Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

terça-feira, junho 30, 2009

Arnaldo Baptista - Cê tá pensando que eu so Loki ?

Só pra ficar didático.

Loki de amor

Bicho, estou loki de amor. E mais detalhes não dou.

Loki

Filme obrigatório: Loki. Documentário sobre... sobre... sobre o quê mesmo? Sobre Arnaldo Baptista talvez, sobre os Mutantes, sobre a Tropicália, sobre a MPB, sobre o amor, sobre a genialidade, sobre o amor, sobre o amor, sobre o amor... Acho que Loki é um filme sobre o Amor.


Cê tá pensando que eu sou loki (Arnaldo Baptista)
http://vagalume.uol.com.br/arnaldo-baptista/ce-ta-pensando-que-eu-sou-loki.html

Cê tá pensando que eu sou loki, bicho?
Sou malandro velho
Não tenho nada com isso

A gente andou
A gente queimou
Muita coisa por aí
Ficamos até mesmo todos juntos
Reunidos numa pessoa só
Cê tá pensando que eu sou loki, bicho?
Eu sou velho mas gosto de viajar por aí
Cilibrina pra cá
Cilibrina pra lá
Eu sou velho, mas gosto de viajar...

Cê tá pensando que eu sou loki, bicho?
So malandro velho
Não se mete no enguiço

quinta-feira, junho 25, 2009

Pensamentos mórbido-nostálgicos (ou quase)

Porque Michael, the Jackson Five, morreu, e porque isso me deixou mal à vera (sério mesmo, eu odiaria ter um filhinho meu molestado por ele, mas o cara era mega bom, tirando isso), esta noite fui perseguida por uma mini-série de pensamentos mórbido-nostálgicos, do tipo:

1. Phil. Phil não sei das quantas. Não me recordo de muita coisa além de "Phil", mas tenho uma vaga lembrança de que namorei um inglês chamado Phillip-something, e que ele era alto e corria mais do que eu, e que numa determinada ocasião me transmitiu sarna sarcóptica, e por isso nossa relação chegou ao fim (ou talvez tenha chegado ao fim porque eu o "automediquei" com um sarnicida que deixa o saco das pessoas em carne viva, e esse tipo de aleijão escrotal raramente permite a sobrevivência de uma história de amor).

2. Bath, 1992. Eu tinha 19 anos, OK? Estava fazendo um intercâmbio cultural numa cidade pequena da Inglaterra , OK? E ninguém falava português lá, OK? Só pra vocês entenderem que eu estava carente, OK? Então ouvi "Rocket Man" pela primeira vez e me apaixonei pelo Elton John falando sobre as saudades tão sentidas de sua mulher e as dificuldades de criar filhos em Marte. Eu juro que não sabia que ele era gay. Aí me morre o Freddy Mercury no mesmo ano, e todo esse papo de artista gay e AIDS vem à baila entre os amigos da escola. Descubro que Elton John, o grande amor da minha vida, é gay. Penso em suicídio, mas não sei dizer "me vê uma overdose de chumbinho aê?" em inglês. Sobrevivi por um pequeno lapso linguístico. Porque tive preguiça de expressar minha sentença de morte.

3. Ainda nessa temporada, quase morri involuntariamente (ou quase involuntariamente, segundo num-Freud-), quando tive uma forte crise de asma na noite em que a temperatura caiu abruptamente de -1C pra - 12C. Era um dia frio de dezembro, eu estava me despedindo dos meus melhores amigos (de intercâmbio) para todo sempre, e isto por si só seria motivo pra que eu morresse em paz e infeliz, mas salvaram-me médicos ingleses anônimos, cujos nomes nunca soube e cuja conta nunca paguei. God save the bloody queen!

4. Radioterapia. Todas as vezes em que eu ia ao Einstein acompanhá-lo em suas sessões de radioterapia, encontrava ali um menino de 5 anos. 5 anos, e já tinha câncer no cérebro. Porque era tão infantil, tinha de ser anestesiado antes de cada sessão, porque se ele se mexesse ainda que um pouquinho - e vocês sabem que crianças de 5 anos são tão irriquietas quanto labradores e beagles imaturos - os raios exterminadores poderiam matar mais do que o tumor no cérebro: poderiam matar sua capacidade de ser gente para todo o sempre. Esse menino nos via tomar café, capuccino, comer bolachas - mimos quase imperceptíveis da sala de espera - e gritava a plenos pulmões pra reivindicar seu direito de comer e beber também, como gente que era e como criatura infantil que era, e que por ser assim não tinha obrigação alguma de entender que não se pode comer nada antes de uma anestesia geral. E ele tinha de tomar anestesia geral todos os dias, durante 25 dias, porque foi assim que seu oncologista imaginou que o tumor poderia ser exterminado, embora não houvesse garantia alguma disso. Nunca, em toda a minha vida, eu pedi tanto a Deus pra ser incapaz de gerar filhos, porque eu preferiria morrer a ser mãe de uma criança que esperneia, chora e grita porque quer-porque-quer comer biscoito, mas não pode porque terá de tomar anestesia geral diariamente para tratar de seu câncer no cérebro.

5. É solitário, aqui no espaço. And I think it's gonna be a long, long time...

Elton John-Rocket man

She packed my bags last night pre-flight
Zero hour nine a.m.
And i'm gonna be high as a kite by then
I miss the earth so much i miss my wife
It's lonely out in space
On such a timeless flight

And i think it's gonna be a long long time
Till touch down brings me round again to find
I'm not the man they think i am at home
Oh no no no i'm a rocket man
Rocket man burning out his fuse up here alone


Mars ain't the kind of place to raise your kids
In fact it's cold as hell
And there's no one there to raise them if you did
And all this science i don't understand
It's just my job five days a week
A rocket man, a rocket man


And i think it's gonna be a long long time...

