Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

domingo, setembro 28, 2008

Coisas estranhas que saem do nariz da gente

O pior já passou e agora eu não só consigo respirar pelo nariz, como posso dormir deitada, um luxo que pouca gente valoriza. Meus principais cuidados pós-operatórios no momento são o antibiótico e uma faxina nasal com soro fisiológico várias vezes por dia.

No início, quando o dreno saiu e tudo ainda doía muito, eu tinha entendido que era pra pingar umas gotas em cada narina, só para dar uma hidratadinha no narizinho sofrido. Como esses parcos cuidados deixaram meu nariz completamente obstruído em poucas horas, tive de voltar à clínica para uma desobstrução mecânica, ou seja, uma catação de meleca ambulatorial. Eu tentava não olhar pro lixo que o médico ia tirando de minhas narinas com um aspirador e uma pinça para não ficar muito impressionada, mas quando ele tirou uma massa do tamanho de uma bola de ping-pong friável de uma das minhas narinas (o que deixou minha cabeça leve a ponto de eu achar que tinha perdido massa encefálica), eu comecei a achar aquilo tudo meio repugno-angustiante. Quanto lixo pós-cirúrgico cabe em uma pessoa, afinal?

Meu médico, que estava em débito comigo porque marretou meu crânio e permitiu que me mandassem pra casa só com tylenol, contou-me uma história assombrosa, visando ao meu entretenimento durante o ato nada gostoso de afogar meu nariz em soro profuso. Ele disse que um de seus pacientes, 2 meses depois da cirurgia de desvio de septo, perguntou se já estava de alta prum rala-e-rola porque tinha uma gatinha na cola dele, e coisa e tal. O doutor disse que claro, sim-sim, apenas evite emoções fortes no nariz, então lá se foi o gajo com a gatinha prum restaurante bacana exercitar suas manobras de sedução. No meio do jantar, o rapaz sente uma coisa se avolumar na garganta, tosse e expele um feio e espantoso alien castanho, entre seco e molhado, que voou até seu prato com toda a pressão. Se o prato não estivesse vazio, talvez a mega-master-meleca assombrosa tivesse ficado presa entre um ravióli e outro, mas como não havia nada que parasse o monstro, ele continuou sua trajetória até o decote da menina, que não conseguiu segurar o engulho - e depois o choro - no salão lotado de um daqueles restaurantes de Ipanema onde tudo se vê e tudo se repara. Pronto, fim de romance. Aquele príncipe encantado seria pra sempre um sapo cuspidor de meleca.

Eu não sou de me impressionar com besteira, mas entendam que eu tinha acumulado o assombro do relato com o assombro da limpeza nasal que o médico me fazia, de forma que antes de sair do consultório, eu perguntei, angustiadinha:
- Doutor, e como eu faço pra que isso (de um dia cuspir uma meleca) não aconteça comigo de jeito nenhum?
- Faça suas limpezas direitinho, 3 vezes por dia, com bastante pressão, bastante volume, enfiando soro numa narina pra sair pela outra até sentir o gosto salgado do soro na boca.

Um lado meu quer ser normal e portanto tem feito a limpeza direitíssimo: 500 ml de soro por lavagem, com a pressão de um lava-jato. Do jeito que eu faço, não fica nada, nem vestígio de olfato. Estou drenando os odores do mundo.

Meu lado ostra Freddy Krueger, no entanto, tem muita vontade de cultivar uma pérola gosmenta desse porte só para soltá-la na hora certa do estresse alarmante, exatamente como fazem os gambás com suas glândulas adanais e os porcos espinhos com seus cabelos espetantes. Seria minha arma secreta num assalto, por exemplo:
- A bolsa, tia! Passa essa merda logo, porra!
- Gloooobit pluc zapt. (sonoplastia da meleca voando direto pro olho do bandido e eu fugindo, rápida como um raio, da cena do crime)

Pelo sim, pelo não, faço minhas faxinas, mas prefiro não entender os pormenores da anatomia da cabeça humana. Pelo menos assim, eu sempre ficarei na dúvida se minhas rajadas de soro deixaram ou não algum soldado morto para trás.

PS: É muito promíscua essa relação do nariz com a boca, da boca com o olho, do nariz com o ouvido. Acho um pecado a gente deixar esses órgãos todos se comunicarem e não conseguir sentir o gosto da música ou a música dos cheiros. Se Deus não tivesse descansado no sétimo dia, talvez todos nós fôssemos sinestésicos.

sexta-feira, setembro 26, 2008

A perícia médica

Há cerca de dois meses, eu avisei no meu trabalho que iria me submeter a uma cirurgia em setembro e perguntei o que deveria fazer para solicitar a licença médica para o pós-operatório. Na ocasião, riram de mim e disseram que um perito médico só me daria licença após a cirurgia, e não antes. Eu aleguei que depois da cirurgia eu deveria estar em casa em repouso, e não numa sala com 60 doentes aguardando a vez de contar sua história triste a um perito. Meus colegas então me tranqüilizaram, dizendo que eu poderia mandar alguém da minha família à biometria - que é como os burocratas chamam a perícia médica - em meu lugar. Isso fez muito sentido pra mim na ocasião, e de certa forma até me estarreceu, porque NADA no serviço público faz muito sentido.

Entrei e saí de férias, entrei e saí de um centro cirúrgico, sofri alguns horrores pós-operatórios e ontem, quando me senti melhor, liguei pro meu trabalho para perguntar onde exatamente eu deveria mandar meu pai apresentar os laudos médicos. Para meu choque e horror, descobri que:

1. Ontem era o último dia para eu fazer a perícia médica sem que me cortassem o ponto;
2. Eu tinha de ir pessoalmente à biometria, porque o médico não poderia examinar meu pai em meu lugar (e os peritos são pagos para desconfiar do laudo de seus colegas, mesmo quando eles vêm acompanhados de recibos com CPF e o escambau).

Com um olho na minha licença prêmio (coisa que só ganho se não cortarem meu ponto por 5 anos seguidos) e outro no relógio, comuniquei a emergência aos meus dedicados pais: eu tinha apenas uma hora para ir à Mangueira pegar um papel e então levá-lo à biometria, onde um médico me examinaria e, pra isso, eu precisaria da ajuda deles. "Será que alguém em seu trabalho não pode passar esse documento por fax à perícia?", quis saber meu pai. Eu perguntei e não, não podia. A burocracia não saiu da Era Cenozóica, e o papel ainda é essencial pois o homem primitivo, coitado, precisa fazer fogueiras para se aquecer!

Fizemos todo o itinerário de um lado a outro da cidade, eu peguei o tal papel e levei-o ao centro administrativo da prefeitura. Chegamos à biometria no quadragésimo quarto minuto do segundo tempo. Havia cerca de 40 pessoas na minha frente, e a minha única passagem anterior pela perícia médica (por causa de uma conjuntivite que, por mim, não seria motivo pra faltar ao trabalho, mas meus colegas estavam com medo do contágio) me fazia estimar que a espera seria de pelo menos 2 horas. Expliquei pra burocrata do balcão que eu estava com dores latejantes e perguntei se podia deixar meu pai ali em meu lugar. Ela respondeu com um sorriso entre sádico e educado que, antes de falar comigo, eu teria de pegar uma senha e aguardar a minha vez. Imediatamente percebi a gravidade da situação e falei pro meu pai que não tinha a menor condição de esperar duas horas naquelas cadeiras duras com aquela quantidade mega de doentes murmurantes. Ele disse que ia cuidar de tudo e me mandou sentar. Da cadeira dura, o vi falando baixinho com a moça do balcão e percebi que ele nem pegou a senha pra isso. Depois o vi passar de um balcão a outro e, cerca de cinco minutos depois, eu fui atendida. O médico me entrevistou, carimbou uma papelada e me mandou pra casa por mais 11 dias.

Quando saímos da biometria, ainda supresa por ter ficado tão pouco tempo nas malhas da burocracia, perguntei pra ele:
- O que você disse a ela?
- Que você estava com uma doença contagiosa raríssima, e que o contágio se dá pelo ar.

Imagino que quando a mocinha sádica do balcão me viu com a cara duplicada de tamanho, o olho torto espremido numa bochecha pendular e uma gaze me tampando o nariz e parte da boca, ela só pode ter pensado uma coisa: FU-DEU! Aí ela passou meu pai com uma papelada semi-preenchida a um outro balcão de antendimento. O burocrata desse balcão olhou os papéis, olhou pro meu pai e disse:
- Vanessa?
- Melancia.
- Ahn? Como? Não entendi.
- Ué, isso não é um jogo? Você fala uma palavra e eu digo outra, não é assim? Pois então: eu estou jogando.

Partindo da premissa que um homem que fala um absurdo desses com a voz grossa e grave - sem piscar ou emitir qualquer sinal de que está brincando - só pode ser um maluco disposto a matar ou morrer, o rapaz chamou o médico, o médico me chamou e fomos todos felizes para sempre, pelo menos pelos próximos 10 dias, quando eu terei de passar por tudo isso novamente.

***

Eu sei que não posso espirrar de boca fechada nem gargalhar pelo nariz, mas toda vez que penso nesse embate entre meu pai e os burocratas da biometria, tenho vontade de explodir numa gargalhada profunda. Vê se pode, minha gente: melancia! Meu pai é o máximo.

quinta-feira, setembro 25, 2008

Desabafo pós-operatório

Este pós-operatório está sendo bem mais complexo do que poderia supor minha vanOr filosofia. Primeiramente, eu só fiz essa porcaria de cirurgia porque os médicos sempre pintaram um quadro de futuro respiratório fantasticamente melhor depois que o desvio de septo se fosse junto com os lixões sinusais que só uma intervenção cirúrgica poderia remover. Eles me prometiam proteção contra as sinusites que costumam me derrubar trimestralmente. Mesmo assim, passei anos repetindo as mesmas desculpas para não me operar: que eu já estava acostumada a respirar pela boca; que eu não roncava, ronronava; que mesmo que eu roncasse, o que só passei a admitir depois de fazer uma polissonografia, eu não fazia apnéia noturna.

