma coisa ou outra, ser feliz ou ter razão --, optei por ter razão e me tornei uma cínica. Cética, digo. Por muito tempo, tive inveja das pessoas que tinham religião, pois pra mim elas tinham o pré-requisito que eu não tinha para ser feliz, a tal da fé.

Foi então que passei por uma fase triste, mas triste de não ver mais a menor graça nas coisas, na vida e nas pessoas, e aí eu fiquei muito doente. Tão doente que precisei tomar vários remédios que me mantinham viva artificialmente, e artificialmente me faziam acordar, dormir e ter vontade de comer ou escovar os dentes; no auge da doença, eu tive de visitar, várias vezes por semana, um médico especialista em gente que perdeu o brilho do olhar. Ele conversava comigo, embora eu não tivesse nada de novo pra falar, balançava a cabeça como se tivesse entendido tudo o que eu não falei e fazia anotações. Esse médico, por quem eu acabei me apaixonando quando os remédios começaram a fazer efeito, me lembra muito do Heitor do livro.

Talvez por isso "A viagem" tenha me emocionado tanto. A busca pela felicidade é um caminho singular, que não pode ser padronizado nem repetido, em caso de sucesso, por outras pessoas. Eu não faço desse caminho meu objetivo, pois o maior dos erros é acreditar que a felicidade seja uma meta. Mas, fazendo um retrospecto de meus tropeços por essa trilha, percebo que cheguei, quase que intuitivamente, às mesmas conclusões de Heitor. Que a felicidade é hoje, e não amanhã; que ela chega de surpresa e está nas pequenas coisas; que não está atrelada às coisas materiais, mas as comparações materiais que fazemos nos afastam dela, e que aquela baboseira de não ter tudo que amo, mas amar tudo que tenho talvez faça algum sentido; que há uma relação profunda entre a felicidade e o amor que temos pelas pessoas próximas e por outras que, mesmo sem saber nosso nome, são gratas por um trabalho realmente útil que gostamos de fazer.

Eu tive um médico como o Heitor. E, agora que li o livro, entendo porque fui apaixonada por ele: uma pessoa que sai de sua própria casca e se interessa pelo bem-estar de outra é, de verdade, cativante.

Os bastidores de um namoro MSN


namoro MSN
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Van-Or.



Um lá, outro cá. Sinal dos tempos ou não, obrigada MSN! Obrigada Skype! Obrigada Google Talk! Obrigada www.etorpedo.com! Sem vocês, o longe-ser-um-lugar-que-não-existe não passaria de título de livro obrigatório. Quando se gosta, o coração do ser amado bate sempre perto; tão perto que atravessa a pele, explode os poros e salpica o céu de estrelas enamoradas.



No exílio,
luz do teu beijo,
Quanta tristeza me invade!
Antes morrer de desejo
Do que viver de saudade.
(ma quando penso a te, mi sento bene)

Walkiria Schulz

quarta-feira, agosto 16, 2006

Toda caridade será castigada


Estamira




Todo mundo tem uma história pra contar sobre os efeitos paradoxais da solidariedade, que obviamente são fatos isolados que não devem desanimar os que querem mudar o mundo, mas essa aqui foi demais. Aconteceu com a mãe (W.) de minha fiel escudeira (V.), uma mulher que tem tanta pena de bichinho e gente de rua que vive com o porta-malas do carro cheio de comida e remédio para atender a quem precisa.

Numa gélida manhã da semana passada, Super W. viu-se desprevenida para ajudar o próximo, sendo o próximo uma sem-teto octogenária que tremilicava de frio na praça pública, só em mangas de camisa. Rápida como um raio, Super W. deu meia volta com seu automóvel humanitário, fez um pit stop em casa e pegou um agasalho para dar pra senhorinha. Saiu do carro, aproximou-se com ternura e estendeu-lhe o casaco, dizendo: "Tome esse casaquinho, vovozinha, que é pra senhora não ficar mais com frio." Ela só não esperava que a velhota debilitada saltasse como se tivesse mola nas canelas, lhe apontasse um dedo enorme, com unhas negras que quase lhe navalharam a face benfeitora, e começasse a gritar a plenos pulmões, batendo com as palmas no ar de quando em vez: SUA PIRAAAAAAAAAANHA!!! SAI DAQUIIIIIIIII!!! EU VOU TE MATAR, SUA PIRAAAAAAANHA!