Michael Jackson - Thriller

Michael is dead, baby

Putz grila, só me faltava essa: Michael Jackson morreu. Tudo bem que o cara era maluco à vera, mas ele pontuou toda a minha adolescência ploc de referências, inspirou as melhores matérias do Fantástico, ressuscitou Elvis Presley, suscitou críticas ferozes à ética médica em cirurgias plásticas deformadoras, aumentou a atenção de todos os pais do planeta Terra às terceiras intenções pedófilas dos "tios" bonzinhos, fez muita gente boa perceber que a vida poderia ser bem pior se fosse mais parecida com a dele um pouquinho e, no geral, fez muito mais bem que mal à Humanidade às custas de sua própria tragédia pessoal.

Sem contar que fez o vídeo clipe mais maneiro de toda a história da televisão, Thriller, e por causa de Thriller, e por causa das lindas músicas que gravou sozinho e com seus bróders, mesmo tendo MJ sido o crazy-fuck que foi, eu sempre serei fã do talento inacreditável de que ele acabou abdicando pra se dedicar à carreira solo de psicótico.

Que a terra lhe seja leve, como a vida nunca foi.

terça-feira, junho 23, 2009

Palavreado chulo

Acabo de descobrir, para meu total choque e horror, que eu sou dessas pessoas que falam palavrão e nem se dão conta disso. Um amigo, anteontem, me disse às gargalhadas que tinha acabado de me imitar. Eu disse, "Ah é? O que você fez?". E ele, muito chocado por eu não ter reparado de cara, disse: "Ué, eu simplesmente levei a mão à boca, como se fosse segredar alguma coisa, e falei alto: 'CARALHO, MANÉ, SEI LÁ O QUÊ É FODA PACARÁLEO!''. Aí eu fiquei muito chocada, obviamente, porque não estou acostumada com esse linguajar hediondo, e perguntei: "E eu por acaso falo caralho e foda assim, com a mão na boca?". E ele, muito naturalmente, me revelou que sim.

De repente me pareceu inadequado falar "caralho" e levar a mão à boca. As pessoas podem interpretar o gesto de forma errada, e vocês sabem que interpretação não é o forte das pessoas.

Então eu fiz uma análise autocrítica retrospectiva pra averiguar o quão chulo, chulé e fuleiro anda o meu palavreado. E dei-me conta de que, na clínica, por exemplo, eu nunca falo fezes, e sim cocô; nunca falo urina, e sim xixi; nunca falo vulva, e sim perereca; e nunca falo pênis, e sim pirulito (mas quando é um rottweiller ou similar, eu uso a abreviatura "piru", porque me parece mais digna). Perguntei a uma amiga em quem posso confiar se eu falo muito palavrão, e ela disse que claro que sim, como se eu estivesse tentando pegá-la numa pegadinha, e confesso que isso me deixou bastante chocada, porque eu sempre imaginei que me comportasse como uma típica virgem tijucana fundamentalista, criada para procriar, dedicar-me às causas impossíveis e enxergar apenas o melhor no próximo, amém.

Pensando bem, vai tomá no cu, ainda bem que eu falo palavrão. Fundamentalista de cu é rola.

domingo, junho 21, 2009

Vida de cachorro

Hoje eu ganhei uma musiquinha de presente e meu dia ficou mais feliz. Mais feliz do que já tinha começado, e já tinha começado bem porque, amigos, estou apaixonada. E fui correr esta manhã com o objeto da minha paixão, que não só acorda cedo como eu, o que pra mim é uma questão de caráter (afinal, Deus só ajuda quem cedo madruga, no matter how fucking late you sleep on Saturday), como também gosta de Mutantes. Mutantes, OK? E a música, Lombardi, é: Vida de Cachorro. Uma música fundamental que, não sei como, eu não conhecia. Pra vocês verem como a vida nos surpreende, de uma forma ou de outra.

Estimo a todos uma linda semana. E espero que vocês não tenham 5 cachorrinhos porque, se tiverem me ouvido pelo menos um pouquinho nos últimos 4 anos, saberão que quem ama, castra. Não no sentido figurado, mas no sentido literal, num contexto veterinário, enfim: castrar seu bicho é legal, seu marido ou namorado ou amante, não, mas estou sem tempo e sem saco de me explicar melhor. Devem ter arrancado meu saco numa castração não-literal, ainda não sei.

Beijo grande,

Van'Or (um ser enlevado pela paixão)

sábado, junho 20, 2009

Eu choro, tu choras, todo mundo chora

Foi difícil acordar naquela quarta-feira às 4h30. Embora eu tivesse dormido sete boas horas de sono, estava escuro e frio lá fora, e minha cama estava tão quentinha que eu chorei um pouquinho pra me levantar. "TPM", pensei. E combati meu choro fácil com músicas alegres e óleo essencial de rosa gerânio, que é muito bom pra curar choro frouxo.

O primeiro cliente no consultório me traz uma cachorrinha preta de bigodes brancos. "Qual a idade dela?", pergunto. "14 anos, doutora." Eu baixo os olhos para anotar e quando olho de volta pra minha interlocutora, uma senhorinha pequena e claudicante duns 70 anos, a encontro chorando com as mãos no rosto.
- Meu Deus, que choro é esse, o que houve?
- Doutora... é que ela tem 14 anos.... A senhora acha que ela ainda vai viver muito?

E eu, que estava com o choro frouxo, tive de ajeitar o saco, puxar um pigarro lá do fundo do peito e falar um pouco grosso com ela, pra minha voz não sair embargada:
- Ora, ora minha senhora! Bem se vê que essa mocinha tem vida boa e ainda vai viver muito por isso, sobretudo agora, que a gente vai fazer um check-up completo dela pra não deixar nada de fora. Só não quero te ver aqui daqui a 10 anos me perguntando a mesma coisa, porque aí é capaz de eu nem estar viva pra poder te responder.

