Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

domingo, agosto 31, 2008

Teste pseudopsicoVanOrológico

My dearest chapeize,

Há anos uma dúvida semi-existencialóide me aflige: será que estamos sozinhos no Universo? Eu sei que essa questão da identificação cósmico-oxigenóide nunca foi só minha, taí o Star Trek que não me deixa mentir, mas minha hipocondria vai além desse singelo questionamento científico ou ficcional-científico: será que há outras pessoas no mundo com a mesma doença que eu? Para saber a resposta, desenvolvi um teste de associação de imagens pseudopsicoVanOrológico pra vocês responderem na caixa de comentários do Haloscan, s'il vous plaît. Nossa equipe de paramédicos paranormais analisará os resultados estatísca e astrologicamente e, então, eu volto aqui para defender minha tese. Ciência é coisa séria, minha gente. Não é pra qualquer terapeuta floral de Bach, não!

De antemão agradeço o tempo que vocês vão desperdiçar, digo, gastar para isto.

beijo grande,

VanOr

PS: começou!

***

Marque a opção que melhor corresponde à primeira coisa que lhe vem à cabeça ao ver as imagens abaixo:


1.
a) Que língua é essa?
b) Não é chinês, não é japonês, deve ser ou tailandês, ou coreano...
c) Será que esses coreanos lavaram este copo direito?
d) Isso aqui é cortesia, né? Se fossem cobrar, teriam colocado algum teor alcoólico aqui dentro.
e) Todas as anteriores.


2.
a) Salada, que coisa saudável e feliz!
b) Salada grega.
c) Que troço marrom grosso é esse aí no meio?
d) É salada, mas pelo menos tem um pouco de queijo feta pra encorpar.
e) Todas as anteriores.

3.
a) Ah, que gracinha, uma intervenção urbana com talheres empilhados!
b) Aço inox, prata?
c) Que bagunça, eu é que não vou lavar essa pilha, a Lei Áurea já tem mais de 100 anos, qui qui qui, bla bla bla.
d) Vai demorar pra hora do jantar?
e) Todas as anteriores.

3.
a) As duas são lindas, mas eu prefiro a Vespa.
b) Vespa e Triumph. Acertei?
c) A Triumph vai ser multada porque está na faixa de pedestres.
d) Eu jamais teria uma moto de cor escrota, mas se me dessem a Vespa, eu pintaria.
e) Todas as anteriores.
4.
a) Que lindo céu azul!
b) Você não usou lente pra distorcer a imagem, o prédio é que é torto mesmo.
c) Opressão, falta de ar.
d) Tobogã.
e) Todas as anteriores.

5.
a) Delícia de jacuzzi!
b) 0,914 metros
c) Vaginites bacterianas.
d) Eu mereço, dá licença!
e) Todas as anteriores.


6.
a) Puppies, êêê!
b) Filhotes de dinossauro herbívoro no Museu de História Natural de NY.
c) Duro é morrer tão jovem assim, a vida é um sopro!
d) Será que tem pra vender na lojinha do museu?
e) Todas as anteriores.


7.
a) Uau, que dentão!
b) Detalhe do aparelho bucal do Tiranossauro Rex.
c) Preciso voltar pro Krav-Magá.
d) Preciso mostrar isso pra minha dentista.
e) Todas as anteriores.

***

Atenção, este teste cientificamente formulado pelos mesmos caras que fizeram o psicotécnico do DETRAN não tem gabarito! Mas se você respondeu A em todas, Pollyanna, por favor me ensine a controlar a irritação, porque eu estou proibida de me aborrecer e tenho achado isso extremamente desgastante. Não sei o tarja preta que você usa, mas eu quero dois!

segunda-feira, agosto 25, 2008

O tesão gustativo e a corrida de 10km

Nas últimas semanas algumas pessoas me perguntaram, com um espanto tão sincero que chegou a ser comovente, por que eu resolvi me matricular numa academia durante minhas férias. Ora, a resposta é simples: justamente porque estou de férias! Eu sei que isso pode parecer um pouco doentio, mas atividade física é endorfina, e endorfina vicia, então, se eu não precisasse trabalhar (e se meus pés ficassem numa boa), acho que voltaria a praticar algum tipo de atividade física 5 horas por dia.

Mas abundância de endorfina não é a única resposta. Na verdade, eu preciso malhar porque tenho muita fome. Comer é uma das razões pelas quais existo, e eu gosto muuuuuuito de comer. Não tenho nada contra saladas, acho muito importante representar todos os grupos alimentares numa mesma refeição, mas salada pra mim é carícia preliminar. Eu nunca conseguiria ter uma vida de preliminares que nunca chegam à lasagna ou aos pratos pesadamente gratinados. E por isso eu corro. Corro porque como muito, e como ainda mais porque corro. Correr dá fome, e tudo que dá fome é bom.

Ontem jantei com a Sam, Ken e Sima num tailandês baratinho do Village. Eu comi a minha comida e os restos de todo mundo. Minha desculpa pra agir tão mal (não foi assim que mammã me criou) foi que eu queria provar de tudo um pouco, e enquanto eu ia me explicando e lambendo os beiços, falei pra minha irmã que o que eu sinto é mais do que fome, é quase como um tesão gustativo, que eu sou capaz de ter um orgasmo comendo, e ela foi dizendo que sente a mesma coisa, então ficamos felizes que essa doença corre na famiglia e não estamos sozinhas no mundo por isso.