Não havia viv'alma na praça segundos antes, mas foi só a mendiga começar a gritar que logo pintou a galera dos direitos humanos dos outros, fechando o cerco em torno da assustada Super W., aos gritos de "O que foi que você fez com a velhinha?!?", o que fez com que nossa heroína entrasse em seu Batmóvel e batesse em retirada cantando pneu pra escapar do linchamento.


Agora, muito cá entre nós: meu pai é ou não é um gênio por ter previsto que caridade de cu é rola? Mais curso de pescaria e menos peixe filetado, esse é meu lema do dia. Tô de saco cheio desse governo do bolsa-tudo e do tudo a um real, dos sanguessugas milionários que declaram morar no quarto e sala da diarista num bairro proletário e dessa meteção de mão no meu bolso. LARGA MEU BOLSO, QUE EU NÃO SUPORTO MAIS!


By the way, leiam a carta do Fred d'Orey no blog da Cora. Tem tudo a ver com essa indignação que tá pintando na geral. Sinto cheiro de mudança no ar.

Penelopeterapia


Foto: Gustavo Campos


Para eu ter forças pra chegar às 9h e sair às 17h, uma sessão curtinha com a peludoterapeuta Penelope (sem acento mesmo, porque ela é americana), clicada pelo fotógrafo Gustavo Campos, expert nessas gracinhas.
Buona giornata a tutti, amém!

terça-feira, agosto 15, 2006

Território livre

Cheguei à conclusão de que não é o trabalho que eu odeio. Eu odeio ter hora pra chegar e sair; ter de obedecer à carga horária estúpida que atropela a meta, aprisiona a mente, submete, achata e padroniza as criaturas.

Foi só pensar nisso durante o expediente, que eu senti um vento soprar dentro de mim. Fechei os olhos e, de repente, fez-se noite de verão: o céu estrelado, ainda claro da lua minguante, o barulhinho dos grilos e o inebriante cheiro de terra seca e quente misturado ao aroma do mato. Esse vento morno me transportou pro meu último ano de faculdade, em 1996; naquela época, eu entrava em meu carro e pegava a Dutra na madrugada a esmo simplesmente para pensar na vida, que então me parecia uma tsunami prestes a estourar em minha cabeça. A sensação de que o mundo me pertencia era assustadora e maravilhosa ao mesmo tempo. Eu oscilava do choro à euforia, e não raro largava o voltante para abrir meus braços, com os vidros abertos, e sentir aumentar a sensação de estar voando sobre o tapete negro do asfalto. Ou, pelo menos, de estar aprendendo a voar.

Hoje, quando senti esse mesmo vento no rosto, parei de sentir pena de mim por ser prisioneira de um tempo institucional ao qual jamais pertencerei. Posso até obedecer os horários de entrada e saída, mas serei sempre senhora dos meus ventos, e posso dar a eles a direção, a intensidade, os cheiros e a temperatura que eu quiser. Não sei se aprendi a voar ainda, mas de uma coisa tenho certeza: minha mente é território livre. E nenhum trabalho tolo, de carga horária inflexível, conseguirá tirar isso de mim.

segunda-feira, agosto 14, 2006

Clube da Lelezinha


Clube da Lelezinha
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Eu sei que esse assunto já saiu de moda há dez anos, mas eu ainda acho tão pitoresco o vagão exclusivo pra mulheres, que entrei pra ver se colou. Qual o quê! Só tinha cueca no carro rosa.

Eu Rio, tu Rio, ele Rio


Eu Rio, tu Rio, ele Rio
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Momento desengano-de-cego-é-furar-o-olho: o melhor lugar do mundo é aqui.

domingo, agosto 13, 2006

Mundo cão

Passei dois anos trabalhando no hospital onde fica o cemitério de pequenos animais da prefeitura do Rio, mas nunca quis visitar as sepulturinhas. Alguns animais que eu tinha tratado com enorme carinho e que, a despeito disso, morreram, acabaram sendo sepultados naquele mesmo cemitério. Muitos dos seus donos chegaram a me convidar para o enterro, mas eu sempre declinava polidamente, como sempre declino de convites a enterros em geral. Em toda a minha vida, só pisei em um cemitério (humano), aos 10 anos, quando minha avó me visitou em Brasília e queria companhia pra visitar JK, com quem tinha uma enorme dívida de gratidão, em seu túmulo na capital federal. Quando minha avó, por sua vez, morreu, eu fiquei ao lado da minha família até o final do velório. Quando o cortejo adentrou o cemitério, meu território proibido, não consegui respirar aquele ar de tumba, minha personal kriptonita, e voltei pra casa, envergonhada de minha fraqueza.