Quando eu pensei que finalmente estava imune ao choro naquela quarta-feira chorosa, entra outra mulher com um cachorrinho com um ferimento na cauda. Ponho-o na mesa para examinar e acabo tendo de amordaçar o peludo, porque ele sentia tanta dor naquelas perebinhas que decidiu que não ia me deixar olhar o que estava acontecendo. Quando olho pra dona pra dizer que era só uma dermatite úmida aguda, vejo-a afogada em lágrimas. Pergunto por que ela está chorando tanto, e ela me diz, soluçando, que não suporta ver seu bicho sofrer, que ela prefiria que lhe amputassem um braço, mas que não queria ver seu bichinho sofrer, e aí eu me lembro de quando meus pais foram a Miguel Pereira buscar o Povo porque o caseiro disse que o encontrou naquela manhã com um rasgo enorme no corpo, como se tivesse sido esfaqueado, e meus pais subiram a serra em 40 minutos, quando a viagem normalmente dura 1h40, e minha mãe me ligou de lá passando mal, aos prantos, dizendo que a perna estava pendurada por um fiapo de pele, e eu passei mal daqui, e a gente nem se falava mais ao telefone, a gente gritava, e eu falei que era pra eles correrem com o Povo pro Jardim Botânico, que eu ia acionar o Rubinho, o melhor cirurgião veterinário do planeta Terra pra mim, pra fazer a amputação do membro dependurado do Povo, e entre as ligações que eu não parei de fazer pra falar com o Rubinho, eu tinha vontade de fazer xixi e vomitar, sentia que o mundo tinha despencado em cima de mim, meu cachorro foi esfaqueado, caralho, o ser humano é foda, eu tenho vergonha de ser gente, coitado do meu peludo, meu Deus, o que será que ele está sentindo, será que está sentindo a dor que eu estou sentindo, e aí eu achava que ia desmaiar de tanta dor, mas a dor não era minha, era do meu cachorro e da minha mãe, e aí eu finalmente falei com o Rubinho e tomei o primeiro choque de realidade do dia quando ele disse que só estaria no Rio dali a muitas horas, à noite, e que eu ligasse pra ele pra confirmar a amputação assim que visse meu cão, porque ele teria de me encaixar lá pelo meio da madrugada. OK, verei o estrago primeiro, isso eu posso fazer. E quando finalmente vi o meu Povo Brasileiro, depois de ter passado a última hora acompanhando o deslocamento dos meus pais pela estrada, orientando-os a verificar os sinais vitais do cão com medo d'ele morrer de choque hipovolêmico pelo caminho, abri a boca a chorar, mas desta vez de alívio: o meu galgo só tinha um grande corte na pele. A pata não estava nada dependurada por um fiapo, isso foi só uma fantasia da minha mãe que olhou praquela coisa feia de relance e imaginou todo o resto. Levei-o ao IJV, suturamos a pele e fomos felizes para sempre. Mas meu pós-operatório foi complicado: tive de ligar pro Rubinho, que vergonha, pra dizer que a amputação era só uma sutura de pele e que estava tudo bem, desculpe ter sido tão pentelha e neurótica, mas entenda: eu também sou dona, e como todo dono de cachorro, sou maluca. Sorry.

Então entreguei um lenço pra moça que chorava pela dor de seu cão e falei: "Tome, pode chorar. Ele vai ficar bom, mas até lá, pode chorar, que chorar não faz mal a ninguém." Quando ela me agradeceu por ter autorizado seu choro, pôs-se a chorar ainda mais, e aí eu tive de retomar a situação e dizer: "Agora chega, já chorou sua cota, se chorar mais, vai ter de pagar outra consulta."

Ela se controlou, eu fiz a receita e me despedi deles pensando que amar é ter um coração batendo fora do corpo, sentindo a dor do outro e sendo piegas pra caralho, porque, se não fosse assim, não seria amor.

Foi pensar isso que eu chorei entre uma consulta e outra, claro, mas TPM é pra isso mesmo: é pra drenar as retenções de líquidos, porque só dois rins não dão conta de tanto mar. Eu deveria ter nascido com 4 rins, mas como não nasci, choro mais do que a média pra expurgar os fluidos amorosos que tanto me afogam.

Baggage

Ao se despedir, ele lhe implorou com olhinhos infantis: "Liga pra mim? Eu tenho seu telefone e poderia te ligar, claro, mas quero que você me ligue quando quiser me encontrar de novo." Estava vulnerável de um jeito terno, exatamente como ficam as pessoas quando amam de repente e, pra piorar sua fragilidade, ela lhe deu as costas subitamente para levar o telefone à orelha e dizer "alô" sofregamente, como quem atende uma chamada importante. Embora fosse um rapaz alto, aquela breve intermissão de sua despedida amorosa deu conta de subtrair dois palmos de sua estatura, fazendo-o parecer pequeno e jovem demais ali, parado na calçada ao lado da mulher amada que acabara de lhe dar as costas. Seu telefone, então, toca. Era ela:

- Estou morta de saudades, quero te ver de novo!

- Mas, meu amor... Eu estou aqui, a 30 centímetros de você.

Ela então se vira e, com o celular ainda grudado à orelha, olhando em seus olhos, diz: "Talvez sejam 30 cm em linha reta, mas você não está levando em consideração a montanha de passado e os picos nevados de medo que eu ainda tenho de escalar pra chegar até você.

"Pois se eu estou aqui, ao seu lado, e ainda assim existe essa distância toda entre nós, eu só posso achar que foi você quem subiu de propósito as barreiras que, embora invisíveis, transformam em quilômetros o tantinho de nada que impede o meu sangue de se misturar ao seu."