***

Há meses eu estou falando com o Ken da Nike Human Race, uma corrida de 10km que vai rolar em 25 cidades em todo o planeta às 8h do dia 31 de agosto de 2008. Eu me inscrevi na Human Race daqui de Nova York, mas somente na semana passada consegui detalhes sobre a roubada em que eu tinha me inscrito. Sabia que era uma corrida de 10 km, mas ouvi um vago boato de que os participantes teriam de completar o percurso em 1h30min. Primeiro eu fiquei um pouco chocada com essa tirania de forçar o contribuinte a correr acima de uma velocidade-moleza, mas depois eu pensei: "ah, se eu não conseguir correr 10km em 90 minutos, eu realmente não mereço viver". Às vezes eu sou radical assim, e às vezes é só uma forma delicada de dizer. Eu sou um radical livre. Meu maior inimigo é a vitamina C.

Na semana passada, descobri que o buraco dessa corrida é mais embaixo: pra ganhar a medalha de participante, eu preciso completar 10km em até 1h15min. Pô, no Brasil qualquer gordinho que completa esse percurso em 6 horas ganha a medalha, a gente tem mais espírito esportivo que esses branquelos de perna fina daqui. Aqui, o buraco realmente é mais embaixo. Pra quem está voltando a correr depois de um longo e tenebroso inverno de fascites plantares e outras dores misteriosas, 10km em 1h15min me pareceu coisa demais, mas como eu não sei fazer essa conta, deixei pra lá.

Desisti de fazer as contas da conversão milha-quilômetro. Pra essa corrida, tudo que preciso saber é que 10km = 6.2 milhas, e isso eu já decorei porque está no site da Nike). Não fiz (porque não sei) a matemática de quantos quilômetros por hora eu tenho que correr. Tudo isto posto, e porque eu sou uma pessoa rústica que não sabe calcular, mas sabe correr um pouquinho, achei mais prático correr 10km hoje na esteira pra ver se eu conseguia chegar lá nesse tempo. Cheguei em 1h12min, mas achei puxadinho. Fiz o teste hoje porque se eu me machucasse tentando, teria ainda 6 dias completos antes da corrida para usar todo o gelo e todos os tipos de Tylenol do mundo para me recuperar. Todo esse comportamento compulsivo me fez pensar o seguinte: não basta ganhar a camiseta de corrida que qualquer inscrito ganha; não basta participar; não basta ir ao show do All American Rejects depois da corrida; o que eu quero é a medalha que eu não ganhei na meia maratona que eu não consegui correr porque não tinha pés. Neste momento em que eu voltei a ter pés, a coisa mais importante do mundo -- depois de comida -- é completar essas 6.2 miles em 1h15min.

Depois eu vou ver o show do Lulu na festa do Little Brazil. O show do Lulu e do Jorge Benjor será como sobremesa: sobremesa é bom, mas a gente não vive para a sobremesa, e sim pro prato pesadamente gratinado que vem antes dela e depois da salada. Torçam por mim. E façam as contas por mim, mas só me contem depois, que eu tenho muito medo dos números.

Jane and Sam


Jane and Sam
Originally uploaded by Van-Or
Sam é a minha irmã dois anos mais nova, portanto é a da direita; Jane é minha sobrinha, e pela minha jovem idade, portanto, só pode ser a da esquerda. (essa matemática toda está me atormentando). Jane é, nas palavras da mermã, um pibull-labrador mix, ou seja, um tremendo pêlo curto gigante americano, ou melhor dizendo: um cão bastante nobre, super educado, engraçado e limpinho, mas sem a raça muito definida. Adoro cães com estrutura óssea grande!

Battery Park


Battery Park
Originally uploaded by Van-Or
Eu e Ken num pôr-do-sol com vista pra Niterói daqui (New Jersey).

Carrie & VanOr


Carrie & VanOr
Originally uploaded by Van-Or
Direto da Estátua da Liberdade (ou quase isto) para o mundo.

Reserve Nova York ou foda-se.

Se eu tivesse que escrever um guia de turismo sobre Nova York, reservaria um capítulo apenas para alertar o incauto contribuinte sobre duas coisas:

1. Super Flash: este é o nome genérico do passe para comedores de fila que funciona assim: por mais 20 dólares, você passa na frente de 500, e nem tem que ser mental ou fisicamente incapaz pra isso. O super flash pode ferrar com a vida daquela pessoa que está preparada para passar 2 horas na fila do MoMA, por exemplo, mas de repente se vê presa na fila por 3 horas e meia porque um vôo charter com japoneses super flash aterrisou ali justo naquele dia. O super flash desconhece a engenharia das filas e da logística, existe em quase todas as atrações turísticas daqui e é a coisa mais antipática do mundo.

2. Reserve ou morra. Não basta pagar para ir a um lugar, você tem que pagar e reservar, senão já era. Eu e a Carrie, duas vítimas persistentes desse tipo frustrante de pegadinha, incorremos nesse erro duas vezes em 3 dias. Na sexta, fomos à Estátua da Liberdade (eu nunca tinha ido), compramos passagens antecipadamente pela internet, mas na hora de entrar no monumento, fomos barradas porque não tínhamos feito reserva. Acontece que o mesmo site que vende as passagens para o passeio, que é numa ilha, e não num lugar onde qualquer filho da mãe possa parar inadvertidamente, não faz nenhuma menção à essa porcaria de reserva, e essa porcaria de reserva tem de ser feita com pelo menos 7 dias de antecedência, o que é muito inconveniente pra quem vai passar uma semana ou menos na cidade. Chegar na Ilha da Liberdade e não poder entrar na Estátua da Liberdade é o equivalente turístico do Suplício de Tântalo. Tudo bem que eu não esperava ver um espetáculo do Cirque du Soleil lá dentro do monumento, mas porque diabos eu teria ido até lá se não fosse pra isso? Sorte que o museu da imigração na Ellis Island era bom o bastante pra me fazer esquecer desse sofrimento.

A segunda vez que morremos na praia por não reservar aconteceu ontem, quando fomos ao Harlem para a missa das 11h na Abssynian Baptist Church. A idéia foi da Carrie e eu comprei de cara, porque as missas de domingo são aquelas com um coro gospel digno de Grammy, e eu quase pego um santo só de pensar na vibração. Esse programa imediatamente tornou-se umas das minhas 3 prioridades máximas em NYC, e eu passei dias sonhando com isso.