Demorei foi tempo pra resolver me operar! Até porque eu já tinha feito essa cirurgia há 12 anos, mas pelo visto desvio de septo é que nem levantamento de peitos: de vez em quando você tem que fazer de novo, porque septo nasal volta a entortar e peitos voltam a cair.

Minha médica me convenceu de que o pós-operatório seria tranqüilo e que não me deixaria com um tampax em cada narina na volta à casa. No lugar do tampax, que quase me matou da última vez, ela colocaria um dreno. Ela só não disse que o dreno seria do tamanho de um tampax, calibre super. Também achou melhor me dizer só na hora de sair do hospital que o meu controle da dor seria com tylenol. Tylenol, chapeize: aquele objeto cenográfico que neguinho toma no trabalho pra simular uma dor de cabeça numa sexta-feira mais lenta. ONDE ESTÃO OS OPIÓIDES QUANDO A GENTE MAIS PRECISA DELES?!?

O resultado é que na terça, quando passou o efeito bom dos remédios da anestesista, eu acordei na terça com a sensação de que estavam tentando arrancar meus dentes pelas narinas. Contudo, eu não quis me desesperar: fui zen, segui as recomendações e tomei meu placebol direitinho, muito embora eu não acredite em nada que se venda sem receita médica azul ou amarela. Porque eu sou religiosa e confio muito nas coisas em que confio muito, tomei um tarja preta pra dormir, mas acordei na quarta com a face esquerda tri-pli-ca-da. Meus dentes latejavam, arrastando bochecha, testa, têmpora e nariz pro abismo da dor em sua agonia mais pulsante. Tentamos localizar os médicos que me operaram: celular, pager, consultório. Nada. Escolhi um antiinflamatório potente eu mesma, morrendo de medo de acertar justamente aquele que mata asmático pós-operado, e só então consegui relaxar pela primeira vez depois de algumas horas com dor. Pouco depois, finalmente um médico me liga de volta em resposta à última mensagem desesperada de meu pai no pager. Pager, galera: aquele aparelho medieval que existia antes do celular. O mais fantástico é que o médico que me ligou nunca tinha me visto e não sabia que cirurgia eu tinha feito, mas ainda assim opinou: "Ah, essa dor é normal porque a cirurgia que você fez tem uma incisão na gengiva". Não dormi a noite inteira tentando entender onde diabos tinham me cortado a gengiva e porque diabos não tinham dado ponto nesse corte ou feito recomendações sobre a higiene bucal. A gente limpa o tártaro de um cachorro e faz mil recomendações de pós-operatório; médicos abrem minha gengiva e foda-se? Ou melhor: foda-me?

Senti na carne o desamparo de um útero rasgado se esvaindo em abandono numa hora dessas. Podem falar o que quiser de veterinário - que somos broncos, que não usamos salto alto e não somos famosos por produzir o melhor da ciência -, mas uma coisa eu posso afirmar: tem muito médico por aí precisando fazer um estágio na clínica veterinária mais próxima para aprender a tratar de seus pacientes com o mínimo de humanidade!

E hoje, quando eu finalmente falei com minha médica e fiz todas essas considerações cara-ao-cubo-a-cara, ela disse que eu sou muito sensível. Escrevam aí: se algum dia eu precisar fazer alguma outra cirurgia, só entro no centro cirúrgico na presença de um médico veterinário responsável pelos aspectos humanitários inalienáveis da relação médico-paciente. Quem diria!

terça-feira, setembro 23, 2008

A cirurgia naso sinusal

Ontem eu finalmente entrei na faca para corrigir uns defeitos naso-sinusais antigos que favoreciam sinusites freqüentes e roucos noturnos nada compatíveis com uma mocinha tão delicada quanto eu. No lugar do desvio de septo, eu agora tenho um dreno, que para um leigo deve parecer uma minhoca repleta de catarro e sangue. Meu nariz parece ter sido atropelado por dentro (porque arde) e por fora (porque está desfigurado), e um polpudo edema facial mantém meu olho esquerdo praticamento fechado. O curativo é um bidoge de gaze enroladinha presa com micropore sobre o que costumava ser meu lábio superior, e eu sempre me impressiono com as coisas que saem de um corpo humano após uma cirurgia, por menor que ela seja.

Sinto muito sono, mas a cada 8 horas acordo achando que já estou ótima, o que me faz crer que a anestesista deve ter usado seu melhor opióide comigo. Melhor assim.

***

A criatura peluda na foto do post abaixo é o jackalope de pelúcia que o Ken me deu. O jackalope é uma criatura mitológica que... Pronto. Já estou com sono de novo. Mas os jackalopes são muito legais, eles dão sorte.

segunda-feira, setembro 22, 2008

Boletim médico


Boletim médico
Originally uploaded by Van-Or
Hoje eu dei um pulinho no hospital pra ajeitar meu desviado septo. Como sempre, foi um pouquinho mais trevas do que eu imaginava, parece que um trem passou por dentro do meu nariz. Por isso vou ter de obedecer os médicos e ficar bem quietinha nos próximos POUCOS dias. Eu e jacklopinho estamos negociando prazos realistas.

sábado, setembro 20, 2008

O casamento de Rodrigo Mannarino

Ele era o presidente da comissão de formatura da minha turma, e eu era a líder do grupo do contra: eu era contra os convites caríssimos de veludo, contra o Le Buffet, contra as cascatas de camarão, enfim, eu era uma péla-saco destinada a abandonar o grupo de formandos no altar e passar um carnaval inesquecível em Garopaba com a grana que eu apliquei por 5 anos na conta-poupança da festa de formatura.

É bem verdade que ele aprendeu muito comigo nesses cinco anos de organização de uma festa pomposa. Aprendeu a não se aborrecer muito e aprendeu a ter paciência, sobretudo com as mulheres, e isto foi muito útil quando ele começou a organizar a festa de seu casamento. Melhor dizendo, quando ele começou a contratar uma verdadeira força-tarefa para organizar seu casamento. "Uma luta!", ele me confidenciou durante a anestesia que fez para a limpeza de tártaro do Povo: de um lado da arena, a mulher dele, uma noiva, imaginem só!; do outro, um desfile de viados e fadinhas afetadas que insistiam em dizer que está se usando muito esse tipo de flor, que esse docinho é o que mais sai em festa de casamento, e toda sorte de argumento fashionista fraco pra destruir tudo aquilo que a noiva idealizou desde sempre para seu próprio casamento.

Mas o Rodrigo tinha a experiência da diplomacia e, com ela, eles se defenderam bem. O resultado de tanta luta, vitoriosa para os noivos, é a festa que se realizará hoje nos cenários mais bonitos desta cidade. Ela terá o perfume tranqüilo que só têm as festas organizadas com a antecipação necessária. Num dia assim, é muito justo que os noivos só pensem em ficar lindos para o momento do sim, porque é com essa cara que eles sairão na fotografia que mostrarão aos filhos, que mostrarão aos netos, que mostrarão aos bisnetos: Olha como sua bisa estava linda no dia do casamento! Naquela época, existia uma igrejinha bastante simpática naquela colina da Glória onde hoje tem um assentamento dos Sem Teto. E os bisnetinhos vão suspirar por um tempo em que eles podiam sair à rua sem roupa blindada pra se proteger das balas perdidas.

Recebi em casa um convite super elegante, do tipo que só pode ter sido o resultado de muitas discussões sobre papéis, letras e o sexo dos anjos. A coisa mais bonita, no entanto, foi o que ele escreveu com a própria letra de médico, no envelope: "Minha querida amiga, aguardamos sua presença e sua alegria!" E a alegria está pulando no meu peito, porque até que enfim eu vou a uma festa do Rodrigo, e eu não podia estar mais empolgada! Acho que nunca fui a uma festa organizada com tanta antecipação: os noivos sabiam que subiriam ao altar no Outeiro da Glória há quase dois anos. Sinceramente, um namoro que de dois anos pra mim já é um excelente placar. Poucas vezes suportei alguém por tanto tempo ao meu lado. Essa certeza de ter encontrado a pessoa certa, essa convicção de que dois anos são apenas um breve suspiro numa história muito mais longa, longa a perder de vista, esse amor sólido e tão raro hoje em dia, isto sim, merece toda a pompa e celebração. Quando existe essa certeza serena, dois anos representam apenas o tempo justo e necessário para que todos os detalhes sejam providenciados a contento.

Ao meu querido amigo, Rodrigo Mannarino, anestesista dos meus bichos e salvador da minha pátria em tantos momentos de angústia e desespero, o veterinário que domou a morte e aprendeu a enfrentá-la com uma calma que não existe no meu coração, desejo que o tempo preserve para sempre em sua alma a alegria deste dia.

PS: meus peludos, Povo e Radija, não poderão comparecer porque estão muito ocupados com uma nova família de gambás que se mudou para nosso telhado em Miguel Pereira, mas eles me pediram para transmitir suas mais sinceras lambidas.

Ainda sobre a isca de tubarão


Vocês vão precisar de lupa pra ler a tirinha maravilhosa que o Tom achou para ilustrar o absurdo da isca peluda de tubarão (melhor que qualquer foto de cachorro fisgado por anzol):

Calvin: Você acredite no diabo? Você sabe, um ser supremo perverso dedicado à tentação, corrupção e destruição do homem?
Haroldo: Não acho que o homem precise de ajuda pra isso.
Calvin: A gente simplesmente não pode conversar sobre esses assuntos com os animais!

sexta-feira, setembro 19, 2008

Isca de tubarão

Minha irmã caçula sempre contou comigo no advento das maiores merdas: briga na escola, briga na rua, ralação de joelhos, roubo de picolés, quedas do pé de ingá, etc. Agora, uma vida adulta depois, as merdas são mais existenciais e menos passíveis de resolução no grito ou no tapa. Ontem ela me escreveu pedindo socorro pros cães e gatos usados como isca de tubarão num território sob domínio francês na África.