Entregaram-se a um abraço líquido e pesado, como se uma cordilheira inteira, com picos nevados e tudo, pairasse sobre suas cabeças. Ele quebrou o silêncio com um sussurro lânguido:
- Me ajuda a escavar um túnel?
Mas ela não tinha tempo pra túneis, tudo seu era pra ontem e pra já. Sugeriu que ele simplesmente implodisse aquela montanha toda, afinal era completamente inútil, mas foi ela dizer isso que a montanha só fez crescer mais um pouco. Ela não entendia, e nem podia entender, que o passado não é uma mala que nos damos ao trabalho de fazer e carregar, ela simplesmente se faz sozinha e se algema à nossa alma, e por isso a carregamos mesmo sem querer.

Às vezes eu penso que seria bom abrir mão da alma pra perder essa bagagem. Há muitas coisas que eu gostaria de perder.

"Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma."(Bandeira)

terça-feira, junho 16, 2009

Mais uma doença terminal ridícula!

Eu não ia falar sobre isso aqui, não, mas achei que meu caso verdade poderia ser útil a você, leitor hipocondríaco, que assim como eu acha que toda febrícula é tuberculose e todo prurido cutâneo é um linfoma de Hodgkin. Desde que voltei do Peru, vinha tendo umas dores de barriga estranhas, que eu invariavelmente associava ao PF do Mangueira Mall (uma espécie de shopping ao lado do meu trabalho onde eu de vez em quando bato um pratão de arroz com feijão, fritas e algo que se assemelha a algum tipo de carne). Achava muito justo passar mal por comer batata frita, afinal eu fui criada em escola católica e tenho o binômio pecado X castigo internalizado no meu DNA.

Perdi um pouco de peso desde o início dos sintomas, mas até aí achei super normal: achei que estava perdendo peso por causa da corrida, da felicidade, do céu azul, sei lá mais por quê. Foi quando eu comecei a sentir náusea intermitente e a ter umas laricas bizarras (de baconzito, de queijo com mostarda, feijão com abacaxi, etc) que eu passei a achar que podia estar com algum distúrbio gastroentérico digno de nota. Passava dias sem sentir nada de anormal, até que os sintomas voltavam e eu dizia a mim mesma: Caraca, essa doença de Crohn tá me matando, melhor procurar um gastro pra ele pelo menos descartar o diagnóstico de rabdomiossarcoma.

Em vez de gastro, contudo, procurei um colega meu do hospital veterinário que trabalha no laboratório de parasitologia. Conversamos:

- Querido, você acha que eu posso estar com giardíase? Os cães têm giardia e ficam perfeitamente bem, até que rola um episódio ou outro de diarréia e vômito, eles devoram umas coisas estranhas, mas tirando isso a vida segue alegremente.
- Querida, você anda comendo salada na rua?
- Sim, ué. Como salada, sempre comi. Na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê.
- Então, me desculpe, mas você está é com ameba.
- Nã! Ameba?!? Ha ha ha. Só acredito vendo.
- Ué, então é só ver: numa lâmina, no meu microscópio.

Ele quis dizer, mas não disse (porque é fino): o seu cocô numa lâmina, no meu microscópio.

Adiei o quanto pude essa pesquisa, mas meu bárbaro apetite exótico só fazia aumentar e eu já estava vendo a hora em que eu comeria uma esponja dupla face, como fazem os labradores, ou roeria um pé de mesa ou um canto de parede, como fazem os filhotes endoparasitados. Resignada (e um pouco humilhada), levei o MIF pro meu colega, que logo em seguida me trouxe a notícia que eu estava criando uma quantidade surpreendente de amebas em minha barriguinha murcha.
(Isso tirou o peso de anos de quimioterapia das minhas costas.) Ele mesmo me prescreveu um remedinho de uso humano, eu tomei, e fomos felizes para sempre.

Confesso que sentirei saudade das amebas quando voltar a converter em banha corpórea tudo o que eu deveras como, mas que isto sirva de alerta a todos aqueles que comem salada na rua (ou no Peru, tanto faz). O IJV recentemente fez um levantamento da ocorrência de infestação parasitária em saladas cruas de self-services do centro e da zona sul da cidade, e os resultados são definitivamente impressionantes. É de fazer a gente repensar a batata frita, porque amebas raramente resistem a uma fritadinha.

Tree Hugger by Antsy Pants and Kimya Dawson

Ando encantadíssima com a trilha de Juno. A coisa mais fofa dessa animação é a dedicatória no finalzinho. :)


The flower said, "I wish I was a tree,"
A flor disse, "Queria ser uma árvore"
The tree said, "I wish I could be
A árvore disse, "Queria ser
A different kind of tree,
Um outro tipo de árvore,
The cat wished that it was a bee,
O gato queria ser uma abelha,
The turtle wished that it could fly
A tartaruga queria poder voar
Really high into the sky,
Bem alto no céu,
Over rooftops and then dive
Por cima dos telhados e então mergulhar
Deep into the sea.
Lá no fundo, dentro do mar.

And in the sea there is a fish,
E no mar tem um peixe
A fish that has a secret wish,
Um peixe com um desejo secreto
A wish to be a big cactus
Desejo de ser um grande cacto
With a pink flower on it.
Com uma flor rosa no topo.

And in the sea there is a fish,
E no mar tem um peixe
A fish that has a secret wish,
Um peixe com um desejo secreto
A wish to be a big cactus
Desejo de ser um grande cacto
With a pink flower on it.
Com uma flor rosa no topo.

And the flower
E a flor
Would be its offering
Seria sua oferenda
Of love to the desert.
De amor ao deserto,
And the desert,
E o deserto,
So dry and lonely,
É tão árido e solitário,
That the creatures all
Que todas as criaturas
Appreciate the effort.
Apreciariam o esforço.