Tão logo avistamos a igreja, um homem de terno e gravata, super bem vestido (mas não necessariamente combinando todas as partes), super fly, nos abordou na calçada perguntando se nós, ladies, estávamos ali para o "service". Eu achei aquele cerimonial de boas-vindas super lindo, super fofo (nossa, colocaram um cara todo bonitão pra recepcionar os fiéis!, u-hu, pensei, no auge da ingenuidade), mas tão logo dissemos que sim, ele mudou de cara, de tom e apontou o caminho da roça, dizendo: "então saiam daqui, liberem o caminho, porque não há mais lugar pra missa das 11h hoje". É claro que fiquei em estado de choque e ausência mental, porque estou proibida de me aborrecer. Olhei em volta e havia cerca de 200 turistas no mesmo estado de ausência mental que eu, todos proibidíssimos de se aborrecer. Aí eu pensei bem e resolvi que ia me aborrecer sim, porque isso não é justo com meus neurônios, pô! Eu li o site todo, e em momento algum ele dizia que a gente tinha de reservar porra nenhuma antes. Pelo contrário: o site diz que ALL ARE WELCOME, e que só grupos de 10 ou mais precisam fazer reservas antecipadamente.

Pensando bem, acho que o pessoal da Abssynian considera "10 ou mais" qualquer grupo, independente dessa massa constituir um grupo de amigos ou turistas com qualquer tipo de vínculo. Talvez, para eles, nós turistas sejamos um grupo bastante homogêneo: um bando de branquelos escrotos que nem conhece a palavra de Jesus querendo ver o coro comer. É. Pensando bem, isso é escroto mesmo. Onde eu estava com a porra da cabeça quando não coloquei Deus em primeiro lugar?!? Em todo caso, mandei um email super magoado pra eles dizendo que seria apenas justo que eles tirassem do site esse "all are welcome", que Deus castiga e Deus não gosta de mentira. All are welcome é el caratzo! É mais difícil ver o coro comer numa igreja batista daqui do que ver Yemanjá em pessoa no dia 2 de fevereiro. Assim não dá pra ter fé, minha gente. Depois me perguntam porque eu ainda não tenho religião. É por isso, é por isso!

Resumo da ópera: em Nova York, não basta pagar pra ver: tem que reservar pra pagar pra esperar dois dias na fila pra ver. Estado de ausência mental, ativar!

PS Pollyanna Moça: A boa notícia para os duros é que o museu de História Natural é de graça na última meia hora de funcionamento, todos os dias. Então, com um mapa do museu e um bom tênis de corrida, é possível conhecer todo o museu de graça ao cabo de 10 dias. Vai pro trono ou não vai, Lombardi?

quinta-feira, agosto 21, 2008

Great Adventure

Ontem eu, Ken, minha irmã e amigos fomos de van ao Great Adventure, um parque de diversões em New Jersey, a 2 horas de Manhattan. Para isso, a Sima, amiga da minha irmã, passou a noite da véspera cozinhando nosso piquenique; dormimos todos na casa delas, no Brooklyn, para não perder nem um minuto na linha L do metrô. A idéia era partir às 8h30, mas acabamos saindo de lá com 4h30 de atraso.

Eu sou brasileira, gente, vocês sabem que eu estou acostumada com atraso, mas uma coisinha modesta assim de 15, 20, 30 minutos, nada tão sofisticado quanto um atraso de 4 horas e meia. Quatro horas e trinta minutos, mermão, nesse calor da porra, conseguiu me deixar ligeiramente irritada. Sorte que eu tinha tudo sob controle: como estou de férias, eu me proibi de me aborrecer. Então eu fiquei a tarde toda num estado de completa ausência mental, pois todos os meus neurônios estavam ocupados barrando a irritação nas minhas sinapses. Desta forma, foi apenas natural que eu topasse (sozinha, sem meus neurônios) passar 2 horas na fila para passear por 15 segundos na montanha russa do Super Homem.

A gente, que é de fora, acha que cada brinquedo tem um nome de super herói para facilitar o encontro das pessoas, tipo: ó, se alguém se perder, a gente se encontra na frente da montanha russa do Batman! Mas não é apenas isso: um filho da puta dum engenheiro cretino queimou a mufa pensando como poderia fazer um brinquedo que simulasse o vôo do Super Homem, e pra isto ele incluiu 3 loopings, uma subida ao céu, algumas descidas ao inferno, e tudo isso com o contribuinte de barriga pra baixo, porque em rio que tem piranha, super homem não voa de costas. O resultado de tanta engenharia é invariavelmente uma coisa que pode te matar se a trava abrir durante o passeio (ou vôo), e foi no momento desse clique (da trava de segurança fechando) que eu despertei de meu estado de ausência mental e gritei, chorei e implorei pra me tirarem dali, mas acho que gritei em português, porque a mocinha da trava simplesmente acenou goodbye, e tudo o que me lembro foi que eu me fodi de verde e amarelo. Durante o vôo, vi chicletes, moedas, dentaduras, óculos e outras coisas que os super heróis anteriores deixaram cair pelo caminho. Tentei localizar com minha super visão ultra-power onde eu tinha deixado cair meu juízo, mas aparentemente eu o perdi há anos (e anos-luz daqui).

Depois dessa atração, eu entrei em mais duas filas e consegui ir a apenas mais uma montanha russa, porque a do Batman quebrou a 10 pessoas de nós, quando faltavam apenas 15 minutos para o parque fechar. Foi muito frustrante, mas, como eu disse, estou proibida de me aborrecer, então passei o resto da noite em estado de completa ausência mental.