Isca de tubarão?!? Sim, isca de tubarão: os pescadores fisgam um beiço e uma perna com um anzol duplo enorme, jogam o peludo al mare e esperam os tubarões fisgarem. Filhotes de cães e gatos são os preferidos porque se debatem mais.

O motivo de eu não estar linkando aqui nenhuma página de notícia com fotos e filmes sobre o assunto é que eu tenho compaixão pelas pessoas que não passaram um mês de férias, como eu, e portanto não têm a menor condição emocional de enfrentar uma imagem ou texto mais detalhado sobre o assunto. E acreditem: há muitos detalhes sórdidos sobre o assunto que eu nem de perto risquei no parágrafo acima!

Mas eu, que tantas vezes já passei por essa profunda decepção com o ser humano toda vez que me surpreendo com as crueldades de que somos (sim: mesma espécie!) capazes, também acredito, como o Paul McCartney, que há o bem e o mal em todos nós; e que se ao homem forem dadas as mínimas condições de vida digna (artigo primeiro da constituição universal), há mais chances de o lado bom atonar e do ruim minguar. Não sou a única que pensa assim. Os humanistas, de forma geral, pensam assim. Não é boicotando, de forma hipócrita, a África ou a Ásia inteiras que a gente vai interromper essa rotina de crueldades contra os animais. O PETA, por exemplo, tem mania disso: se eles descobrissem que uns universitários, nossa elite cultural, amarraram e arrastaram num carro, pela cidade, uma cadela prenha até que ela virasse um resquício triste de pêlos numa corda, seriam capazes de propôr um boicote ao Brasil inteiro, com bandeiras verde-amarelas sendo queimadas em praça pública em algum lugar onde neva, do outro lado do globo. Talvez até tenham feito isso na Suécia, por exemplo, e a gente nunca ficou sabendo. Nem os tablóides valorizam essas maluquices inócuas do ódio. Esse tipo de ativismo terrorista odioso nunca mudou o comportamento das pessoas.

Vocês podem estar se perguntando o que eu fiz pra evitar que filhotes de labradores parem na goela de tubarões: fiz tudo o que podia fazer: praticamente nada. Procurei a petição com mais chances de chegar ao governo francês (a da RPSCA estava encerrada) e assinei. No mais, anotei na minha lista de prioridades eternas: fazer do meu trabalho uma ferramenta para a construção de um mundo mais justo.

Eu sei que o efeito disso vai demorar algumas vidas até chegar à costa africana, mas se eu tirar uma criatura inocente da boca de um tubarão aqui mesmo, onde moro, eu posso considerar que minha vida valeu a pena.

quarta-feira, setembro 17, 2008

MammaMania, here I go again!

Quando eu estava em NYC e os cartazes de Mamma Mia, o musical da Broadway, pulavam em cima de mim a cada 100 metros, eu perguntava pra quem estivesse ao meu lado (e geralmente era o Ken):
- E aí, vamos?
- Hum, acho que não... I'm not a big Abba fan.

Depois de ter ouvido essa frase mais de cinquenta vezes e de pessoas diferentes, comecei a achar que isso era algum código nova-iorquino secreto para a criatura se provar um "local", um nova-iorquino da gema. Apesar de tantos baldes de gelo, minha auto-estima falou mais forte, deixei rolar um barraco interno - sou cafona, merrrrrmo, e daí?!? vai encarar? ó que eu te depeno, heim, seu superergo maldito! - e acabei indo ao teatro conferir a peça que eu queria ver desde 2001. Saí de lá super feliz, apesar da visão parcial que tive do palco. Achei que tinha esgotado meu Abba-fanatismo e suspirei semi-aliviada - afinal, o superego me povoa, e ele prefere que eu escute coisas menos caffy, por assim dizer.

Aí chego ao Rio e o que encontro? Propagandas de Mamma Mia, o filme, pulando em cima de mim a cada instante.

Um parêntese aqui para uma confissão super embaraçosa: eu sou uma das pessoas mais suscetíveis à propaganda que eu conheço. Se eu não gosto de ver televisão, não é porque tenho outros gostos e prioridades, mas sim porque sou perigosa diante daqueles anúncios de produtos Tabajara que, se a gente ligar agora pra comprar, ainda leva uma lixa de unha e um tubo de pasta de dente usado, tudo super supérfluo e parcelável em 12 vezes sem juros.

Então, acabei parando numa sala de cinema para ver Mamma Mia, o filme, nove dias depois de ter visto a peça. Simplesmente amei ver a Meryl Streep, maravilhosa, defendendo a mãe da noiva com unhas e dentes; adorei as alterações que foram feitas nas letras para que elas se encaixassem na trama, como em Chiquitita, onde em vez de "there is no hope for tomorrow", as amigas cantam "and the wedding is tomorrow" (e o casamento é amanhã). Eu me emocionei, tinha convulsões de riso na cadeira e, quando eu voltava ao modo de respiração não-arfante, percebia que ninguém em volta estava se divertindo tanto quanto eu. Eu ficava sem graça, claro, mas não tenho nada contra ser a pessoa que mais se diverte em uma situação. Aparentemente, tenho um talento natural para isso. Deve ser esse excesso de mammamialina que corre em minhas mammamianas veias.

Eu tenho razões para imaginar que não seja muito lisongeiro curtir ou conhecer Abba mais profundamente que o resto das pessoas, sobretudo se todas elas têm esse músculo facial da esnobada que os novaiorquinos hipertrofiam diariamente, mas resolvi assumir minha fase MammaManíaca e decidi que:

  1. No carnaval, vou me fantasiar de Abba;
  2. Vou comprar o DVD do filme assim que sair no Brasil (ou talvez um ano depois, quando as Americanas já o estiverem vendendo por apenas dez reais);
  3. Vou aprender as coreografias e passarei a ser o terror dos casamentos na cidade do Rio de Janeiro. As pistas da Vila Riso e quetais ficarão pequenas demais para meus babados, plataformas e evoluções Abbísticas. Estrearei neste sábado mesmo a minha nova identidade como party-girl: a garota Abba. No bom sentido, claro, que Abba se grafa com dois bês, por favor!


Modelitos Abba para o carnaval. Agora é só uma questão de adaptar essas mangas bufantes pro nosso verão tropical.

Como começar uma carta afetadinha.

Estava eu aqui quase chorando de saudades, revirando fatos e fotos do passado, quando comecei a reler cartas que andei trocando com um amigo super querido, cuja identidade vou preservar para poder revelar detalhes de nossa intimidade postal, e voltei a me alegrar. Temos por hábito começar nossas cartas hiperbolicamente assim:

"Meu querido amore, meu miracolo do véio papa, meu ursito de pelâme e a metade que mais falta me faz: por que você não respondeu minhas últimas mensagens? Será que eu deixei de ser a mulher de sua vida, embora eu seja a única mulher em sua vida?"


E aí ele responde com a desculpa mais estapafúrdia:

"Minha musa amada, minha deusa celestial, minha estrela brilhante que outrora foi uma florzinha carente.... Eu não respondi porque estou aqui com um baita torcicolo e puto com assuntos de trabalho: descobri que um funcionário meu andou dando em cima de uma cliente! (...) Catzo! Eu só sei escolher as pessoas erradas!"


Aí eu revido:

"Meu docinho de coco, meu bombom de cupuaçu, meu pastelzinho de belém, meu Bailey's Irish Cream com um pouquinho de café: para mim, você não só é o guru da gestão empresarial, como o papa na Piazza de San Pietro num domingo de sol; você é luz, é raio, estrela e luar. Você é Rufus, Justus, Trump, meu ia-iá e meu iô-iô. Você é sim, e nunca meu não!, de forma que eu não consigo crer em meus olhos quando você diz que não sabe escolher as pessoas. Como assim? E eu?!?"
***

Gente, um conselho: as pessoas hoje em dia são muito ocupadas. Elas têm o coração duro, não se comovem com pouco. Se for pra começar uma carta do jeitinho apático de sempre, melhor nem perder tempo escrevendo. Se escrever, exagere; se não quiser exagerar, não escreva.

terça-feira, setembro 16, 2008

Uma semana depois das férias

OK, admito que já tive tempo suficiente para perceber que não é desta vez que o choque de realidade vai me matar. Todo ano, quando volto das férias, acho que não vou suportar o retorno à rotina (depois de um mês sem trabalhar, o corpo se acostuma à vida mansa); que vou ficar asfixiada com o dia de apenas 16 horas (não sei o que acontece, mas o dia só tem 24h quando estou de férias, época em que subitamente eu ganho tempo para dormir); que vou morrer de saudades da vida boa que eu recém descobri e recém abandonei no rastro do eterno retorno.

Ainda tenho saudades das férias do ano passado, e isso vai se misturando com as saudades destas férias e de todas as férias que eu já tive na vida, inclusive os verões passados em Piúma (ES) na minha infância.

Lembro de um desses verões em que chegamos à pequena vila de pescadores numa Caravan branca atrelada num trailer, e todas as crianças do lugar correram atrás da gente gritando "Chegou o circo, chegou o circo!". E o circo éramos nós.