Et le chacalot a dit:
E o jacalope disse:
"Je voudrais être un yéti
"Queria ser o abominável homem das neves
Pour voler dans la nuit
Para voar à noite
Et m'envoler loin d'ici"
Pra bem longe daqui"
Mais le yéti a dit:
Mas o abominável homem das neves disse:
"Je veux être un monstre marin
"Quero ser um monstro marinho
Pour pouvoir sauter dans la mer
Pra poder saltar no mar
De tous les requins"
De todos os tubarões"

And the rattlesnake said,
E a cascavel disse,
"I wish I had hands so
"Queria ter braços pra
I could hug you like a man."
poder te abraçar como um homem."
And then the cactus said,
E aí o cacto disse,
"Don't you understand,
"Mas será que você não percebe,
My skin is covered with sharp spikes
Sou coberto de espinhos
That'll stab you like a thousand knives.
Que te cortariam como mil facas.
A hug would be nice,
Um abraço até que seria bacana,
But hug my flower with your eyes."
Mas, em vez disso, abrace minha flor com seus olhos."

sexta-feira, junho 12, 2009

Eddie Amador vs Eddie Cumana Feat. Alan T vs Papa Joe "NOW" Video Enzo Ginosa Remix

Verão na Maçã Maluca. Minha irmã está nesse clipe, senão não seria a Maçã Maluca (porque o Obama sozinho, coitado, jamais sustentaria minha tolerância ianque).

Van'Or leiloa: Cristina A., portuguesa, linda, querida e maravilhosa

Conheci a Cristina pelo blog, ou meu ou da Cora, agora não lembro, e passei momentos deliciosos com ela em 2007, quando uma desilusão amorosa, seguida de notícia de morte, me levou a Portugal em pleno verão europeu. Nada mau, sobretudo quando a companhia alegre e espumante dessa musa lusa ajudou-me a reencontrar graça na vida nos cenários mais estonteantes de Lisboa. Juntas, pusemos velas a Santo Antônio, que em Portugal se grafa "António", debochamos dos homens que morrem de medo de nós, ouvimos alguns fados, bebemos alguns vinhos, choramos com os poemas marinhos de Sophia de Mello Breyner Andresen e, obviamente, selamos uma amizade eterna, da qual ora me imbuo para aqui leiloá-la como peça rara da espécie humana - uma mistura incrível e refinada de surfista, iogue, sushi-woman e curadora de arte, que, se ninguém quiser, eu quero: e aí estará declarada de vez minha bissexualidade altamente, irritante e irreversivelmente seletiva, a ponto do impossível.

Com vocês, minha musa-lusa, Cristina A.:



Van'Or diz:
Minha musa lusa, meu raio de sol patrício, meu pastelzinho de Belém! Vou passar o feriado de hoje (e amanhã) a lembrar de nossa romaria à capela de Santo Antônio, de nossa fé expressa em velas coloridas, cujas cores nem me recordo mais, mas certamente cores de amores, de esperanças de amores, enfim, cores de mulher.

E esse puto desse santo nem pra valorizar tanto frufru!!! Este ano, mais uma vez, vou ter de colocá-lo de castigo, de cabeça pra baixo e sem o menino Jesus, dentro de um copo de água ardente, que é pra ele ver o que é bom pra tosse!

E Cristina, para nosso deleite auditivo, diz:
As velas eram liláses, apesar do livro de Magia Branca recomendar rosa. Mas à falta destas nas lojas da Baixa, optaste pela cor lilás que é vizinha do rosa. Afinal, a santidade do santo deveria dar mais valor à intenção do que a esses detalhes supérfluos. Mas pelos vistos, ele é do tipo rigoroso.

Fizemos os nossos rituais, com o carro parado em segunda fila, com um grupo de italianos a olhar para nós, acreditando, de certeza, que se tratava de alguma tradição vinda lá dos confins da Idade Média (quem sabe se não foram comprar velas de mesa liláses).

Rumámos para Alfama e pedimos uma garrafa de vinho branco, convencidas do quão enternecido estava o Santo António e que rápidamente seríamos atendias nas nossas preces.

Este ano deixo o Santo em paz, não sou de insistir com quem não me quer ouvir. Quem sabe, ele não me ama tanto, tanto, que não suporta a ideia de ver a minha alma (e não só) entrelaçada com um homem maravilhoso de carne e osso. Fico à espera que ele se resolva.

Até lá, não ficamos nem bem nem mal. Não temos tido conversas particulares. Aproveito as festas dele. Como sardinhas, bebo um bom vinho tinto e ele que pense se valeu a pena decepcionar uma mulher que confiou nele. Se por acaso ele pensa que não há homem que me mereça, espero que deixe de ser tão cauteloso e tenha fé na Humanidade; deixe um "tal" vir até à minha vida e logo lhe contarei se ele estava certo ou não. Eu até nem sou orgulhosa e com humildade lhe darei razão se tal suceder.

Acho, honestamente, que o Santo António tem um caso mal resolvido connosco. E pendente. Esperemos que do alto da sua sabedoria também ele saiba repensar as suas decisões. É que nunca é tarde para a redenção.

***

Regras para o leilão: os lances serão enviados secretamente pelo mulhersolteiraprocura arroba gmail ponto com. A identidade dos candidatos não será revelada. Aquele que tiver o melhor lance, o melhor texto, o melhor jogo de cintura, poderá faturar essa portuguesinha encantadora e encantada com o Brasil, com os cariocas e completamente aberta a relacionamentos além-mar. Como leiloeira, só tenho a dizer que a escolha é dela, somente dela, e e eu tenho mesmo muita pena de quem a quiser e não a conseguir, porque eu sei bem o que é almejar tão alto e ter apenas as estrelas intocáveis do céu como prêmio de consolação. A todos vocês, boa sorte!