Pois eis que, por uma dessas agruras do destino, eu terei de lidar profissionalmente com esses assuntos de sepultamento e cremação de animais na prefeitura do Rio. Por conta disso, fui ao cemitério pra ver como andava aquele setor e levantar idéias para melhorar o serviço. Passeei pelas sepulturas, li alguns epitáfios solenes e chorei com os mais tristes; pensei na dor enorme que é perder um grande amigo, seja ele peludo ou não; senti na pele a perda de tanta gente por suas Xuxas, Pinks e Nicks que não mais abanam o rabinho entre nós. E, obviamente, fiz um minuto de silêncio sentido pela nuvem negra que atravessou minha mente quando pensei que, dentro de alguns anos, poderão ser os corpos de meus peludos, e não daqueles ilustres desconhecidos, a estar escondidos por trás daquelas frias placas de concreto.

Ontem eu soube que um amigo muito querido, cuja peluda adorada padece de uma moléstia dolorosa e letal já em estado avançado, terá de passar pela dura tarefa de escolher um dia para abreviar o sofrimento de sua gatinha e, como se eufemiza em inglês, pô-la para dormir para sempre. Se esse meu amigo tivesse a minha idade, eu já não saberia bem o que lhe dizer. O fato de ele ter idade para ser meu filho me emudece ainda mais, pois o que se diria prum filho numa hora dessas? Que Deus sabe o que faz, ou alguma outra dessas bobajadas que adultos repetem mecanicamente uns aos outros nos piores momentos de dor? Eu sinto um ódio tremendo de Deus quando me dizem que Ele sabe o que faz ao arrancar de nosso convívio quem mais amamos, mas sinto mais raiva ainda das pessoas que desconhecem que palavras são de prata e o silêncio é de ouro.

Eu acabei dizendo pro meu jovem amigo as coisas que um veterinário diz por força do ofício: que essa doença é cruel e incurável, que evolui de forma dolorosa, e que a eutanásia, em casos assim, é um ato humanitário de amor. Mas minha vontade era, como naquele filme dos Trapalhões que me fez tanto chorar na infância, derramar sobre a gatinha um pozinho azul mágico que lhe restituiria milagrosamente a saúde e a energia vital. E assim, ganhar alguns anos pra pensar melhor em como explicar a um menino que, não importa o que façamos, o mundo é mau. E as coisas boas são todas finitas.

E por falar em abandono...

Foto subtraída do Flickr da Jussara


... estes quatro gatinhos aqui foram abandonados pelo ex-dono doido, e precisam de uma família mentalmente sã desta vez. Para saber detalhes sobre essa história, entre aqui.

Quem quiser adotar algum desses peludoterapeutas, entre em contato com a Valéria.
tel.: 21-2579-1821 / 9111-3829
e-mail: cordserraval@yahoo.com.br

Os peludos estão no Rio de Janeiro.

Assalto

Ontem fui assaltada. Ou melhor: quase.

Eu estava no carro do Picolé na Av. Nossa Senhora de Copacabana, no maior papo animado, quando vi dois caras se aproximando da janela semi aberta do motorista. Naturalmente, como pessoas educadas que somos, interrompemos a conversa para dar atenção aos estranhos, que rosnaram entre os dentes que queriam dinheiro, carteira, bolsa e etc, senão nos meteriam um balaço na testa. Olhei pra minha bolsa entre os pés e pensei, sentindo descer aquela onda gelada que nos percorre a espinha nessas horas: "Fudeu, mané. Vou ter de tirar segunda via de ID, cancelar dois cartões de crédito e sustar 10 cheques." Um trabalhão danado. Lembrei que ainda nem tinha acabado de tirar a segunda via de todos os documentos que perdi no último assalto e, enquanto eu ia pensando nisso, o Picolé calmamente levou a mão direita ao painel onde estava o CD player. E eu pensando: "Coitado do meu amigo, vai morrer num CD player de 500 reais, o Rio de Janeiro tá flórida, cadê nosso direito constitucional à propriedade?" Só que o LOUCO não tirou CD player do painel coisíssima alguma: enfiou o dedinho num discreto botão (tão discreto que mais parecia um clitóris) logo abaixo do aparelho de som e fez soar uma sirene de carro de polícia. Eu olhei em volta, pensando: "Os canas chegaram!, Ai meu pai, danou-se!, Vai ter tiroteio e eu, cheia de compromisso pra hoje, ainda vou ter que sofrer uma neurocirurgia de emergência." Os assaltantes, assim como eu, olharam em volta e se afastaram do carro sem correr. O sinal permanecia vermelho pra gente, mas as pessoas da frente já tinham engatado a primeira e, as de trás, a ré. Solidariedade zero, comme il fault na Lei do Cão. Picolé então fechou seu vidro com toda a calma do mundo, desligou a sirene, ligou o ar condicionado e apenas disse: "Preciso consertar meu ar condicionado. É a segunda vez que isso me acontece."