Lembro de minha mãe chorando quando um menino que vendia peixe na praia perguntou pra ela o que era aquilo (a máquina fotográfica), e ela explicou, mostrou uma foto pra ele, e ele grudou na gente até o anoitecer, pedindo pra minha mãe tirar uma foto dele pra ele levar pra mãe. Ela tirou várias, mas ele não entendia que o filme tinha que acabar, que minha mãe tinha que chegar na civilização mais próxima e mandar revelar o filme, e só uma semana depois (que naquela época demorava), ela teria a fotografia em papel nas mãos. E o menino chorava, achando que minha mãe estava mentindo pra ele, e minha mãe chorava da inocência do menino, e todo mundo chorava porque minha mãe chorava, e eu tinha só nove anos, portanto tinha legitimidade pra sugerir que ela adotasse aquele menino e pronto, aí a gente o levaria pro Rio e ele teria todas as fotografias que quisesse.

Mas no dia seguinte, dia de maré baixíssima em Piúma, a meninada toda já tinha se esquecido do menino da fotografia e só queria saber de procurar cavalos-marinhos e estrelas-do-mar.

Tenho saudades das férias em que a gente era o circo e eu me sentia a malabarista, a dançarina, a palhaça, a onça pintada e a criança com pipoca no camarote imaginário, separado do resto da platéia apenas por uma fita de cetim dourado. Férias sempre tiveram esse cheiro de purpurina no ar.

Ah, eu sou uma pessoa que sente saudades e pronto! Saudades das férias da semana passada, de todas as férias, de tudo, de todos, sempre.

PS: saudades da minha irmã e do Ken.

PS2: talvez eu tenha férias todos os dias, no instante em que fecho os olhos e desato a sonhar, ou ainda quando mergulho num livro bom (aí invado o sonho fantástico de outrem), mas isso não é a mesma coisa que a coisa de fato, gente. Não é!

Pro Lucas e pra Cora

A caneca que todo fotógrafo sonolento deveria ter. (In gizmodo; obviamente por indicação do Ken)

sábado, setembro 13, 2008

Desastres pentelhatórios

Hoje eu estava falando com meus pais sobre essa luta incansável das mulheres contra a natureza: estamos constantemente envolvidas em limpezas de pele, exfoliações, hidratações e tratamentos contra a celulite, fios brancos e rugas, mesmo que as rugas, em alguns casos, sejam apenas vincos naturais na pele causados pela movimentação saudável de nossas articulações quando perfeitas.

Pois meu pai falava disso enquanto eu ia me lembrando que uma das primeiras questões existenciais profundas que eu levei à psicanálise foi a minha dificuldade de encarar a velhice. Acho que eu tinha 18 ou 19 anos quando notei minha primeira ruga. Minha analista foi franquíssima:
- Você só pode estar de sacanagem!
- Não, é serio: quando eu sorrio, aparece uma ruga aqui, ó, bem embaixo dos olhos.
- Mas isso é porque você sorri! Todo mundo que sorri tem isso.
- Ah, então você está me dizendo que se eu não quiser envelhecer eu tenho que ficar deprimida para parar de sorrir!

Em algum momento, acho que todos os meus psicanalistas desistiram de me analisar por causa de comentários como esse.

Um complexo que eu nunca tive, porém, foi o complexo de mata equatorial nos países baixos. Aprendi a me depilar sozinha com 14 anos e, naquela época, a depilação com cera era coisa para esteticista com pHD em Harvard: um troço caríssimo! Determinada a não depender nunca mais de uma esteticista mercenária, aprendi rapidamente a fazer cêra de açucar e mel na panela, mas confesso que no começo errei muito o ponto do melado. Teve uma vez que eu deixei a cêra muito líquida, e aí fiquei grudada no assento da privada por quase uma hora, até que eu conseguisse dissolver o melado com a aguinha vocês imaginem de onde. Numa outra vez, porque eu superaqueci a cêra no microondas, não aguentei segurar o quentume do pote de cerâmica e acabei derramando aquela lava incandescente sobre a minha barriga e coxa, provocando queimaduras de segundo grau super sofridas. Já senti muita dor em nome da beleza, mas nenhuma dor estética se compara à dor causada por procedimentos que se destinem à eliminação de pêlos e pentelhos. Quem aqui faz ou já fez depilação a laser sabe do que estou falando.

***
Desafortunado pentelho

Não sei porque odiamos tanto nossos pentelhos, só sei que temos por hábito arrancá-los a ferro e fogo. Talvez por isso, sejamos tão intimamente associadas no exterior a uma técnica radical de remoção de pêlos pubianos (e adjacências) chamada de Brazilian Waxing. Alguns acham lindo, eu acho estranho.

Tenho amigas que já fizeram depilação em formato de borboleta, sol e coração; algumas, num rompante ufanista sem precedentes históricos, pintaram seus pêlos pubianos com as cores do Brasil para disputar o marido com a televisão na época da Copa do Japão; mas a única criatura que eu conheço que já admitiu ter tirado tudo, tudão, como no Brazilian Waxing, arrependeu-se amargamente da aventura porque flagrou o marido chorando um dia na cama:
- Por que choras, mi vida?
- Porque você está doente e eu não sei o que farei quando você se for.
- Mas, mi vida, eu não vou a lugar algum! O que te faz achar que eu estou doente?
- A sua xereca (soluços): ela está completamente careca!
- Ah, mas isto é porque eu depilei. Escuta, mi vida, isso era pra ser uma surpresa boa pra você. Assim, sabe?, uma novidade.
- Buáááááa'. Mas eu (soluço) fiquei (soluço) deprimido. Buáááááaá.

Desde que me contaram esse relato tão trágico e sincero, eu nunca me pelei além dos acidentes depilatórios. Alguns acidentes depilatórios resultam em muito (mas muuuuuito, gente!) menos pêlo do que o esperado. Quando dá pra ver que a coisa ficou ruim, a gente até tenta um milagre da multiplicação puxando uma franja daqui e fazendo um repartido de lá, mas se o desastre depilatório é grave, só ativando um mês inteiro de ausência mental: está provado cientificamente que se a gente se aborrece, aí mesmo é que o cabelo não cresce.

Uma amiga muito querida sofreu uma outra variedade de desastre pentelhatório: estava ela passando blondor no corpo sob o sol, quando percebeu que o descolorante tinha escorrido pra dentro de seu biquini. Flagrei-a examinando as coisas no deck da piscina, e ela me olhou assustada:
- Ó céus, estou ruiva! E agora?
- Calma, amiga. Vamos aparar as pontas. Às vezes, só de tirar as pontinhas a cor volta a ter o viço de antes.

Ela foi pro banheiro e aparou as pontas dos pentelhos com o trimmer do marido. Voltou de lá desolada:
- Putz. Agora estou ruiva e com um corte militar cafonérrimo.
- Caramba, foi mal. Agora vamos torcer pro seu marido ser distraído.

Quando ele voltou de viagem, antes de matarem as saudades, até por causa do relato da coisa pelada que brochou o marido da outra, ela apressou-se em contar:
- Tenho uma surpresa pra você.
- Oba!
- Estou com a xereca ruiva.
- Oba!
- Mas vá com cuidado, porque eu também estou com um corte de pentelho novo que pode te espetar.
- Ih. Então acho melhor a gente ver isso com calma amanhã.

Deve ser horrível...


It must be soooo horrible...
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... viver num lugar onde partes da sua bicicleta são furtadas quando você a estaciona na rua, com tranca e tudo.

PS super humano, gente, licença: eu senti uma felicidade enorme e injustificável quando constatei que essa doença não é só nossa!

sexta-feira, setembro 12, 2008

Da fé etíope

No meu último dia inteiro em NYC, eu voltei ao Harlem -- desta vez com reservas devidamente feitas -- para finalmente ver o coro gospel comer na Igreja Batista Abissínia. Tico levou um tempão pra fechar sinapse em Teco até eu recordar que abissínio = etíope. Então, quando eu tomava o trem pra Rua 135, tive uma súbita curiosidade sobre a espiritualidade do povo etíope. Pensei que deve ser foda passar semanas sem comer e ainda assim acreditar em Deus. Lembrei dum filme franco-israelense sobre a incrível história de um menino etíope que mente ser judeu secular para obter exílio da fome e miséria em Israel, e tudo que ele precisou fazer para isto foi mentir que o nome de seu avô era Jacó, sua mãe era Sarah, e por aí vai. Não me lembro o nome do filme, mas se alguém daqui souber, eu edito este post e divulgo, porque esse é um daqueles filmes que todos deveriam ver para obter uma percepção ligeiramente mais acurada da loucura que é este mundo.

PS: O Tom descobriu que o filme se chama "Um Herói de Nosso Tempo". Recomendo.

Pode ser um reducionismo extremamente perverso de minha parte, mas tenho pra mim que só consegue acreditar em Deus, de verdade (sem essa punheta de dizer "se deus quiser!" por falta de uma frase de efeito mais rápida e inócua), quem tem muita culpa, ou um medo irracional de morrer e ir pro inferno, ou a fé ingênua de que a intimidade com o almighty possa acompanhar vantagens individuais, como a cura de uma doença grave ou os seis números exatos da mega sena*. E assim ia eu, com esses pensamentos mundanos, naquele trem repleto de turistas religiosos desde criancinha (como eu), a caminho da igreja batista etíope. Vestida no meu melhor traje de missa dominical, onde realmente só faltavam chapéu e luvas pra compor a falsidade, DEUS FOI TESTEMUNHA de que eu transpirava fraude da cabeça aos pés.

*PS2: E porque eu também acho que a Moni-k-r, que eu nunca vi mas sempre amei, não se enquadra em nenhuma das anteriores, vou incluir mais uma categoria: admito que possa haver pessoas que acreditam em Deus porque se sentiram tocadas por algo maior, the greatest love of all, essa coisa abstrata da qual eu morro de inveja.