Não tenho mais idade para essas coisas. Devo ter perdido a juventude num desses vôos da vida.

Super flash
Chegamos no parque às 15h e saímos quando fechou, às 22h, mas mesmo assim poderíamos ter ido a pelo menos mais 4 brinquedos se tivéssemos comprados um passe super flash, que é uma mania americana de comer fila. Todo mundo paga 25 dólares pra entrar no parque, o que é um pequena fortuna por si só, ainda mais se somada aos pedágios, estacionamento e combustível, mas aqueles que pagarem apenas 25 dólares a mais podem entrar na fila na frente de todo mundo. Eles anunciam assim mesmo: pra que ficar na fila se o super flash te passa na frente de todo mundo? É ou não é cretino? E quando eu digo todo mundo, estou falando de centenas de pessoas, 2 horas de fila ou até 3 horas, se houver muita gente com o tal passe da esperteza. É muita cara de pau passar a fila na frente de tanta gente se não for caso de vida ou morte.

Expliquei pra galera que isso nunca funcionaria no Brasil, porque os comedores de fila pagantes, se não fossem fisicamente incapazes, seriam hostilizados (se homens, seriam chamados de todas as variações de "viado"; se mulheres, seriam chamados de toda variação possível de "gorda" e, se fossem magras, de todas as variações possíveis de "perua"). Aparentemente, no entanto, isso aqui é normal. Senti-me sob a obrigação moral e cívica de hostilizar, eu mesma, os portadores do flash pass, sobretudo as crianças, porque as crianças ainda podem aprender. Então, quando eram meninos, eu os chamava de "futuros presidentes dos estados unidos", e quando eram meninas eu as chamava de "futuras ex-primeiras damas traídas e publicamente humilhadas", que parece ser uma mania nacional cada vez mais em voga por aqui. Pra minha grata surpresa, os clientes do passe comedor de fila eram sempre americanos nativos, mas poucos entendiam minha hostilidade, o que comprova que Michael Moore nem sempre está errado e que há esperança para o mundo se os EUA forem domesticados a contento (e a tempo).

A grande hostilidade

Mas a maior hostilidade de todas foi uma coisa que aconteceu com uma contribuinte acima do peso que tinha passado 2 horas na fila do super homem um pouco antes da gente. Em sua vez de sentar no carrinho, a trava não fechou. Todo mundo estava travadinho naquele carro, menos ela. Aí a mocinha do parque, que já tinha tentado espremer a trava sobre a barriga da cliente, chamou um rapaz, que veio com uma ferramenta enorme pra acudir. Eu achei super fofo porque pensei que ele ia ajustar o assento para fazer caber a garota. Pro meu choque e horror, no entanto, ele usou a ferramenta para abrir a trava, ejetando de lá a garota e dizendo algo como "sinto, m'am, mas você é grande demais para este brinquedo". OK, tudo bem, não vou mentir pra vocês: a garota era obesa! Mas por que diabos não avisaram pra ela no início da fila, assim como eu fui avisada em relação à minha bolsa (que eu precisei pôr num locker antes de voltar pra fila), que a trava não trancaria sobre sua barriga? Primeiro neguinho super size geral, oferecendo 5 litros de coca a mais por apenas 50 cents, e depois vão barrar no Great Adventure, na frente de 500 pessoas, como se aquilo fosse o palco de um espetáculo triste? Ah, não, achei um great desaforo! Mas como disse, não consegui nem me aborrecer, porque afinal estou proibida.

Resumo da ópera: se você não tem o dia todo pra mofar numa fila; se você tem um bom livro pra ler; se você já passou dos 25 anos; se você tem um lugar melhor pra enfiar seus 25 dólares... o great adventure é uma great bosta.

terça-feira, agosto 19, 2008

A lenha universal

Os cientistas sempre apostaram na matemática como língua universal, só que eles nunca incluíram em suas conjecturas filosóficas e em seus cálculos complexos pessoas como eu - e eu sei que há muitos de nós por aí -, que não fazem uma simples adição sem suar frio.

Alguns de vocês, como o Joel, engenheiro importante e algumas vezes ridículo, poderão ficar horrorizados com o que eu vou dizer, mas eu só sobrevivi 36 anos sem matemática porque tenho a capacidade ímpar de disfarçar minha ignorância escondendo-me atrás de pessoas que realmente sabem calcular o rateio do bar, como a Jussara, e entregando na mão delas - e nas mãos benevolentes, sometimes, de Deus - o meu cheque preenchido, assinado e cruzado. De uns meses pra cá, até comecei a usar planilhas de excell no palmtop para controlar minhas despesas e meus pontos do vigilantes do peso, e qual não foi minha surpresa quando descobri, em poucas semanas, que fazer a soma certa pode levar um ser humano funcional ao emagrecimento, além de evitar a inevitável falência financeira, que é aquilo que acontece com todo mundo que gasta mais do que ganha.

Enfim, matemática é pura alegria e eu não vivo sem ela, mas desde que cheguei em Nova York percebi que o excell, melhor amigo dos dummies, não funciona em todas as situações. Ou melhor, até funciona, mas não é prático. Um exemplo clássico disto é a academia de ginástica. No meu terceiro dia aqui, me inscrevi numa academia ao lado da casa do Ken, pois aqui por perto não há parques onde eu possa correr, e eu queria correr para comer (o que também foi uma decisão puramente matemático-gastronômica que eu tomei para estas férias, pois viajar sem comer de tudo é a coisa mais frustrante do mundo).