O sinal abriu, seguimos, eu levei dois minutos pra atinar pro que tinha se passado e passei os dez seguintes gritando e espancando o Picolé, dizendo que ele era doido e que a gente podia ter morrido por isso, olha aí o que houve com o Detonauta que reagiu ao assalto, e patati patatá. Ele só gargalhava. Fiquei tão injetada de adrenalina que cheguei em casa, tomei um banho e me arrumei pra sair em 10 minutos, fato inédito em toda a minha vida. Teria corrido uma maratona em 2 horas se me pusessem uma pilha.

Pensando bem, já sem a sensação de pânico do momento, foi engraçado pra caceta. Mas que isso não me aconteça de novo!

Soco no estômago

Imagem (roubada daqui) que fala mais que mil palavras



Meus pais se separaram quando eu tinha nove anos. Minha mãe se casou logo depois com meu paidrasto, a quem eu me refiro (para outras pessoas) simplesmente como pai, embora o trate, pessoalmente, por seu apelido. Uma forma que eu arrumei de preservar, para o meu pai biológico, o seu lugar no trono abdicado.

Eu sempre tive a sensação de ter sido abandonada pelo meu pai. Até sei que ele lutou na justiça para ficar com os filhos, mas pra mim aquela foi uma batalha teórica, numa arena fria em que eu nunca pisei. Sempre que ouvia qualquer uma das partes dizer que iria ao fórum para mais um capítulo daquele novelão SBT, imaginava – com minha mente dramática infanto-juvenil – um juiz de peruquinha branca e um plenário repleto de jurados desconfiados, que ouviriam as versões nada isentas de mágoas de meu pai e de minha mãe sobre sua própria importância na vida dos filhos. No entanto, nunca me chamaram pra depor, mão sobre a Bíblia, jurando dizer a verdade e nada além da verdade no caso Papai versus Mamãe pela guarda dos filhos; e, sobretudo, nunca me perguntaram se eu preferiria viver com um ou outro. Na dúvida, eu vivia com a asma, pronta a me pendurar num nebulizador e provar minha incapacidade física de falar, caso os guardas dessa arena cinematográfica me obrigassem; e se, mesmo fisicamente incapaz, eu fosse forçada a falar, eu não resistiria à tortura e confessaria que não queria participar daquilo, que não era culpada, que eu não tinha feito meus pais se separarem, muito embora eu tivesse minhas dúvidas a esse respeito.

Já estou bem velhinha pra ficar atribuindo neura aos meus pais, mas eu cortei um dobrado pra acreditar, de verdade, que eu não merecia ser abandonada pelos caras que meu dedinho podre escolhia pr’eu me apaixonar; que eu não merecia ser punida (por ter feito a cagada federal de ter separado meus pais); e, sobretudo, que eu tinha o direito constitucional de ser feliz. Eu tive de enterrar as figuras arquetípicas dos pais que abandonam, acusam e ferem, colocá-las em perspectiva humanóide, lembrar que herrar é umano, perdoá-las e seguir em frente. Ufa, deu trabalho. E, quando vi, tinham se passado quase 20 anos de relações amorosas fadadas ao fracasso com: o israelense fazendo uma viagem de volta ao mundo, o sul africano que morava num veleiro, o galinhão irrecuperável, o cara que definitivamente (porque tá escrito na testa dele) vai voltar pra ex, e por aí vai. Até cheguei a pensar em produção independente de filhos por acreditar, durante um bom tempo, que se o homem vai sair fora, e isso pra mim era fato, sejamos coerentes desde o início e eliminemos o fator homem de nossas vidas. Quanta tolice!