Quando cheguei, minha irmã me esperava na saída do metrô. Ela, que morou 2 anos no Harlem e odiou essa época, se adiantou em dizer: "Aqui a gente não pode dizer nem preto, nem negro, que isso aqui é ofensa. Os amarelos entendem, ficam furiosos e querem partir pra cima da gente." Quem são os amarelos?, eu quis saber, e ela me explicou que era um código secreto para p-r-e-t-o, gente de pele escura como nossa avó. Foi só falar na vovó que a Sam passou a cuspir marimbondos ao contar que, apesar de ter sangue genuinamente africano correndo nas veias, ela cansou de ser xingada, hostilizada, perseguida pelas ruas e até ameaçada de estupro pela amarelada racista (SIC) do Harlem por causa de sua pele e olhos claros. O racismo ainda é forte naquela parte da cidade, o que me faz desconfiar que onde se vê cubo de gelo, talvez haja mesmo um iceberg. Admito que, na primeira ida ao bairro com a Carrie, pressenti esse racismo dos negros contra os não-negros de que fala minha irmã, mas não tão forte quanto o cenário de horror que ela descrevia. O brasileiro até está acostumado a encarar o racismo subliminar das cotas raciais em universidades públicas, por exemplo, mas esse racismo direto, esse ódio à flor da pele, um ódio por causa da pele, soa ficcional pra gente: parece coisa de filme, de novela das seis ou do século passado. Como estávamos indo pra igreja, e eu logo imaginei que igreja não é lugar pra esse papo baixo astral, mudei de assunto e tocamos pra Etiópia.

Na porta da igreja, como da outra vez, cerca de 300 turistas se espalhavam ou em filas de meio quarteirão, ou na calçada em frente. Desta vez, no entanto, eu logo me apresentei a um dos sujeitos garbosos e bem vestidos que me barraram duas semanas antes e disse, vitoriosa, que tinha feito a reserva. Ele olhou pra minha irmã (e não pra mim, talvez pelo fato de eu ser ligeiramente amarela) e desdenhou: se você fez a reserva, então cadê a carta de confirmação? Ora, meu senhor -- eu tentava atrair a atenção dele para mim, eu é que estava conduzindo aquela negociação, e não minha irmã, embora ela seja muito bonita - , a carta está no meu gmail, é claro! (Eu quis dizer nas entrelinhas: essa porra aqui é Estados Unidos ou não é? Vocês hão de ter um computador conectado à internet em cada porta de igreja, ora!) Ora, minha senhora, sem a carta, nada feito. E minha irmã, que já estava doida pra sair dali, deu logo uma de cristã pra riba de moá e disse: "Baby, não era pra ser, né? Vamos embora daqui."

Não era pra ser. Não há nada mais religioso que acreditar que o destino da gente está nas mãos de Deus ou outras pessoas menos impotentes que a gente. Como religiosa eu não sou, e como o meu destino sou eu que faço, pro bem e pro mal, eu falei: "Não era pra ser el caratzo! Simbora prum cyber café imprimir ess'porra." A Sam ainda tentou me convencer de que não há cyber cafés no Harlem, que no Harlem não tem nem internet, nem táxi, nem as condições mínimas pra gente permanecer mais um segundo que fosse ali, mas enquanto ela desaguava suas mágoas pelos anos de perseguição racial, entramos num ônibus, descemos 9 quarteirões, achamos um cyber aberto, paramos, imprimimos e voltamos pra igreja num táxi-pirata. Tudo isso em 15 minutos, porque estávamos em cima da hora pra missa-culto-whatever.

Não sei se era táxi pirata, mas a verdade é que os táxis amarelinhos não amam o Harlem, não sei porquê (acho que eles não sabem que o Harlem é um bairro de amarelos, ou talvez os amarelos não se atraiam). No entanto, há outras alternativas sem taxímetro que, numa hora dessas, vamos combinar, a gente gosta e até pede bis.

Voltamos à igreja de carta em punho, mas o fiel etíope nem olhou pra mim, nem pra carta: olhou novamente direto pra minha irmã - primeiro pros olhos verdes, depois pros peitos, depois pra cintura, depois pros pés, e foi um olhar assim, daqueles tão demorados, que teria dado tempo até d'ele tirar feijão de molar com a língua - e disse pra mim (sem me olhar, porra!): "Você entra, mas ela não vai entrar, não. Não vai entrar por causa da sandália." Quando ele disse isso, minha irmã já estava virando a esquina. Eu puxei-a de volta, e senti um espírito Cor Púrpura baixando em mim. Como uma mamma italiana, multipliquei minhas mãos para gesticular e implorar, me sentindo a própria Miss Celie do filme que canta blues: "Please, Sir, ela é minha irmã! Sangue do meu sangue! (nesta hora, eu quase falei que ela saiu assim russinha, coitada, mas é bem limpinha, só que tive um pouquinho de medo de apanhar) Moramos a milhares de milhas uma da outra e há 7 anos (ou talvez 36, eu pensei) nós não conseguimos ir à missa de domingo juntas, esta seria nossa oportunidade. Não faça isso com a gente, Sir. Estou planejando esse domingo em família há semanas, e ela é tudo o que restou de minha família!" Do outro lado da calçada, espanhóis tiravam fotos do nosso drama familiar. O Sir permaneceu inflexível, falou "então ponha uns sapatos na sua irmã", e nos deu de ombros. Achei um abuso. Samantha estava sentando lava pelas ventas e gritava: "Eu sabia, eu sabia! Essa amarelada daqui é foda, eles me odeiam, sempre me odiaram!".

Se eu não estivesse tão chocada com a situação, teria até achado antropo-sociologicamente interessante ver um membro de minha família passando por essa saia-justa racial. O mais engraçado, mas talvez só eu seja doente o suficiente pra achar graça disso, é que eu e minha irmã descendemos de negros e temos muito orgulho disso. Tenho cá pra mim que os puristas etíopes não querem saber dessa bagunça de miscigenação, mas é irônico sofrer preconceito racial quando nossa bisavó só nasceu alforriada por causa da Lei do Ventre Livre, e nossa tata chegou ao Brasil como escrava, trazida por um navio negreiro oriundo dum costão africano que, pelas contas imprecisas dos que entregaram estórias duma geração a outra sem a vantagem da escrita, deve ser o que se chama hoje de Angola.

Quando os ânimos se acalmaram, eu senti a merda: ih, caráio. Então não vai rolar catarse, é isso. Às vésperas de voltar pra casa, depois de ser barrada e ter feito reservas, morri na praia da Etiópia. Minha irmã não entra, então eu não entro. Mas ela foi mais do que irmã, foi compreensiva, e disse: "Olha, eu moro aqui há 15 anos e nunca quis vir nessa igreja, nunca tive interesse. Só vim hoje porque você pediu, mas agora que você já está aqui e a gente imprimiu essa porcaria de carta, vai você. Eu te espero na Rua 125, que é o primeiro ponto pro expresso que sai dessa merda de lugar." Ainda me ofereci pra lhe comprar sapatos horrorosos por 20 dólares dum camelô na porta da igreja, mas ela estava decidida a não dar mais trela alguma praquela gentelha. Dei então uma de boa cristã e cedi gentilmente minhas duas vagas excedentes da reserva a um casal de italianos que acabara de descobrir in loco, para seu choque e horror, que aquele programa turístico carecia de reserva antecipada. É realmente chocante ir até o cu do Harlem e saber que nada feito. Eu poderia ter dado meu excedente da reserva prum casal espanhol que sofria desse mesmo abatimento quase simultaneamente, mas coloquei a religiosidade de italianos e espanhóis na balança e venceu a galera de Gênova pela proximidade com o Vaticano. DEUS É TESTEMUNHA de que eu resisti bravamente à tentação do capeta que me dizia: "Vende essa reserva e compra um vestidinho com o dinheiro, minha filha. Essa galera aqui paga. Turista paga tudo!" Por causa de minha boa ação, fiquei tão cheia de moral cristã que, se a igreja fosse católica, eu até entraria na fila pra comungar, mesmo sem nunca ter feito primeira comunhão ou me confessado. Quem precisa de primeira comunhão quando vence um debate tão eloqüente com o capeta, hã?

Os italianos ficaram coladinhos comigo, porque só tinha uma carta para os 3 e a logística da fila era complicada demais pra gente entender. Eles, como eu, ouviram coisas horríveis sobre o tratamento aos turistas na Etiópia: que a gente só pode ouvir o coro comer do corredor e em pé; que eles não deixam a gente sentar; que fazem a gente doar 15 dólares à força; que só deixam a gente ficar meia hora pra dar chance de achacar mais turistas. Mas não foi nada disso. Passamos 2 horas extremamente divertidas na igreja etíope, muito mais tempo do que eu imaginei que pudesse suportar sem morrer fulminada de tédio. Doamos só porque quisemos (eu dei uma nota de dois, depois morri de pena porque era minha última) e sentamos num lugar excelente, no melhor estilo balcão nobre do Municipal, de cara pro coral e com visão privilegiada pra nata do Harlem.

Só que agora eu escrevi demais e estou com preguiça de contar o que aconteceu lá dentro. Outra hora, outra hora.


A rasteirinha da discórdia: meu sapatinho de laço verde não conseguiu convencer o batista abissínio a permitir a entrada de minha russa irmã em sua concorrida igreja com uma sandália rasteira. Vai ver que ele não gostou do esmalte porque era marrom, porque se fosse black, duvido que ele não fosse achar beautiful!


Pela indumentária, dá pra ver quem tem fé e quem não tem: quem tem fé, se veste bem; quem não tem, vai de jeans e camiseta, mas também não entra na casa do Senhor etíope. E quem finge ter fé, como eu, vai com uma roupa meio termo.

Confusão: a horda de turistas barrados cruzando a rua de um lado pro outro dá um nó no trânsito. Sorte que o turista geralmente chega lá de metrô, senão atiradores de elite etíopes começariam a abater os hereges que só querem ir pra igreja pra ouvir o coro comer.