Sobre a academia que me fez perceber que matemática nos olhos dos outros é refresco:

A Club Fitness New York é uma academia com tudo o que você precisa e até tudo o que você não precisa. A sala de musculação tem centenas de aparelhos que eu nunca vi no Brasil, e nenhum aparelho é igual ao outro. A área de bíceps, que é o músculo preferido dos homens rústicos, tem - sozinha - cerca de 10 aparelhos, o que é um exagero sem tamanho. No vestiário das mulheres, além de 3 tipos de sauna, jacuzzi e armários que você não precisa alugar (basta enfiar seu cadeado ali por fora e ser feliz), há também um lounge luxuoso, com TV de plasma, sofás caros e carpetes pompom. Imagino que esse espaço sirva para aquela pessoa que chegou à academia, ficou com preguiça de malhar e resolveu sentar ali pra ver o noticiário ou fugir do marido. Mas há 50 TVs igualmente enormes em frente às esteiras, então eu realmente não entendo o lounge das mulheres. Usando um raciocínio puramente cretino e matemático, acho que a Club Fitness tem tanto dinheiro, mas tanto dinheiro, que pode até enfiar algum no c* e rasgar.

As esteiras de Nova York

Correr em esteira é como comer ração: você até atinge o objetivo, mas um grande quinhão da alegria se esvai na ausência de contato com o mundo lá fora. Ah, mas tudo vale a pena quando a alma não é pequena! E essas esteiras daqui são realmente sofisticadas, com programações incríveis. Eu nem sabia que podia correr ladeira abaixo numa esteira, mas aparentemente posso tudo o que eu quiser, só que para isso... preciso saber a porra do meu peso em libras. Aí eu faço um esforço mental incrível e lembro que 1 kg = 0,454 lb. Ou vice-versa? Tento o vice-versa e percebo que a esteira me olha incrédula: 25 lb, tem certeza? Hum, talvez seja o contrário. E ela pareceu ficar mais feliz. OK, superamos a fase do peso. Vamos agora ajustar a velocidade: a que velocidade você quer correr? Quero aquecer a 7,5km/h. Ah, você quer saber quantas milhas por hora? Sei lá. 3? Vamos experimentar 3. OK, 3 não presta; 3 é uma caminhada com muletas. Vamos tentar 3,5. Não, muito devagar. 4. Que merda de esteira, será que essa bosta tem o modo corrida? 4,5. Ah, now we're talking! Será que eu agüento 5 milhas por hora? Uh, isto sim é velocidade, e como a velocidade entorpece! Mas meu coração não está batendo como costuma bater, por que será? Estou tão bradicárdica em Nova York, será o ar? Talvez aqui tenha mais oxigênio. Talvez 5 seja pouco. Vou testar o 6,5. Carajo, meu irmão, 6,5 é rápido demais! Tenho medo dessa esteira. Só volto a pisar nesta coisa com uma calculadora ou um google.

Depois de uma hora, a esteira disse que eu tinha corrido 4 milhas. Cheguei em casa toda feliz e pedi pro Ken fazer as contas de quanto isso dava em quilômetros. Ele disse que dava 6km e uns trocados, e eu fiquei super desapontada. Como eu pude passar tanto tempo correndo pra não completar nem uma Lagoa? Quis chorar. No dia seguinte fui correr com meu podômetro, este sim corretamente calibrado em quilômetros, e controlei meu treino pela distância percorrida. Mas sem gadgets, fazer o quê? Neguinho tem mais é que aprender a calcular. E como eu sou a mulher das planilhas agora, fiz uma com os valores prontinhos, que é pra ninguém mais me engambelar no conto da milhagem. Quando eu estiver apta a fazer essas contas de cabeça, vou correr no Central Park o equivalente a uma Lagoa. Por via das dúvidas, vou levar o podômetro corretamente calibrado em quilômetros para me acudir em caso de desespero sináptico.

Porque o desespero sináptico acontece nas melhores famílias.

domingo, agosto 17, 2008

Como iniciei minha carreira no teatro infantil

Como já andei dizendo por aqui, minha mãe quis montar uma pecinha teatral para a festa de 6 anos de meu sobrinho, em agosto. Apesar de termos recebido todos os sinais de que seríamos um total fracasso de público e crítica, pois não somos pessoas de teatro nem nunca fizemos qualquer trabalho de corpo e voz, minha determinada mamma tocou o projeto, fez figurinos e cenários com meu pai e, no dia 2 de agosto de 2008, fizemos nosso début no teatro infantil.

Confesso que engrossei o coro dos pessimistas e dirigi-me ao palco como quem dá-se ao carrasco. Houve um determinado momento, na fase ensaiatória, em que até meu infante sobrinho, o maior beneficiário de todo nosso esforço, tentou convencer sua avó de desistir, dizendo que seus amiguinhos não curtem teatro tanto assim. Minha mãe parecia refratária a todo tipo de obstáculo e manteve-se firme e forte na tarefa de adaptar o texto original diariamente, não só para que a peça durasse no máximo 20 minutos (condição sine qua non para que as crianças não dormissem), como também para reduzir a quantidade de personagens em cena, porque toda peça infantil parece ter pelo menos 100 personagens, entre árvores que ficam paradinhas, nuvens e estrelas que mudam de lugar e outros desperdícios de figurino que chegam a ter uma fala ou duas.

Meu pai, o Astronauta, claro, foi a principal atração da peça. Ele caiu no Planeta dos Brinquedos porque sua nave apresentou algum tipo de defeito, e eu, a Boneca leviana, roubei uma peça de seu foguete para que ele não voltasse nunca mais pra Terra. Eu não fiz por mal, claro, só queria o bem do Astronauta, porque no planeta dos brinquedos todo mundo é super feliz e animado o tempo todo, mas as crianças não queriam saber: era só o Astronauta entrar em cena para que todas gritassem que a peça do foguete estava na minha bolsa, na bolsa da Boneca!, e aí o Astronauta dava ouvidos às crianças, esquecia sua fala e meu irmão, o contra-regras, nos cantava algum gancho, lá do fundo do palco, e nós seguíamos adiante.