Homem é bom, quando o homem é bom. Quando é homem. Homem que é homem não abandona os filhos, nem mistura mágoa de amor partido com seu amor pelos filhotes. Homem que é homem não deixa outro homem ocupar seu lugar insubstituível de pai. E pra ser pai não basta pagar a pensão ou a escola das crianças, tem que participar. Tem que ir na reunião de pais e mestres, na natação e no judô (e não só nos dias de competição, mas nos outros, pra saber do professor como vai seu rebento), tem que desligar a droga do celular quando está batendo um papo cabeça com a filha e não pode, em hipótese alguma, falar mal da progenitora, que a megera pode ter todos os defeitos do mundo, mas é mãe daquele pedaço de gente que não tem nada que ver com essa briga.


Não sei se estou numa fase Pollyanna-otimista ou se amadureci, mas hoje, aos 34, eu acredito na viabilidade de uma relação boa, calcada na honestidade, no companheirismo e na cumplicidade, de um homem com uma mulher. E sei que estou apta a isto, agora que parei de viver em função da paralisante certeza de que a solidão é o fim de quem ama. Vendo o exemplo de meus próprios pais - o 1 e o 2 - e meus amigos que são pais separados, mas presentes para seus filhos, tenho cada vez mais clareza de que o amor entre dois adultos é eterno apenas enquanto dura. Mas o amor pleno de um pai por seu filho, destilado das situações externas, esse não acaba nunca. E até transcende a própria morte.


Feliz dia dos pais a tutti, mas principalmente ao futuro pai do Gabriel; e por último, justamente por ser o mais importante, feliz dia pro Lau, pai amoroso de Joana e Clara e futuro pai, quem sabe?, de Pedro, Luiza e quem mais chegar.

sexta-feira, agosto 11, 2006

Píula

Minha véia vó não era pessoa de dizer palavrão. Nascida no interior do estado do RJ e alfabetizada na fazenda de seu pai por uma tutora que dava aulas de montaria, etiqueta francesa, francês e economia doméstica (ha ha ha), vovó cresceu com um vocabulário simplório que incluía um único palavrão cabeludo: píula. Quando ela estava muito nervosa, confesso, o palavrão saía composto: êta, píula! Um dia, eu devia ter uns 7 anos, perguntei: "Vó, o que diabos quer dizer píula?" E ela arregalou os olhos, olhou em volta, verificou se havia testemunhas num raio de 20 km, me levou prum cantinho reservado e disse:

Píula é o pior palavrão que existe. É uma mistura de merda, caralho, puta que pariu e vai tomar no cu.



Eu fiquei horrorizada, mas nunca revelei nada a ninguém. Guardei esse segredo até hoje, mas confesso que passei minha vida inteira gargalhando por dentro toda vez que ouvia minha avó dizer "êta, píula!". Aí eu me plantava na frente dela, botava meus braços em volta de seu pescoço (que foi ficando cada vez mais miúdo, à medida que eu crescia e ela encolhia), olhava nos olhos daquela véia doida e perguntava: "O que foi que a senhora acabou de dizer aí?" E gargalhávamos, as duas. Ninguém entendia. Aquele era o nosso código. Só eu sabia que píula era um bicho cabeludo. Eu e ela. E às vezes, na Caixa Econômica, pro gerente do banco, eu desconfio que ela falava píula, mil vezes píula! apenas pra me distrair. Ou pra deixar o gerente intrigado com minhas gargalhadas numa hora daquelas.


Só sei que eu, como menina-moça, educada em colégio de freiras e criada para casar e ter filhos, adorava ter uma vó que falasse tantas obscenidades secretas. Pensando bem, foi minha salvação enquanto criatura afetiva e sexualmente viável. Hoje eu poderia ser uma mulher frígida e domesticamente prendada, casada com um homem de terno e gravata num sala e dois quartos com vista pro Borel; mas, porque tive a avó que tive (e que me ensinou o mais cabeludo do palavrões horripilantes), eu cresci cheia de moral pra escolher minha própria turma esquisitona. E conhecer, com eles, outros palavrões, autores e substâncias horripilantes, que me deram uma vaga noção do que sou hoje.


Um dia, quando eu já tinha essa vaga noção de quem eu era e minha vó já tinha mais de 90 anos, eu falei pra ela: Vó, píula já era. O lance agora é dizer que não sei o quê de cu é rola. E dei uns exemplos: voto obrigatório é uma merda?; então voto obrigatório de cu é rola; Rosinha quer dar sopão a um real? Então assistencialismo de cu é rola. E por aí fui. Ela ficou muito confusa. Acho que já não associava bem os nomes (rola, cu) às pessoas, e ficou algum tempo com cara de interrogação me perguntando: como assim, o assistencialismo de cu ser rola? E eu expliquei que o barato era puramente o surrealismo do xingamento. Que nem tudo de cu é rola. Algumas coisas de cu, de fato, são rola, mas nem tudo. E tivemos uma longa conversa de vó e neta sobre isso. E ela ficou horrorizada de ouvir de sua inocente netinha tantas barbaridades e analogias cu-rola.