The Abyssinian Baptist Church: apesar de tudo, vale a pena o perrengue pra conhecer. Eu recomendo aos mais brancos, porém, que peguem um bronze antes de tentar a sorte no Harlem.

quinta-feira, setembro 11, 2008

Pavilhão de São Cristóvão

Encheu o pandeiro e dormiu no banco da praça.

quarta-feira, setembro 10, 2008

A vida que segue

Porque eu hoje cheguei no trabalho e percebi que adoro aquele muquifinho (afinal, é um muquifo muito limpinho); porque o Moreno da portaria fez festa ao me ver e disse, todo melodramático: "Eu juro, Morena, juro que morro se você sumir assim de novo sem me dar satisfação!"; porque eu senti uma felicidade genuína ao rever meus colegas de trampo; porque meus peludos de estimação latiram seus timbres animados mais agudos ao me rever; porque o ar daqui me faz bem; porque minha balança amiga não acusou nem um grama a mais, apesar de todo o lixo exótico nuclear que eu comi (em excesso) nas últimas semanas; porque correr é bom e eu gosto muito; e porque as férias acabaram, minha filha, mas a vida continua... eu me inscrevi hoje, num rompante de otimismo hipomaníaco, na meia maratona de outubro.

E vamos em frente, que atrás vem gente.

terça-feira, setembro 09, 2008

Como a morte e os impostos

Acabaram minhas férias, conforme previsto. Como previsto, tudo que sobe desce; e tudo o que é bom acaba. Se eu participasse de um grupo de auto-ajuda, eu diria o seguinte pros miseráveis à minha volta:

- Olá, meu nome é Vanessa Ornella e minhas férias acabaram. De novo. Sou viciada em férias pesadas e estou no fundo desse poço há 36 anos. Minha família não desconfia. Nem meus amigos, nem meus colegas de trabalho imaginam que eu esteja envolvida nesse vício maldito, e só eu sei o que eu passo pra passar por uma pessoa que tira férias, viaja e volta pra casa todos os anos. Todo ano, meus amigos e companheiros de doença, eu planejo fugir, mas na hora H tenho medo de virem me buscar. De me encontrarem de biquini com 5 quilos de férias a mais numa praia de Ibiza. No ano que vem, no entanto, eu juro que fujo. Vou tirar férias num lugar onde só se possa chegar de trem, jegue e nado, e não volto. Vou lutar até o fim, e não volto!


Quando eu finalmente levantasse a cabeça para encarar a platéia sinistramente silenciosa, veria alguns anônimos ainda limpando suas lágrimas antes dos aplausos rasgados ao meu depoimento tão sincero. Um anônimo diria que eu consegui finalmente verbalizar o que ele jamais tivera coragem de assumir, e que ele não tem nada contra o lugar que vive ou as pessoas com quem convive, mas gostaria muito de poder estar nos mesmos lugares e com as mesmas pessoas sem essa obrigação excruciante de acordar numa determinada hora e fazer todo dia tudo sempre igual. Nesse instante, a sobriedade da reunião se romperia por uma animação inesperada, e todos começariam a compartilhar suas experiências traumáticas com férias curtas demais e chefes levianos. Seria um momento bonito de grupo, mas tumultuado demais para não exigir a interferência do mediador. Ele proporia o seguinte exercício: por que então, nas próximas férias, a gente não resolve trabalhar em vez de tirar os dias livres a que temos direito? Seria um exercício interessante de dessensibilização, ele seguiria dizendo, e eu imediatamente pensaria, lá com meus imaginários botões, que Freud, o Sigmund, a título de experimentação, claro, enfiaria um charuto aceso no rabo desse sujeito. Porque às vezes um charuto aceso no fiofó dos outros é apenas um refresco.

Em meio ao tumulto formado na minha reunião ficcional de auto-ajuda dos feriados anôminos, eu voltaria pra casa, quieta como a noite -- e triste como a chuva --, para me preparar para mais uma rotina de 12 meses de trabalho por 1 de férias.

Nada me tira da cabeça que essa relação de 12:1 é mesquinha, mas vai ver que minha matemática afetiva interfere muito negativamente nesses cálculos trabalhistas. Ou talvez eu goste demais de férias, e se um dia isso ganhar um código internacional de doenças mentais graves, espero pelo menos obter algum abatimento no imposto de renda por isso. Porque a verdade é que eu sofro quando as férias acabam. E eu sofro de verdade.

PS: Quando eu estiver menos chuvosa, volto aqui pra contar da catarse do Harlem e de um ou outro insight que essa viagem me deu.

domingo, setembro 07, 2008

Mamma Mia, hoje é meu último dia!

Eu passei os últimos dias no maior bode porque minhas férias estavam acabando, além de outros motivos menos relevantes e mais costumeiros para as minhas oscilações de humor. Comi muito chocolate, como o Tom recomendou, mas assim sentia profundamente a falta de alguma coisa mais hardcore que chocolateína. Foi então que o Ken sugeriu que eu aumentasse minha concentração sérica de mammamialina, um neurotransmissor feliz somente encontrado nos cérebros alegres das pessoas que curtem Abba. Então lá fomos nós para o olho do furacão de NYC, o Time Square, comprar nossos ingressos. Eu fiquei maravilhada quando a mocinha dos ingressos me apresentou à box, uma caixinha lateral super fofa que até parece um camarote, com o pequeno porém de oferecer visão parcial do palco, defeito compensado facilmente pelas precinhas marravilhosas. Fechamos negócio na hora.


Um parêntese aqui só pra constar e defender a honra do Ken: ele fez isso por mim, tá? O Ken, como quase todo homem espada que não está em coma desde 1980, não curte Abba. Esse sorriso que vocês estão vendo no rosto dele é falso. Eu sou testemunha de que ele teve pesadelos com as rainhas dançantes na véspera do espetáculo.


Eu queria muito ter tirado fotos sem flash do espetáculo, mas depois que fiz esta, mostrando minha humilde visão parcial do palco, fui abordada por uma mulher grande e larga que tinha a energia calma e assertiva de que o Cesar Millan fala, e foi com essa voz calma e assertiva que ela me mandou guardar a câmera (e eu quase me borrei). Como todo cachorro bonzinho, obedeci com medo de ter a cabeça decepada por uma mordida.

Aí começou a peça, que alegria! Viver no presente, eis a maior lição dos cães pros não-cães. A visão parcial do palco nem atrapalhava tanto, e foi engraçadíssimo ver as letras do Abba contextualizadas numa trama. Tinha horas que eu me quebrava de rir, e porque estávamos num curralzinho anti-VIP, só pro Ken e pra mim, eu podia soltar os braços e fluir na música sem atrapalhar a vovozinha do assento de trás. Mas aí começou a acontecer muita coisa no nosso ponto cego do palco, e quando isso acontecia e todo mundo ria, menos nós dois, eu fui barrando a irritação, fui barrando, até que fiquei exausta (porque não se aborrecer cansa!). A partir do segundo ato, rico em ações no ponto cego, comecei a olhar sem parar pro relógio, me perguntando que horas ia acabar e como diabos eles iam incluir Waterloo naquela história.

Duas horas e meia depois, quando a peça acabou logo depois de Waterloo, que foi apenas um número musical isolado, eu saí do teatro vacinada contra Abba, mas com a sensação importante de dever cumprido. O Ken deu 6 pro espetáculo, eu dei 8,5, e tenho certeza de que Mamma Mia será o próximo Cats e terminará banida de NYC pelos seus residentes, que não agüentam mais esbarrar nos milhares de cartazes do show espalhados pela cidade ou nos turistas, que, ao vê-los, cantam distraidamente: "Mamma mia, here I go again. My my, how can I resist you?"

Ainda bem que eu tive a chance de ver Mamma Mia antes que isso aconteça.

quinta-feira, setembro 04, 2008

&*%$#&@&#!!!

Estou oficialmente de mau-humor. Minhas férias estão acabando. A Proibição não está mais dando certo e eu voltei a me aborrecer de montão. Não estou mais conseguindo acionar o estado de ausência mental. De repente ficou quente aqui. Não sei por que eu trouxe casaco se o clima pede biquini. Calor, aquecimento global, espécies em extinção, crianças disputando comida com os urubus no lixão de Gramacho. É incrível, mas tudo que eu penso parece ter um desdobramento desagradável. Eu fui envenenada pelos hormônios da TPM, só pode ser isso! Eu preciso ser castrada, não suporto essas ciclotimias.

Ontem me aborreci porque não tinha ingresso para Mamma Mia no quiosque da TKTS. Depois me aborreci porque não conseguia controlar minha irritação só com o poder da mente, então pedi ao Ken pra gente voltar ao Russian Vodka Room e, assim, fazer um controle etílico-gastronômico do meu mau-humor. A coisa tá russa a esse ponto, mas a boa notícia é que a vodka (e o salmão defumado com cogumelos flutuando em manteiga) aplaca qualquer ira, pelo menos até a ressaca do dia seguinte.

Talvez não seja TPM, talvez haja um motivo real para eu estar assim, tão destemperada. Sim, minhas férias estão acabando: isto é um motivo real bastante relevante. Não vou conseguir esperar um ano pras minhas próximas férias, um ano é muito tempo, minha gente: são 365 longos dias! Agora faltam 3 dias para o fim das minhas férias e a única coisa que eu posso afirmar é que eu não vou agüentar. É possível que eu morra antes disso. Ninguém deveria morrer antes das férias, isso é muito injusto. A vida é um sopro, e é por isso que, nas próximas férias, se eu estiver viva até lá, eu definitivamente não colocarei qualquer sapato de salto alto na mala porque pode ser que eu resolva usar. E a vida é muito curta pra gente usar salto alto. Tom, eu não conseguiria correr 10 metros em tacones lejanos. Essas mulheres são loucas. Na próxima mala, não entra nem sapato de salto, nem casaco. A gente nunca deveria tirar férias num lugar onde seja preciso usar casaco.