Nosso índice de acerto de falas deve ter esbarrado em 10%, o resto foi puro improviso.



A Boneca e o Palhaço, brinquedos super animados no Planeta que nunca fica triste.


Meu sobrinho, O Cara, de bermuda laranja, super feliz de ver o avô em cena.



O Palhaço e a Boneca planejam manter o Astronauta para sempre em seu planeta animadinho. O Astronauta, leviano por sua vez, também tinha planejado roubar as pedras do sorriso do planeta dos brinquedos. As pedras do sorriso são uma espécie rochosa de prozac, uma kriptonita da alegria, e o Astronauta pensou que poderia ficar bem rico e famoso se conseguisse vendê-las na Terra. Eu compraria. Quem não compraria?



No final, tudo se resolve: os brinquedos devolvem a peça do foguete e o astronauta confessa que foi bem canalha quando pensou em roubar as pedras, e todos vivem felizes para sempre, cada qual em seu planeta.

Atenção para o figurino do Astronauta: por baixo do uniforme de apicultor, tem óculos de armação em neon azul piscante; por fora, um cinto cheio de ferramentas para consertar o foguete e uma mangueira de máquina de lavar roupa, pro Astronauta poder respirar em atmosferas hostis. Eu quero uma roupa dessas.

quinta-feira, agosto 14, 2008

Enfim, férias.

Acabo de ter um insight. Depois de ter passado mais de 12 horas entre um aeroporto e outro; de ter mudado de fuso; e de ter feito e desfeito malas, percebi que não é preciso estar a milhares de quilômetros de casa para sentir as férias circulando pelas veias. Para estar de férias, basta desligar a porra do celular. Vou tirar férias todo sábado e domingo daqui pra frente.

***

Estou em Nova York, a cidade-férias mais improvável do mundo, pois é a cidade que nunca dorme, onde um estouro de boiada parece piada infantilperto duma reles saída do metrô na Lexington. Só pode ser por isso que as pessoas daqui avaliam, reparam e valorizam tanto o que se calça: o calçado incorreto pode custar ao incauto contribuinte um dedo do pé ou dois, porque o poder também é coisa que se mede pelo pisoteio. Rasteirinha no verão é super bacana e coisa e tal, mas dependendo da estação do metrô e da hora, melhor usar boot com solado navalho-perfurante no metrô novaiorquino. Acreditem se quiser, isso explica muita coisa, até mesmo a fantasia americana de que pessoas podem carregar explosivos no sapato. Sapato aqui é arma séria.

Aliás, nunca vi tanta galocha maluca. Dá até vontade de usar. Vai ver que é assim que funciona a sociedade consumista, vá saber! (xiii, estou tentando convencer meu cérebro de que eu não sou consumista; se eu conseguir me enganar, talvez saia financeiramente viva desta aventura americana)


***

Uma coincidência super querida: a blogueira Carrie, a Estranha, também está em NYC, mas por um motivo mais nobre que ter legitimidade pra desligar o celular: um doutorado sandubiche. E como se não bastasse termos vindo quase no mesmo horário, descobri que ela ficará a poucas quadras da casa do Ken, onde estou hospedada em Astoria. Nas próximas 3 semanas, a gente há de tramar alguma coisa together pra tornar os ianques ainda mais paranóicos e xenofóbicos. De Astoria, distinto distrito greco-brasileiro, tudo que posso dizer por ora é foda-se, Mc Donald's: descobri a salada grega e a feirinha orgânica da Union Square.

sexta-feira, agosto 08, 2008

Agora o bicho vai pegar!

Sobretudo quando os farejadores do CORE começarem a farejar bafo de cana nos motoristas parados em blitzes rodoviárias. Quem precisa de bafômetro quando se tem 200 milhões de células olfativas?

A Lei seca, do verbo secar.

Estou achando a Lei Seca muito eficiente. É uma lei que realmente mata a cobra e mostra o pau, sem a menor dó de sentar o dito cujo nos cornos dos motoristas que gostam de tomar um goró sem compromisso. A lei secou o copo de quem dirige.

É notável a mudança comportamental do brasileiro em relação à direção + álcool, e a maior prova disso não são as estatísticas maniqueístas do Miguel Couto ou da polícia rodoviária federal, e sim a crise dos bancos de órgãos, que dependiam dos motoristas bêbados mortos por alguma cagada fatal ao volante para sobreviver (e fazer sobreviver, claro). A lei secou até as esperanças de quem espera por um novo fígado, de forma que eu, como humanista de plantão, começo a pensar que talvez seja melhor que algumas pessoas continuem bebendo bastante e morrendo nas pistas, que é pra dar chance de vida a quem realmente a valoriza.

Por último, justamente por ser o tópico mais frívolo e irrelevante, a lei mudou radicalmente a dieta de muito praticante de halterocopismo. Eu sou um exemplo: só porque reduzi a ingestão de álcool brutalmente, perdi 2 kg em 3 semanas. Acho que além das calorias etílicas que eu deixei de ingerir, passei a comer menos das besteirinhas que acompanham um chope, dos queijos que acompanham um vinho, and so on. E passei a ter menos fome, o que me faz concluir que o álcool é um importante orexígeno, e portanto não deveria ser desprezado nas cozinhas de hospitais sérios, como os que já liberam a maconha para seus pacientes (nesse ponto, realmente, o Brasil não é um país sério). Ou seja: a Lei Seca seca! Não sei se acho isso bom ou se temo pela estabilidade financeira dos cirurgiões redutores de estômago. Essa lei provocou tanto efeito colateral no terreno da medicina que dentro em breve o Conselho Federal de Medicina vai acabar tentando impugná-la para driblar o desemprego de médicos, ou talvez essa batalha seja comprada pela Previdência Social, porque tenho certeza que já aprontaram uma estatística (pra publicar no jornal daqui a uns anos) que comprovará que a Lei Seca aumentou demais a expectativa de vida do brasileiro, assim como o buraco negro nos cofres do ministério.