Na verdade, como era de se esperar, ela nunca aprendeu a usar meu xingamento mór. Ficou com o píula mesmo, eternamente. Às vezes, no afã de me agradar, mandava um: êta, rola! E danava a rir dela mesma. Só eu e ela ríamos, só eu e ela entendíamos a piada.


Hoje eu contei quantos palavrões eu falei ao longo do dia, e tive vontade de lavar minha boca com sabão de pimenta. Há três anos perdi minha vó e, com ela, perdi coisas inestimáveis, como meu mais alto padrão de gentileza, delicadeza e cortesia. Hoje eu sobrevivi a mais um dia ruim em trabalhos onde as pessoas se agridem gratuitamente, são incapazes de dizer por favor e obrigado, e senti muita falta de minha avó. Ela sabia, com seu incrível pensamento mágico, transformar agressão em carinho; irritação em sorriso; e acusação em perdão em dois tempos. Pessoas assim, cujas fôrmas foram quebradas há décadas, fazem falta em qualquer contexto.

Para rir e cantar com Elis, Jair e Elza.

Se acaso você chegasse

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Sempre que eu quero rir das entranhas pra fora, eu ouço essa faixa. Elis era uma pessoa que sabia rir: das coisas, de si. Se tem uma coisa que eu valorizo num ser humano é a capacidade de rir de si. E de rir de forma contagiosa.

quarta-feira, agosto 09, 2006

O vento sob minhas asas


Acho que assisti "Beaches" bem umas vinte vezes, só na adolescência. Pra quem não sabe, "Beaches" é aquele filme sobre duas amigas de vida inteira, uma delas interpretada pela Bette Midler, que também canta, nessa trilha, a faixa mais triste de toda a indústria fonográfica de Hollywood: "Wind Beneath my Wings". Pois eu cresci apostando nessa história de que, dentre todos os amigos que vão e vêm, ao menos um eu teria como referência pro resto da vida; e que seria justamente a este que eu confiaria minha memória e meus maiores segredos, a criação de meus filhos no advento de uma desgraça e o testemunho passional de minha existência.

Na verdade, eu fui além do plot dessa estória: apostei que, dentre amores que vêm e vão, um deles seria eterno -- e não apenas enquanto durasse -- e se prolongaria por outras vidas; e que nossos filhos cresceriam em meio a fotos P&B e cartas perfumadas, documentos históricos do florescimento do amor pleno de seus pais da adolescência em diante. Quando eu digo que apostei nisso, quero dizer que dei o que tinha e não tinha. E hoje, sentada diante de meu gerente de dívidas afetivas, é deveras vexada que puxo um retalho daqui e outro dali pra tampar, como posso, os buracos formados em meu esfarrapado coração romântico nesse processo; furos maiores ou menores, que ora eu enfeito com flores, ora disfarço com uma lua cheia ou um céu estrelado... e ora apenas mantenho limpinhos e ordenados, pra que sejam paulatinamente ocupados pelo novo locatário, que a cada dia traz mais uma pequena peça de sua encantadora mobília.

Ontem, voltando de Salvador, olhei pela janela e tive a nítida sensação de que nada havia entre a aeronave e o chão. Nada, além da iminência da queda livre. Nada, além de um grande vazio.

Foi a primeira vez que percebi o quão grandioso é esse estranho sentimento de perda daquilo que nunca tive. Eu quis me apoderar do vento, mas ele só existe enquanto voamos.

O amor, essa grande ilusão.

***


Did you ever know that you are my hero
and everything I wish I could be?
And I can fly higher than an eagle
for you are the wind beneath my wings.

(The wind beneath my wings, de Larry Henley & Jeff Silbar)

segunda-feira, agosto 07, 2006

Ai, se eu escutasse o que mamãe dizia...


Festinha na escola. Uma criança não existe mais se não for fotografada a cada 15 segundos. Isso me faz querer... ter uma câmera melhor! ;)
Ah, do pato pro ganso: na Bahia tem um tal de Pão Delícia (isso que parece um pão de queijo, ao lado do bolo, na foto acima) que é a comida de festa preferida das crianças. Imagino que seja pela falta de pimenta, mas, afastada essa hipótese, não saberia dizer o porquê de crianças gostarem tanto de um pão sem recheio e sem merchandising.