Modéstia

No café da manhã de hoje, perguntei à minha mãe:

- O que você vai dar de presente de dia dos namorados pra esse aí? - e apontei com o beiço meu pai, que respondeu por ela:
- Se não me tomar nada, já está muito bom.

A modéstia torna a gente mais feliz.

quinta-feira, junho 11, 2009

Da falta de assunto

Eu poderia escrever sobre Budapeste, que eu acabo de ler pela terceira vez, e de como eu sempre me encanto com a forma que o Chico encontrou de transformar a linguagem, ao mesmo tempo, em objetivo dramático, personagem, mulher amada e substância etérea pela qual o ego se volatiliza com o alterego. Mas acho isso óbvio demais.

Poderia dizer que acho mortífera a forma como os noticiários esmiuçam o trabalho de resgate e reconhecimento dos corpos provenientes do acidente com o airbus francês, abordando desde o esquema especial de trânsito nas proximidades do IML, até detalhes técnicos da perícia médica que nos fazem pensar, já no início do dia, não na fragilidade da vida, porque isso é clichê, mas na fragilidade da identidade humana. Passamos grande parte da vida sem saber quem somos e, quando morremos, sobretudo se nossos cadáveres forem dar ao mar, também podemos passar boa parte da morte sem saber quem somos. Mas acho este assunto mórbido demais. Existencialista demais.

Poderia falar de como troquei os médicos de pronto-socorros, que invariavelmente têm doze anos de idade, pelo autodiagnóstico e, claro, pela automedicação, mas não trataria desse assunto sem saber ao certo se fico feliz por ser uma boa veterinária de mim mesma ou se triste por ser apenas mais uma vítima na mão de profissionais desmotivados (por todos os motivos tristes que levam uma criatura a esse estado de abandono).

Também poderia dizer que entre a tua casa e a minha há uma ponte de estrelas, mas disso já falou Mário Quintana, e quando penso em todas as coisas belas que já foram ditas por todos os poetas, chego a pensar, com um certo enfado, que é chegada a hora de inventarem novas coisas belas, pois acumula-se um excesso de exaltações poéticas para as antigas. É como olhar pra lua cheia com a vã esperança de que haja qualquer coisa de novo a se dizer sobre ela, sobre como ela parece ter olhos, e como esses olhos parecem nos fitar com pena, se não pela falta de ineditismo lírico, certamente por nossa falta de assunto.

Porque não há nada de novo sob a luz da lua.

PS: e por falar em falta de assunto, o jornal acaba de anunciar, em edição extraordinária, que as correntes marinhas nos locais de busca do AF447 deslocam corpos e destroços a 1 km/h. Só faltou dizer se os resgatadores sabem (ou não) pra onde, que é só isso que a gente quer saber, afinal.

segunda-feira, junho 08, 2009

Homens de terno

Outro dia vi uma matilha de homens de terno atravessando a rua. Observei como o terno alfa parecia contar vantagem de seu corte moderno e caimento perfeito aos ternos mais modestos do bando. Algumas barrigas salientes despontavam discretamente sob ternos que balançavam ao sabor do vento gerado pelas passadas largas das calças vincadas e meias escuras com sapatos de cadarço muito tristes, muito pretos, muito lustrados. Eram seis homens de modelos e andares diferentes, mas o terno os transformava em patéticos clones desvitalizados que entram em piloto automático das nove às seis (e só atonam à vida quando finalmente livram-se da gravata e atiram o paletó sobre alguma poltrona).

O sinal abriu e eu pensei: os homens de terno me enchem de pena.

É natural que muita gente pense que um bom terno deixa qualquer homem elegante. Era uma vez um homem elegante que um belo dia vestiu um terno, e a partir daí o terno virou sinônimo de elegância e uniforme de trabalho chato. Talvez eu seja a pior pessoa do mundo pra julgar a elegância (ou deselegância) alheia, primeiro porque meu trabalho não é chato, e depois porque eu tenho um estilo tipicamente desgrenhado, misturo tênis com pijama, vestido com roupa de ginástica, jeans com todas as coisas e perco mesmo m-u-i-t-o p-o-u-c-o tempo da minha vida pensando nesse tipo de coisa. Mas sempre que penso num homem de terno, penso em peixes asfixiados em aquários de águas estagnadas. Ou em cãezinhos de sapatos, ou poodles de saia, ou canários engaiolados. E aí eu sinto uma aflição danada. Uma vontade infinita de oferecer ajuda. Os homens de terno me enchem de ternura e solidariedade.

Sei que os homens de terno, sobretudo os de terno alfa, que vestem gravatas de mil reais, não precisam de mim para nada. Sei que eles desprezariam meus cabelos curtos e cacheados, desaprovariam meus sapatos de salto baixo, teriam vergonha de minhas unhas curtíssimas sem esmalte e ririam-se de meus moletons macios com furinhos de estimação. Sei que olhariam pro meu relógio e calculariam, automaticamente, quantas vezes mais valem os seus estimados roléquisses. E quando vissem meu veículo estacionado à porta - uma bicicleta velha com uma cestinha enferrujada - instantaneamente me taxariam de preguiçosa, medíocre e desprovida de ambição. Os homens de terno me dão nojo!

Mas eu sei que por baixo de um terno, existe uma camisa clara, e por baixo dessa camisa às vezes existe um coração. Então, pra perdoar um homem de terno, gosto de imaginá-lo sem calças, de samba-canção e meias pretas até os joelhos, as pernas brancas e finas demais em relação ao resto do corpo, a barriga implorando pra escapulir pelos botões e a dignidade ferida de qualquer ser humano flagrado sem calças em qualquer situação. Tire as calças de um homem de terno, e você entenderá porque os homens de terno me matam de rir.