O pior é que estamos vivendo tempos tão surreais, que eu não duvido mais de nada. Vou celebrar minha magreza recém adquirida com um alentejano (vinho, ora pois!) e tentar não pensar mais nisso.

quarta-feira, agosto 06, 2008

O grito

No lugar onde eu moro tem um jardim tão grande e tão protegido pelo IBAMA que nós, moradores, o chamamos de bosque. Pois nesse bosque, além de muitas árvores, micos, gambás, gatos e pássaros, há também muitas curvas e alguns trechos ermos onde as câmeras de vigilância não alcançam, o que faz com que toda mãe recomende a seus filhos: "Olha, o Lobo Mau está à solta no bosque. Não quero vocês por lá sozinhos!" Como eu já passei da idade de acreditar em Lobo Mau ou em qualquer outro tipo de comunista que come criancinha, eu nunca me preocupo com os perigos da floresta quando passeio por lá com a Lála ou algum outro peludo que passe por aqui me visitando. Até que um dia...

Era início de noite de domingo quando eu ouvi um grito vindo do bosque. Não era um gritinho curto e rápido de susto banal por sapo ou barata: era um grito de mulher longo, rascante, tenebroso: um verdadeiro grito de terror, daqueles que arrancam nossa alma do corpo e fazem o coração disparar. Olhei pela janela, que dá vista pro bosque, e tentei identificar de onde vinha o grito, já me arrumando pra descer correndo e acudir a vítima. O que eu poderia fazer por ela, eu não sei, sobretudo depois de ela ter passado por experiência tão trágica e horrenda, que tinha arrancado de suas entranhas o pior grito de horror que eu ouvira em toda a minha vida. À janela, vi que uma pá de outros moradores teve a mesmíssima idéia, e portanto já havia, por causa do grito, cerca de 20 homens correndo bosque acima, alguns com lanternas, outros com pedaços de pau. Fiquei na janela, respiração ofegante, aguardando notícias. Fui bem covarde, confesso, mas em minha mente só se passavam imagens de terror absoluto - cabeças decepadas, corpos seccionados por serras elétricas, cadáveres empilhados - e quanto mais eu pensava no que tinha causado o grito e por que o grito tinha parado tão abruptamente depois d'a mulher gritar "NÃÃÃÃÃOOOO!!!", eu realmente me sentia pequena demais para dar qualquer tipo de amparo à tragédia humana.

Quando os seguranças chegaram, poucos minutos depois, moradores gritavam de suas janelas, desesperados: "Corre, meu filho, por ali! Nesse passo ela vai estar morta quando você chegar!", e tudo isso ia me apavorando ainda mais: "meu deus, mas o que será que houve? nunca aconteceu tragédia nesse bosque, e agora isto!". Continuei roendo as unhas da janela para saber o que tinha acontecido, mas nada acontecia. Cerca de 50 pessoas tinham convergido para o foco do grito, e agora elas se afastavam tranqüilamente, algumas rindo, outras cabisbaixas, mas ninguém parecia espelhar o motivo do horror. O alerta vermelho que se acendera em mim pouco antes já tinha se apagado, e de repente eu me senti muito fora de lugar ali, pendurada na janela que nem uma matilde. O domingo acabou e eu dormi sem saber mais nada sobre o grito. Dormi com aquilo na cabeça, fertilizando toda sorte de pesadelo.

No dia seguinte, quando saí pro trabalho, perguntei a um segurança do condomínio se ele sabia me informar o que tinha acontecido no bosque na véspera, na hora do grito. Ele pareceu pensar um pouco, como se vasculhasse a memória, e disse:
- Ah, o grito. Sei. Por volta das 19h, né? Foi uma mulher que estava passeando com seu cachorrinho e reagiu a gritos quando encontrou dois labradores passeando soltos, sem coleira.

Fiquei muito decepcionada, confesso, mas não queria dar na pinta de que estava esperando uma manchete de O Povo em minha própria morada. Então eu pigarreei, tentei disfarçar minha cara de "SÓ ISSO?!?"e perguntei, muito séria:
- E os donos dos labradores? Colocaram os cães na coleira?
- Ah, sim, imediatamente. Quando o segurança chegou, já estavam todos na guia.
- Ah que ótimo. Então o grito resolveu o problema.
- Com certeza.

***

Moral da estória: às vezes um simples grito poupa muito verbo e resolve problemas instantaneamente.

PS importantíssimo: dedico essa estória ao meu irmão Ilton, que está com o grito entalado na garganta há um tempo e não sabe o que fazer com isso.

terça-feira, agosto 05, 2008

Free Sonya Ornella!

Que porcaria é essa?!?

Tudo bem que eu já falei muito mal de americano nesta vida. Em épocas mais ou menos revoltadas, cuspi em letreiro de Mc Donald's, atravessei rua pra não pisar em quarteirão de consulado ianque, reciclei todos os livros que comprei na Barnes & Noble e até já odiei um escritor brasileiro ou outro pelo emprego insistente de anglicanismos em suas obras. Recentemente, quem diria, apesar do Bush e apesar do roubo dos notebooks da Petrobrás por espiões industriais vocês sabem de onde, eu engoli a vontade de rir do Tio Sam atravessando o samba e renovei meu visto para poder passar as férias deste ano no país binômio Osama-Obama. O país é grande, é lindo, e nem todo ele merece o Bush que tem.