Essa é a boquinha que ela faz quando chama "Djindjiiiiiiiinha". Um espetáculo!

Eu e Ana, amigas desde criancinhas, no MAM. Essa moça bonita é duma candura linda! A fotografia não lhe faz jus, ela merecia o Lucas como fotógrafo. ;)

As fotos que não vieram do Flickr pra cá

De uns tempos pra cá, o Flickr não tem conseguido repassar pro blogger todas as fotos que eu mando pelo telefone. Aqui vão duas dessas digitais excluídas que não podiam ter ficado de fora!

30 de julho de 2006
Namorado DDD
Essa é a carinha linda que ele faz quando eu faço dengo no telefone. (Obrigada, Marcelo!)


06 de agosto de 2006
Animalias
Gata de Itapoã: deu uns tapas na cara da bigoduda Jolie, mostrou quem mandava naquele churrasco e ainda posou pra foto.

domingo, agosto 06, 2006

Vida selvagem


Vida selvagem
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Amiguinha e o fantástico engolidor de pilhas numa disputa por figurinhas.

Algumas considerações sobre a Bahia

Serrei
Aqui os homens concedem realeza a outros a troco de nada, chamando-se de "meu rei" pra cá, "meu rei" pra lá. N'outras partes do globo, homens são competitivos, furam os olhos de outros homens e quebram garrafas nas cabeças de outros homens. Não que isso não aconteça na Bahia, mas fica mais difícil bancar o pitboy depois do "meu rei", o tratamento que abre as portas do coração pro carinho, pro sorriso e pra cordialidade.


Ana da Bahia
Ela sempre tinha um comentário brilhante e sensível nos posts mais polêmicos do blog da Cora e, mais tarde, nos textos deste quartinho. Um caso típico de nunca te vi, sempre te amei. Mas eu não tinha como adivinhar que ficaria tão feliz de vê-la materializada na minha frente. Conversamos como velhas amigas que põem o papo de uma vida inteira em dia (em um dia!), bebemos todas no MAM e no Pelô, vimos as fotografias lindas do Pierre Verger e, de repente, eu senti que Salvador podia ser meu lar. Lar é onde nosso coração está, e o coração da gente, esse músculo estriado voluntarioso, está irreversivelmente conectado aos amigos. Ana, obrigada pelo dia lindo!


Informação
Peça uma informação em Salvador, no Rio e em Minas e compare forma e conteúdo das respostas. No Rio, as pessoas dizem que não sabem onde fica, mas já falam andando, apertando o passo pra sumir da abordagem do estranho potencialmente perigoso; nas pequenas cidades de Minas, eles sempre têm uma resposta imprecisa, que invariavelmente é (depois de horas de falação mole) "logo ali", acompanhada de um espichar de queixo e um certo mascar de palha imaginária; em Salvador, sempre junta uma pequena multidão de homens pra dar a mesma informação, nem sempre todas as pessoas têm a mesma opinião, mas todos são simpáticos, querem saber de onde você é, se é sua primeira vez na Bahia e, se você não colocar um limite, te botam no colo e te levam até o lugar procurado. Muito se descobre sobre um lugar só pela forma como as pessoas locais dão informações.

sábado, agosto 05, 2006

Pro Lucas


Pro Lucas
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Ana da Bahia no Museu de Arte Moderna de Salvador.

Louca por bigode


Louca por bigode
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Jolie. Peludoterapia até na Bahia!

sexta-feira, agosto 04, 2006

Super Heróis


Super Heróis
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Garota Morcego e Super Homem

quinta-feira, agosto 03, 2006

Estresse pré-Bahia


Estresse pré-Bahia
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O vôo estava marcado pras 20h50. Peguei um busum às 19h40. Cheguei ao Galeão às 20h35. Quase surtei. Preciso de baianidade nagô na veia.

Tortura

Eu vi Zuzu Angel nesta terça e, apesar do encantamento com o filme (o melhor e mais sensível sobre o tema ditadura militar na América Latina); do papo delicioso com o diretor (obrigada, fada madrinha!); do sacode que uma história dessas dá na gente, estilo "acorda, Brasil!", vamos lutar contras as injustiças sociais, o mundo ainda pode ser salvo, a coisa já foi bem pior... acordei extremamente deprimida com uma frase do filme que não me sai da cabeça desde terça: "Ela foi torturada [...] e teve os seios arrancados." Teve os seios arrancados! Que tipo de animal faria uma coisa dessas com um ser humano?!? Hoje nem a peludoterapia me salva, porque saber que essa idéia de torturar e arrancar seios partiu da cabeça de uma pessoa me fez perder temporariamente, mas por completo, a fé no ser humano.

quarta-feira, agosto 02, 2006

O barato de Grace

Tapa na Pantera


Vídeo ficcional extraído daqui sob o tag "maconha".