Pensando bem, eu até gosto dos homens de terno. Mas, ainda assim, eu os prefiro sem.

Porra e ponto final

Andei passeando pelo blog do fodástico Lucas Landau, meu misto de muso e garoto prodígio que, além de tirar as fotografias mais incríveis do planeta, também tem um texto delicioso. De seu espaço geral, roubei este textinho hilário:

Linguagem dos jovens: palavrão!

(por Lucas Landau)

Conversa ouvida sexta, num daqueles quiosques na porta da PUC. Fala o vendedor, um senhor de uns 65 anos, com uma cara bem abatida, magrinho, cabelo grisalho, nariz grande, rosto cheio de rugas:

-- Não entendo essa nova geração. Falam palavrões demais.

A interlocutora é uma jovem estudante do primeiro período de comunicação social:

-- É mesmo, o palavrão já faz parte da linguagem dos jovens. É foda!


PS: Para conhecer o portfolio do artista, visitem o Paraíso)

domingo, junho 07, 2009

Pierre Verger


Pierre Verger
Originally uploaded by Van-Or

Fashion Rio


Fashion Rio
Originally uploaded by Van-Or

Amor com jeito de virada

Adorei a programação do Viradão Carioca, mas nem preciso dizer que não fui a nenhum espetáculo do evento. Não só porque é difícil escolher, numa lista de 300 coisas, o que fazer em apenas 2 dias num palco cultural que se estende de Bangu ao Leme, mas também porque, à exceção do carnaval, e talvez por causa do avançar da idade (que me está deixando mais medrosa a cada dia), acho que perdi a coragem para as grandes aglomerações formadas em torno de shows (e outros eventos culturais) gratuitos.

Agora que o final de semana está chegando ao fim, e porque eu perdi as duas apresentações do Boitatá no Viradão, estou sentindo um misto lânguido de preguiça com vontade-danada de conferir o show de Pedro Luis e a Parede na Praça XV, mais tarde. A preguiça é porque, se eu realmente chegar ao local do evento às 19h, acabarei sem coragem de voltar pra casa antes do show do Lulu Santos terminar - o que não deve ocorrer antes das quatro da matina de segunda. Ou seja: seria uma noite de virada.

Ih, peralá, senti um comichão: Tico acaba de fazer uma sinapse extravagante com Teco! Então deve ser por causa desses horários esdrúxulos que o evento se chama Viradão. (ou talvez esta seja apenas mais uma expressão com a palavra "virada" cujo sentido me escapa, como em "Pintura Íntima", do Kid Abelha.)

sábado, junho 06, 2009

O alívio preto

Porque eu sou curiosa; porque eu sou ansiosa; porque eu não consegui - nem mesmo com o auxílio luxuoso do meu superego super malvadão, que tem um talento único pra escancarar o que há de pior em mim - imaginar o que eu ou meu fantástico colega poderíamos ter feito pra motivar um cliente a nos livro-pretar, acabei ligando pro diretor pra saber what-the-fuck ficou registrado para todo o sempre no livro preto contra a gente.

Ele riu da minha curiosidade e disse que a reclamação era sobre o tempo de espera: segundo o cliente queixoso, os veterinários estavam se demorando muito no consultório.

Num lugar onde a consulta custa R$13,11, dá orgulho saber que o tempo de consulta não acompanha o preço: é o tempo que for necessário. Eu teria uma vergonha infinita se o livro preto registrasse exatamente o contrário.

(Ou seja: eu estou de parabéns!!!)

sexta-feira, junho 05, 2009

O livro preto

Todo estabelecimento que se preze tem um livro preto pra que o cliente registre reclamações. O livro preto, em tese, também serve para o registro de sugestões e elogios, mas todos sabemos que quase ninguém perde seu precioso tempo elogiando ou edificando o outro, de forma que o livro preto se tornou um ícone do esporro, um banco de dados medieval com páginas numeradas que registra, para todo o sempre, a indignação de um cliente, tendo ele razão ou não. O pior do livro preto é que ele é público. É como guilhotinar a cabeça de um criminoso e deixá-la exposta em praça pública pra que todos vejam que o crime não compensa.

Experimentem chegar numa repartição qualquer, privada ou pública, e dizer: "Eu quero o livro preto, e quero já!". Todos os funcionários tremerão nas bases. Uns por medo de ter seu passado obscuro revelado, outros por medo de terem a honra maculada por uma reclamação perpétua. Ante tão perturbador pedido, que paralisará toda a repartição, o funcionário mais velho da casa abaixará os olhos, abrirá o claviculário com uma chave que pende de sua cintura, pegará um molho de chaves que ninguém nunca usa, abrirá o ficheiro do final do corredor e de lá trará até o balcão de atendimento um livro preto de capa dura com as orelhas rotas onde se lê na capa: "RECLAMAÇÕES". Em tom solene, o funcionário entregará o livro ao cliente como quem dá um filho seu ao carrasco. Uma vez que o cliente ponha suas garrinhas no livro, todos na repartição fingirão voltar a seus afazeres, mas todos tentarão passar pelo balcão de cinco em cinco segundos pra ver o nome de quem está sendo maculado para todo sempre naquelas mal traçadas linhas.

A maior glória de um cliente é abrir o livro preto pra fazer reclamação contra um fulano e lá encontrar outros registros contra esse mesmo fulaninho, um verme desprezível que afinal já deveria ter sido demitido há muito tempo! O cliente queixoso profissional fará uma busca nas reclamações anteriores pra verificar o grau de reincidência do miliante e poder acrescentar a seu texto: "Observem que esse tipo de falha já está internalizado no comportamento do supracitado funcionário - vide reclamações dos dia tais, nas página tais." Esqueçam a democracia e o reforço positivo: nada surte efeitos tão imediatos no ser humano quanto a manipulação macarthista. O livro preto é um resquício da ditadura.