Não bastassem os dois meses e meio de antecipação + a módica quantia de R$253,50 que a aventura do visto exigem, eu ainda passei um tempão aperreada com a angústia de ter falado tão mal dos EUA pela internet, mas tão mal!, que o gúgol pudesse me rotular, embrulhar e despachar como persona non grata nesse país para todo o sempre. Nunca, em toda a minha vida, eu fui barrada em festa. Deve dar um desgosto infinito tremendo ser barrado em porta de país ou em porta de consulado, e minha angústia era tão grande, mas tão grande!, que eu já fui pra entrevista no consulado em clima de “ande, homem, me barre logo é aqui, que eu não quero ser barrada em Houston, se não nós will have é problem, heim”!

Passei os quase três meses entre o agendamento e a entrevista do visto examinando minha consciência, dizendo pra mim mesma coisas como “não, você não é terrorista só porque torce pelo Michael Moore” ou “tudo bem odiar o Bush, o mundo inteiro odeia o Bush, é bom odiar o Bush”. E quando eu obtive o visto, não pude deixar de pensar na coisa mais óbvia: eles estão me testando só pra ver até onde eu vou. Eles querem saber se, pelo simples fato de ter um visto, eu vou fazer essa maluquice de ir até lá. E se eu for até lá, eles vão me colocar numa sala e vão me fazer passar as férias numa sala hermética, incomunicável, examinando novamente minha consciência até que eu confesse que sou terrorista. Ué, mas eu não sou terrorista. Ou sou? Fiquei confusa. Saí daquele solo norte-americano em minha própria cidade, onde, apesar de tudo há praias e pôres-do-sol que nada têm a ver com Bin Laden, pagando a maluca geral.

Naquele dia, eu achei que estivesse ficando maluca, mas agora eu pirei de fato! Na segunda passada, comprei passagens pros EUA e, poucos dias depois do leite derramado, li no jornal que otoridades ianques poderão reter nos aeroportos tudo e qualquer coisa que armazene dados, de qualquer pessoa, por tempo indeterminado, a título de combater o terror. Aí eu fiquei aterrorizada: será que eles vão suspeitar de laptops vermelhos e tesudos, assim, como a Sonya? A Sonya, coitada, é uma boa moça, uma boa computadora, nunca fez mal a ninguém, nunca viu programa pirata, chega até a ser ingênua em comparação aos computadores domésticos brasileiros. Eu e ela nunca passamos um mês longe uma da outra, mas e se ela for capturada pelos malucos do contra-terrorismo? E se eles acharem ruim que eu tenha centenas de textos que falam de pouco a muito mal dos Estados Unidos?

Consultei meus universitários e eles foram unânimes: não traga a Sonya. É muito perigoso, vocês podem se separar por muitos e muitos meses, ela pode nunca mais ser a mesma pessoa depois dos interrogatórios. Fiquei em estado de choque. Esses psicopatas podem até causar algum dano irreversível ao HD da minha amiga, ó céus, eu odeio esses psicopatas contra-terroristas, eles são os terroristas que estão procurando, são eles, são eles! Chamem Machado de Assis, o alienista está à solta!!!

Resolvi deixar a Sonya. Eu, que já tinha prometido que visitaríamos todos os hot spots da Starbucks, que navegaríamos num café na calçada sem medo de pivete, tive de voltar atrás. Consegui convencê-la de que nossos pivetes nem são tão ruins assim. Alguns são até carinhosos. Ela ficou corada de tristeza, claro, mas fazer o quê? Vou ter de me divertir nessas férias sem ela. Vou ter de escrever meus projetos num teclado sem acento. Vou ter de fazer upload de centenas de Mega antes da viagem. Vou ter de torcer pra não me tomarem o pendrive no aeroporto, mas se tomarem, vou levantar um finger mentalmente dizendo que já subi a porra toda, tá na rede, malandro. Vou ter de torcer pra que um terrorista não tome meu avião. Ou melhor: na atual conjuntura, nêgo, vou ter de torcer pelo terrorista!

Esta viagem ficará marcada como a viagem que mais me aborreceu antes da partida. Preparar uma viagem, pra mim, que não sou terrorista, contrabandista nem nada, é sempre um prazer. Engraçado: isso de me aborrecer com os preparativos realmente nunca tinha me acontecido antes. A gente tem que reconhecer, isso é um mérito deles: tem sempre um imbecil norte-americano pra criar um tipo inédito de mal-estar. Clap, clap, clap.

sexta-feira, agosto 01, 2008

Câmbio, desligo.

Passei dias atormentada por um pensamento mórbido extremamente persistente: imagino estar num dos aviões do 11 de setembro e, diante da percepção do fim iminente, sinto o impulso de telefonar para alguém. O dilema mórbido é: PARA QUEM EU TELEFONARIA? Depois de muito noves-fora-zero, resolvi a coisa óbvia: ligaria pra minha analista.

- Alô?
- Carmem? Sou eu, Van.

Um dos motivos d'eu ter optado por ligar pra Carmem é que ela sabe que eu nunca telefono, nem mesmo em maré pré-suicida, porque eu tenho a humildade de esperar pela minha vez. Só isto já me pouparia os segundos de ice-breaking que a gente desperdiça em todas as conversas. A Carmem perceberia que o caso é de morte ou morte.

- O que foi? Não vais me dizer que estás pensando em morrer.
- Pensar, eu não estava. Mas rolou, aliás: tá rolando. Uns terroristas tomaram o avião.
- Sei.
- Eu fui má, Carmem?
- Não, foste até boa demais, sobretudo com aquela vaca da tua chefe. Só és má contigo mesma.
- Mas desta vez eu não tenho culpa, né? Só pra que você não duvide do meu humor numa hora dessas, ó: estou até sorrindo!
- Ah, que felicidade quando tomam a culpa da gente!
- Você fala com a minha mãe que eu liguei?
- Se ela ligar, eu falo.
- Ó, tenho que ir. Estou entrando num edifício.

***

A Liana tem razão: o pensamento é uma besta-fera que precisamos adestrar e, em alguns casos extremos, até decorar com lacinhos.