Peludoterapia, porque eu não nasci pra sofrer.

Gente, eu me emocionei barbaridades com as fotos e histórias que eu recebi de seus peludos. Por trás de cada focinho fotografado, vinha sempre um relato autêntico de amor, companheirismo e amizade incondicional. Se todo mundo tivesse acessibilidade peludal -- em minha modesta opinião, uma condição sine qua non para um mundo melhor --, os humanos poderiam finalmente fazer jus ao próprio nome específico, tornando-se verdadeiros humanistas.

Aproveito o ensejo pra fazer apologia da adoção de peludos sem teto: há sempre um peludo precisando do seu carinho nas ruas e nos abrigos. Não me entendam mal: sou pela posse responsável até o osso. Por isso mesmo, e somente por isso, já fiz várias pessoas desistirem de comprar um cão de raça quando as convenci de que raramente uma paixão que começa pela casca dura muito tempo. Dessas pessoas demovidas da compra-pelo-estereótipo, algumas adotaram peludos puros por cruza, como os meus (tão mestiços, que se tornaram puros de uma coisa nova e única, que só eu tenho: puros de amor por mim, e vice-versa); outras perceberam que podiam comprar um vestidinho ou um relógio e obter o mesmo impacto social de um cão com pedigree*. A todos que me procuram buscando conselho, eu digo que peludo é bom demais, mas para se ter um peludo é necessário tempo, energia e dedicação. Nada menos do que eles, os peludoterapeutas, lhe dariam em quádruplo, mesmo nos dias mais difíceis.

Infelizmente o sistema de upload do blogger não comporta essa farra-do-boi, com o perdão da expressão de gosto duvidoso, de tantas fotos por post, senão eu teria feito uma peludoterapia muito mais intensiva. Deixo vocês aqui com a última leva e a minha sincera gratidão pelo carinho n'alma que foi ter tido contato com seus focinhudos lindos.

*Nada contra os cães de raça pura, eu mesma já tive um (Beagle), mas tudo contra criadores inescrupulosos que fabricam filhotes indiscriminadamente, reduzindo as chances de adoção dos sem-raça-definida e ampliando o espaço para doenças congênitas, peludos tristes e o abandono.

***

Uma vez o Neko sumiu por cinco dias. Aquele enchente no Rio, na mesma época, não foi mera coincidência: era a Tati chorando rios pra ver se ele voltava de bote. E não é que o capitão tomou gosto por essa coisa de navegar?

I want to be alone, disse a ruiva Diadorim à sua personal paparazzi, Jussara. Hoje em dia, um gato não pode mais fazer suas coisas de gato sem essa chateação.

Quem disse que gato não gosta de passarinho? Fubs, personal bicho-do-mato da Monica L, que o diga. Pras visitas ele nunca aparece, mas pr'esses peludos inanimados ele faz a maior sala. (Humf!)

Não sei o que seria da vida da Dani se a Lara (nareba em primeiro plano) não a tivesse adotado. Benditos peludoterapeutas!


Gil, o negubão da Jussara, e sua já flickrinternacionalmente famosa linguinha de fora. Panteras são macias, panteras são irresistíveis, panteras têm brilho próprio.

Peludoterapia, porque eu mereço!

Clarice, a feliz proprietária do Álvaro, se refestelando com seus meninos (gulosos?) na grama. Vida de cachorro é mesmo uma coisa árdua e estafante.


Esse grandão aí é o Zorro, dono orgulhoso da Jussara. Uma cara de ciumento!...

A Dani encontrou a Wica solta na vida, num abrigo. Sorte da Dani!

O Alexandre quis dar nome de bacana pro White. Mas o chama mesmo pelo designante da função que o cara exerce na família: filho.


O Tom, dono do Aurélio, adestrador de criancinhas na Lagoa desde a mais tenra idade. Nos treinos, ele sempre leva duas bolinhas para manter os filhotes humanos entretidos o tempo todo, pois vocês sabem como crianças perdem a concentração por qualquer coisa.