Meia volta, volver.
2. Os ônibus que conectam meu bairro à Barra passam de ano em ano, e deixam o passageiro a 5 km do Pêpe;
3. A largada seria às 8h, mas os ônibus do evento que levam os participantes ao além túnel partiriam do Aterro entre 5h e 5h30, então pra eu chegar à largada antes da corrida teria de sair de casa às 4h30, porque eu tampouco moro no Aterro;
Ou seja: ontem fui dormir preocupada com o que meus pés achariam se eu os obrigasse, de uma hora pra outra, depois de tantos dias de férias, a correr 21km. Minha sorte é que eles são pés-soas sensatas, tomaram a decisão correta e meu domingo começou comme il fault: com café da manhã e jornal na cama, na agradável companhia de Lála, o cão que sabe viver.
O problema dos pés estava resolvido, mas o do chip, não. Por volta das 10h, quando meus pés já estavam convencidos de que não seriam colocados na arena com os leões, resolvi correr até o Aterro para entregar o chip. Não seriam 21km, mas uns 10, e com honra ao mérito. No primeiro quilômetro, sinais inequívocos de dor; na marca dos 1200 m, lágrimas me saltavam dos olhos. No quilômetro dois, eu estava oficialmente mancando como se tivesse corrido sobre cacos do Pontal ao Leme. Aumentei o som pra não ouvir o protesto dos meus insolentes pés e cheguei mancando ao freak-show da festa esportiva, onde as pessoas são fortes, magras, têm pés perfeitos e exibem orgulhosas suas medalhas de conclusão de prova entre uma sessão de massagem e outra de alongamento. Espiei uma medalha de relance: era a mais bonita que já vi na vida: tinha o vulto de um corredor com um sol ardente ao fundo e me provocou um ligeiro arrepio de inveja. Consegui trocar meu chip por uma camiseta, mas à medida que me afastava das barracas, mais medalhas iam aparecendo à minha frente, e aí, quando eu menos esperava, desabei a chorar. Eu não sabia bem porque chorava, se por não ter tentado, ou se por ter frustrado tantos meses de expectativa, ou se por medo de nunca mais conseguir correr de novo. Afinal, eu tentei dois médicos, dois antiinflamatórios, dois acupunturistas e 14 sessões de fisioterapia, sem contar o repouso.
Eu tinha 5km pra voltar e pouco tempo pra decidir o que fazer da minha tristeza: voltaria caminhando cabisbaixa ou faria alguma coisa pra elevar minha moral? Achei que podia elevar minha moral aplaudindo os corredores que chegavam ao Aterro, mas na primeira tentativa de elevar a moral dos atletas que passavam por mim a 2km da reta final, percebi que não estava forte o bastante para incentivar outros a fazerem o que eu não fiz. Tive um pensamento vergonhoso: quando achamos que alguém tem tudo, não conseguimos pensar em nenhum bom presente pra dar a essa pessoa, e no caso dos atletas, eu não estava conseguindo sequer dar o meu apoio.
Foi quando eu vi um homem mancando bem mais do que eu. A julgar por sua cara contorcida, pressenti que ele estava prestes a abandonar a prova, então eu gritei: "Falta pouco! Você veio até aqui, é o meu herói, e agora falta pouco! E a medalha... é a mais bonita que eu já vi em toda a minha vida." Eu chorava daqui, ele chorava de lá, e passamos menos de 3 metros nos olhando enquanto nos aplaudíamos seguindo em sentidos contrários: ele ia rumo ao pódio da missão cumprida, e eu rumo ao pódio do coração partido, que no fundo sabe que esta é só uma fase de pé ruim, mas dias melhores virão.
PS: enquanto eu escrevia este post, Lála comeu minha meia Asics e a calça que eu usei pra ir ao Aterro. Na linguagem dos cães, isto quer dizer: mova esse seu traseiro gordo e me leve pra passear. Como eu disse, ela é um cão que sabe viver.