Três dias. Você conta até 3 e pronto, os 3 dias se foram. Não dá pra fazer nada em 3 dias. Se desse, Deus teria feito o mundo em 3 dias e descansado nos 4 restantes, porque O Cara pode até vacilar e coisa e tal, mas Ele sabe que todo mundo merece férias. Foi Ele quem começou com esse papo de descansar no sétimo.

A fim de reduzir essa tensão pré-trans-pós férias, além de todas as coisas que já vinha fazendo para cultivar boas endorfinas, não vai ter jeito: vou ter de comprar um vestidinho. Odeio quando isso acontece.

O povo do ghetto mandou avisar.

OK, reconheço que estou atrasada, mas para meu choque e horror, acabo de saber que o Brasil ganhou apenas prata e bronze olímpicos no futebol. Oh, fuck it! Perdemos pros argentinos, e isso é que me mata: pros argentinos, cara! A gente podia ter perdido pros chineses, não ia doer tanto, mas pros argentinos, mermão, isso sim, machuca. E no futebol feminino, apesar da Marta, apesar da de toda genialidade da Marta, a gente perdeu pras americanas. Isto, sim, é humilhação. A partir de amanhã, só saio na rua de peruca e bigode. Ninguém em Astoria pode ousar suspeitar que eu possa, porventura, ser do Brasil, o país dos jogadores incríveis que nunca chegam lá. Num bairro com tantos brasileiros nacionalistas acima da média (porque brasileiro só costuma amar o Brasil quando no exílio), isto me mataria.

Astoria é um bairro de NYC, como dizer isso sem soar perversa?, meio deslocado da moda. Eu poderia dizer cafona, mas aí eu seria não apenas perversa, como também anti-flamengo, anti-catete, anti-santa-teresa e anti-imigrantes, o que, em última instância, me tornaria uma pessoa anti-imigrante e, portanto, impoliticamente incorreta, o que corresponde à pior das heresias na Nova York da mão-de-obra ridiculamente barata.

Desde que cheguei, eu, que sou uma esponja de sotaques, assisti tanto Dog Whisperer na TV e ouvi tantos mexicanos e porto-riquenhos falando algo parecido com o inglês que adquiri um sotaque genuinamente hispano. Eu, que passei 11 anos estudando na Cultura Inglesa, que fui pra Inglaterra estudar inglês britânico, que nunca achei que pudesse trocar meu sotaque highly-educated-British por qualquer outra merda, agora estou falando um inglês tão totalmente gueto que o staff da Starbucks tenta me responder em espanhol. Em vez de me estressar com isso, até porque estou proibida de me aborrecer, resolvi assumir minha condição terceiro mundo e agir de acordo. Então quando eles dizem "si", eu digo "si, claro", e quando eles dizem "quieres?", eu digo "si, si, cariño, quiero mucho". O Ken fica inocente nessas horas, e é melhor que ele fique assim, porque só quem é do gueto realmente se entende.

Desde que eu me assumi gueto, tenho tentado convencer outras pessoas de que elas, também, são gueto. Vocês sabem, talvez duas ou três outras pessoas no mundo inteiro não sejam gueto, e uma deles seria a Gisele Bündchen. Eu acho que o gueto é uma condição normal do ser humano, e ninguém devia ter vergonha disso. Eu não tenho, mas a maioria das pessoas não gosta da idéia de ser gueto. Assumi tanto minha condição terceiro mundista que me recuso a perder um centímetro de bunda em terra estrangeira, por uma questão guetoística de orgulho nacional. Eu posso até emagrecer em solo brasileiro, mas no exterior jamais! Tenho uma bunda e um orgulho gueto-nacionalista a preservar.

Tentei explicar pro Ken que a Ivete Sangalo, nossa embaixadora da axé music, até eternizou um semi-hino nacional mencionando nossa identidade guetoística, aquela que diz que "e vai rolar a festa, vai rolar, o povo do gueto mandou avisar", e ele ficou muito impressionado, porque entende que nenhuma nação deveria se deixaria classificar "gueto" assim, tão fácil e levianamente. Mas depois que ele viu a ilha de Caras no Mar do Little Brazil, ele começou a acreditar em mim. E por mais que eu pense que talvez tenha exagerado, que talvez o Brasil não seja tão gueto assim, acho que é melhor que eles, os "civilizados", pensem que nós somos um povo primitivo de instintos baixos. Talvez assim eles tenham realmente medo de nos pisotear. Duvido muito, mas não custa tentar. Quem tem medo de terrorista, tem medo de qualquer outra coisa.

terça-feira, setembro 02, 2008

Pedalaço


Bikers in NYC
Originally uploaded by Van-Or
Saimos da 46th W, o meio de Manhattan, para o Brooklyn Heights (a parte do Brooklyn mais próxima da ilha e a mais cobiçada), e voltamos pela ciclovia do Rio Hudson, muito bonita por sinal. De quando em quando parávamos para tomar um cafezinho gelado, extravagância gustativa que eu considero o equivalente nova iorquino ao churrasco de gafanhoto chinês.

O final do verão é realmente uma época muito agradável do ano por aqui. Estar em NY e não andar de bicicleta é realmente um desperdício de tempo.

Critical Mass night bikers in NYC

Aqui protesto tem consistência mensal.

segunda-feira, setembro 01, 2008

O dia em que o mundo correu.

Desde que soube da Ni-ke+ HumanRace, fiquei nervosíssima para participar. A idéia era brilhante, uma genialidade marketeira da empresa famosa por explorar o trabalho infantil na China: no dia 31 de agosto de 2008, num determinado horário, pessoas de todo o planeta iriam correr 10km em prol de um mundo melhor. Ninguém sabia onde nem exatamente como uma corrida maluca poderia mudar o mundo, mas a idéia era tão boa que eu nem me preocupei com esses pequenos detalhes. O que torna essa corrida um fenômeno do marketing esportivo mundial é que, desde sempre, 3 meses antes do evento, estava claro que quem corresse com produtos Ni_ke+ teria vantagens (widgets, músicas, treinos, rankings locais e mundiais) sobre os demais. Imagina o impacto disso numa mente fraca!

As informações sobre a corrida, no início, era extremamente vagas, mesmo no site da naique, onde parecia que as inscrições estavam abertas, mas, ao contrário das corridas comuns, o organizador do evento não estava interessado no dinheiro dos inscritos, só queria saber a cidade de onde eles iriam correr. Como eu já estava planejando minhas férias, fiz minha pré-inscrição em Nova York. Depois fui saber que este foi só um artifício para determinar onde haveria quórum mínimo para justificar a organização do evento, que acabou ocorrendo em apenas 25 cidades no mundo todo. O Rio de Janeiro não foi uma delas, mas São Paulo teve quórum e representou o Brasil na grande corrida humana. Quando abriram as inscrições de verdade, descobri que os corredores poderiam contribuir para um mundo melhor escolhendo uma entre três 3 ONGs de alto nível -- a WWF (ambiental), a LiveStrong (para a luta contra o câncer) e a Nine Million (da ONU, para crianças refugiadas) -- para doar parte do valor de sua inscrição. Eu doei para a LiveStrong, porque acho que o câncer é, num só tempo, a doença mais triste e a metáfora mais completa para todos os males do mundo, da corrupção ao efeito estufa.

A corrida aconteceu na Randall Island, um pedacinho de terra ao norte de Manhattan que Deus não fez e o diabo não quer. O Ken, que mora em NYC há 36 anos, nunca tinha ido lá, porque ninguém nunca vai lá. A corrida, no entanto, tinha de comportar 10 mil participantes e um palco para o show pós-evento, então a Randall Island era perfeita para isto porque tem um estádio e um gramadão imenso ao lado. Acostumada que estou a corridas que começam às 8h, passei 2 semanas com medo de não conseguir acordar o Ken a tempo, e passei um tempo estudando o mapa do metrô e da cidade, just in case ele não conseguisse acordar at all! Eu teria sido a primeira pessoa a chegar na ilha maldita se, no dia de pegar meu kit de corrida na NaiQue Town, uma loja de 5 andares no coração de Manhattan, eu não tivesse perguntado, a título de confirmação pré-histérica, a hora do início. 18h, me disseram. Ken respirou aliviado, mas eu fiquei desapontada, porque minha idéia era correr às 8h, ver o show pós-corrida às 10h, chegar no Little Brazil antes da muvuca e poder assistir a todos os shows. Não preciso explicar muito porque o Ken respirou aliviado.

Chegamos à ilha pouco antes de 17h e, quando eu vi o mar vermelho de gente, como disse a Jussara S, senti aquele nervoso típico de maratonista antes da prova. A Starbucks distribuía café, a Naike fazia a pré-venda do livro com fotos do evento no mundo todo (por apenas alguns dólares a mais, o contribuinte poderia customizar a capa com sua foto), fotógrafos se empilhavam em cercas com máquinas e lentes imensas, participantes se alongavam, o mar de gente não parava de passar com seus aipodes, e eu dei meia volta na ilha e não conseguia achar o local da largada. O Ken localizou umas bandeirinhas que diziam 12 mile, 11 mile, 10 mile, mas estavam tão perto uma da outra que eu nem precisava saber que uma milha equivale a 1,6 km para saber que aquilo ali não era marca de distância percorrida. Fui salva por dois corredores brasileiros que me explicaram que as bandeiras marcavam o local onde cada corredor deveria dar a largada, de acordo com sua velocidade média (minutos por milha). Procurei minha bandeira 12, e fui resignada pra rabeira do cometa pensando que algo estava estranho. Ou eles esperavam muitos alemães na corrida, já que eles são realmente muito obedientes e correm na velocidade estabelecida, ou aquilo era só uma forma de disfarçar que a pista (que tem a largura da ciclovia da Lagoa na altura do Corte) era pequena demais pra comportar tanta gente.

Não deu outra. Era tanta gente que a largada ocupava um bom bocado do percurso. A corrida começou com 36 minutos de atraso, o que me deixou agitada, sangüínea e nervosa como um puro sangue inglês no padoque, muito embora eu esteja mais pra Nelore que PSI. Eu queria correr como um cavalo de turfe, mas quando estourou a boiada e aquela poeirada veio toda na minha cara, eu tomei um duro golpe de realidade e percebi que a galera da bandeira 12 não pode correr antes da galera da bandeira 11, e por aí vai, simplesmente porque as pessoas da frente formam uma barreira humana de cotovelos, bundas e pernas. Quando eu comecei a correr, o pessoal do início da largada já estava completando a primeira volta (eram duas). A pista era realmente estreita demais pra tanta gente, e havia um trecho, sobre uma ponte de madeira, em que ela se tornava ainda mais estreita, e todo mundo precisava parar completamente por cerca de 1 minuto para depois atravessar a ponte andando, porque a ponte estava tão pesada que balançava como um navio na tormenta. Isso deve ter tirado pelo menos 1,5 min de cada participante, mesmo os da elite, o que é extremamente lamentável numa corrida.

Bom, eu tinha um tempo mínimo a fazer, e portanto não tinha tempo para me lamentar. Abri sprints nos trechos mais espaçosos e consegui terminar os 10km em 1hora, 11 minutos e 40 segundos. Curti um belo pôr-do-sol no caminho e, na chegada, recebi um canudo de papelão da Naike que haveria de conter minha merecida medalha. Comi um pouquinho, alonguei-me um pouquinho, e meu coração não parava de disparar quando eu pensava na medalha, então parei de enrolar e abri o canudo. Não era uma medalha. Era uma pulseira. Não dizia o dia nem o local do evento. Não provava nada, enfim. Tive vontade de chorar quando lembrei como era bonita a medalha da meia que eu não corri!

Estava pronta pra falar pro Ken o quanto estava decepcionada, mas ele estava tão feliz por me ver, me deu tantos beijos e parabéns porque eu tinha terminado a prova, que eu até esqueci o que ia dizer. Chequei a rir da minha cretinice, porque eu tinha acabado de participar da maior corrida mundial da História, minha primeria corrida fora do Brasil, fiz um tempo melhor do que esperava (apesar dos gargalos na pista), meu namorado estava lá para me fazer companhia e torcer por mim, e eu realmente não tinha nada do que me queixar. Ademais, estou proibida de me aborrecer.

Só me restava fazer uma coisa antes do show do All American Rejects: corrigir meu lapso comportamental de minutos antes. Dei um pretexto qualquer pro Ken (ele é ótimo, nunca contra-argumenta), disse que ia voltar ao estádio e pedi pra ele me encontrar na saída do outro lado. Aproveitei-me da falha na organização, voltei pra pista, passei correndo novamente pela linha de chegada, beijei o chão dos 10km, posei um pouquinho pros fotógrafos, deixei os holofotes me cegarem e senti nas veias a vibração de quem participa de um evento esportivo mundial fora de casa! Corri na direção dos postos de brindes e hidratação como quem corre pro pódio e, aí sim, eu estava pronta para pegar a medalha, mesmo sabendo que seria uma pulseira.

Encontrei o Ken na saída e dei-lhe a pulseira-medalha, mas justo aquela pela qual eu tinha vibrado, pelo bom namorado que ele é e por ter me mostrado que há mais entre o início e o fim de uma corrida que uma simples medalha. Ele, por sua vez, ficou todo orgulhoso de ter a pulseira dos 10k sem ter corrido nada e disse que agora estava realmente animado para começar a tentar correr. Não existe medalha melhor do que essa.

Voltamos pra casa andando (3,6 milhas, façam as contas) e admirando as luzes da cidade que nunca dorme.


Na entrega dos kits de corrida, na Naike Town. Camiseta com número impresso e mapa do circuito.


O apelo irresistível. Quem não ia correr, sentiu vontade.


Eu e a galera da bandeirinha 12. Aqui tem mais gordinhos que na bandeira 11, 10, e por aí vai. (foto: Ken)

Mar vermelho. Todo mundo de naike e aipode. Não há como não reconhecer que esse marketing é genial!


A chegada, dentro do estádio da Randall Island. Mar de gente. Cheguei poucos minutos depois disso, mas o Ken não conseguiu me localizar no meio da multidão e nem tinha como estimar meu tempo, porque a largada foi realmente confusa. (foto: Ken)


A primeira chegada da guerreira: ainda pensando na alegria zen do Ken e o que eu precisava fazer para resolver minha falha conceitual de caráter.


Fogos de artifício ao final do show do AAR, uma banda que acumula as groupies mais jovens de NYC.

A pulseira da discórdia ou a medalha zen.Pick one.

Isso aqui, ô-ô, é um Little Brazil, iá-iá.

Quando faltavam 10 dias para o fim das minhas férias, eu fiz uma lista das coisas que ainda quero ver e fazer em NYC antes de cair na vida. Mandei pra minha irmã e pro Ken um email com a programação e, quando expliquei pra ele do que se tratava, ele ficou tão cansado só de me ouvir que até hoje, 3 dias depois, ainda não teve coragem de abrir o arquivo porque está com medo de sofrer um mal súbito durante a leitura. Admito que estou dando uma estafa no coitado, mas ele tem agüentado bravamente e me acompanha em todos os programas de índio que a mente humana pode conceber. E o que é melhor: quase sem reclamar!

Ontem, por exemplo, estava na minha programação ficar na festa do Little Brazil de 13 às 16h para o show do Jorge Benjor e do Lulu Santos. Depois, já que micareta é uma coisa altamente refrescante, sobretudo no verão, sairíamos batidos pro lado oposto da cidade, numa ilha entre o fiofó do Harlem e o Bronx, onde eu correria 10km na Nike+ Human Race. Após a corrida, nós dois assistiríamos ao show do All American Rejects, uma banda de rock para crianças entre 20 e 16 anos.

Porém, como todas as programações estão sujeitas a alterações por motivo de força maior, nós não passamos nem meia hora na festa brasileira. Não deu, não rolou. Tudo bem que tinha lá o Jorge Benjor, mas o som estava histericamente distorcido, ruim mesmo. Não dava pra suportar nem de graça. Talvez com chope de graça, mas mesmo assim eu teria que escolher entre beber ou correr, e como esses dilemas hipotéticos costumam me estressar, mas estressar eu não posso por causa da Proibição, eu simplesmente fui embora antes do Lulu. O que me segurou um 'cadinho mais ali foi a curiosidade de ver como cerca de centenas de milhares de brasileiros se comportam coletivamente fora de casa. Eles se vestem de verde e amarelo e, tirando esse wardrobe malfunction, eles se comportam como o fariam no Brasil. Os japoneses acham isso tão exótico que não param de fotografar. Pensando bem, é exótico mesmo. Nós somos um povo de comportamento bastante exuberante.

Nossas meninas vestem verde e amarelo também, mas têm uma predileção mórbida por tops de lycra e a barriga (qualquer tipo de barriga) de fora. Talvez algumas sejam porto-riquenhas ou dominicanas, o que seria bom pra elevar nossa média fashionista. Não é possível que tantas brasileiras ainda tenham coragem de usar qualquer coisa de lycra com barriga de fora que não seja biquini, afinal a gente tem um acesso razoável à informação e ao Fashion Week.

Estava óbvio, pelo forte cheiro de cerveja no ar, que a galera estava bebendo em público, o que é contra a lei nos EUA. Na festa no Little Brazil, no entanto, beber em público não era a única infração comportamental presente. Como o evento ocupava o espaço de três quadras, a polícia de NYC achou de bom tom vedar o acesso do público aos cruzamentos, para facilitar a passagem ambulâncias ou outros carros de emergência. Adivinha a nacionalidade dos caras que pulavam o cercadinho e ficavam tentando jogar um blá nos guardas pra ficar ali, no bem-bão, com vista pro mar de gente?

Lamentável que o som estivesse ruim, mas foi ótimo sair de lá mais cedo do que programado, ir pra casa, descansar um pouco e então partir pro programa mais exciting, mais hardcore e mais esperado de todo o mês: a Nike+ Human Race. Mas isso é assunto pra outro post.

O Jorge Benjor, a julgar pela animação, não tinha a menor noção de como o som estava chegando pra galera. Com a topografia skyscrapiana de Manhattan, deve ser realmente difícil fazer essa engenharia de áudio.

Brasileiros resignados no bloqueio a mais de 5o0m do palco. Jorge Benjor era pouco maior que uma formiga.


Sujeito de camisa verde-amarela tentando convencer o policial a deixá-lo ver o show do cercadinho VIP no cruzamento da 45 com a Sexta Avenida. O policial não estava muito animado para prosear, não.


A namorada do cara já tinha até desistido, mas ele seguiu tentando, o que apenas comprova que ele é brasileiro (e por isso não desiste nunca).



Mulher de verde-amarelo samba animadamente na Time Square, quebrando as cadeiras e jogando os braços pra cima. Palmas pra ela! Turistas param pra ver e tirar foto, o que faz de mim, oficialmente, uma turista. Mas eu juro que não era a única. Atrás dela, uma moça de top de lycra com a bandeira do Brasil. Tenho pra mim que era mais uma argentina querendo nos denigrir.

Isto foi o mais perto que eu cheguei do palco: a bunda do palco. Grande bunda, by the way, o que torna esse palco oficialmente brasileiro.

Na frente do palco, of course, havia um cercadinho VIP repleto de celebridades e amigos de amigos de mucamas de celebridades, o que torna a festa do Little Brazil um evento oficialmente Caras. Ou bundas, como diriam as más línguas (a minha, extremamente venenosa, entre elas).