Não é só o cliente que se vale do livro preto pra semear a cizânia. Os próprios funcionários do estabelecimento gostam de basear cientificamente suas fofocas nele:
- Nossa, fulano é um fofo queridíssimo, não é mesmo?
- Hum, há controvérsias: em 1978, fizeram uma queixa dele no livro preto.
- Jura?!? Eu jamais poderia imaginar uma coisa dessas!
- Pois é, menina, pra você ver como as aparências enganam...

***

E eu falei tanto assim do livro preto porque ontem, num dia agitadíssimo na clínica, em que os clientes estavam particularmente revoltados com a velocidade do nosso atendimento (alguns casos demoram mais do que outros, e ontem estávamos cheios de casos complicados), o diretor entrou na minha sala pra dizer que tinham feito um registro contra a equipe de clínica médica no livro preto. Eu estava com um termômetro enfiado no reto de um Yorkshire quando recebi a notícia, e este não é o melhor lugar para se estar num momento desses. Meu diretor percebeu que eu fiquei abaladíssima, e disse:
- Não se preocupe. Não foi nada de mais.

Falei pro meu colega de equipe que tínhamos de consultar o livro preto pra ver que tipo de merda tão irreversível havíamos feito pra merecer uma coisa dessas (o livro preto é uma espécie de superego externo) e ele também ficou um pouco abalado, mas seguimos com nossas rotinas, com nossos cachorros e nossos gatos, porque a vida é isso aí: a vida segue! Quando liberamos o último cliente, o expediente já estava encerrado havia muito tempo, de forma que o livro preto já estava completamente trancafiado no arquivo do fim do corredor com chaves que só o funcionário mais antigo da casa seria capaz de identificar, e por isso ficamos sem saber o que foi reclamado de nós. Sem dizer uma palavra, parecia que nós dois revisávamos mentalmente todas as palavras proferidas e gestos daquele dia pra ver onde poderia estar a fonte da reclamação. Despedimo-nos com um abraço cúmplice e palavras carinhosas:
- Obrigada por drenar o tórax daquela gatinha pra mim; ela não teria chegado à UTI daquele jeito.
- E você fez muito bem de puncionar a bexiga daquele cocker com obstrução uretral. Com a dor que ele estava sentindo, não seria bom candidato a cirurgia alguma.

Então fomos pra casa com a forte sensação de dever cumprido, mas com a ciência triste de que nem sempre nos reconhecem pelos nossos méritos, e sim pelos nossos deslizes.

quinta-feira, junho 04, 2009

Encontrado

No início da semana, quando dei um rolé pela Rua da Amargura, que fica num bairro super ghetto da alma, acabei encontrando por lá meu superego malditinho querido. Estávamos os dois tão sorumbáticos e amuados, que acabamos fazendo as pazes sem muito colóquio. Eu disse que não podia me amar demais que acabava ficando deprimida; ele disse que não sabia viver sem me escrotizar, embora ele só faça isso por amor - que o meu superego me ama, me ama muito (o que é muito natural, pois é muito fácil me amar assim - ok, talvez este seja um ranço da época em que o superego malvadão me faltou). Então nos abraçamos, nos beijamos e fomos felizes para sempre.

Falei pro meu superego que estou gostando de um cara que não pode gostar de mim, e foi só eu dizer isso pra ele começar a me horrorizar e dar nomes terríveis para todos os meus 20 dedinhos podres. Segundo ele, eu padeço de putrefação digital crônica e seria muito mais feliz se meus dedos finalmente caíssem. Mas não! Eu tenho de usar esses dedinhos podres pra escolher (a dedo!) justamente as pessoas mais erradas pra mim.

Um parêntese aqui: como eu senti saudade do meu superego maldito! Nossa relação é tão mágica, a gente se entende tão bem... Nada contra as criaturas que se amam demais. Em "Comer, Rezar, Amar", por exemplo, surge um personagem de auto-estima fantástica que diz algo do tipo: "Esta roupa não me favorece, mas eu me amo tanto que não consigo me achar feia." Eu juro que achei essa mulher bacana, mas quer saber? A gente tem de desconfiar de uma pessoa que não consegue se achar feia, porque ou ela é lobotomizada, ou é colega de prateleira da Barbie - e a gente nunca deve acreditar em seres que não articulam as perninhas.

Enquanto isso, meu superego bonzinho parece um pouco enciumado. Logo ele, que achou que dessa vez iria me conquistar; logo ele, que achou que o sumiço "do outro" abriria minha alma e meus ouvidos pras coisas legais que ele sempre tem pra me dizer (declarações controversas como "eu adoro a sua voz, mas prefiro que você não cante"); logo ele, que aparenta o cansaço existencial de quem espera na fila há décadas pra que eu me apaixone por ele. Os anos passam e eu continuo me apaixonando por uma multidão de homens (errados) - mas a vez do meu superego bom nunca chega. Quem mandou ele ser bom pra mim?

"Enquanto não encontro o homem certo, sigo me divertindo com os errados." So true, baby. So damn true.

segunda-feira, junho 01, 2009

Garoto

Hoje fiquei engarrafada ao lado de um outdoor que me lembrava da iminência do Dia dos Namorados, uma data mera e irritantemente comercial que, além de vender flores e outras coisas cafonas quando fora de contexto, só serve pra deprimir o contribuinte declaradamente solteiro e sozinho. Ou veladamente solteiro e sozinho, porque o pior sozinho é aquele que está acompanhado. No meu aipode, tocava a faixa "Garotos", do Leoni. Então, porque eu sou capaz das associações mais criativamente inusitadas, subitamente caí em depressão.

Tentei lembrar das desculpas que ele dava pra desaparecer numa sexta à noite. Estava numa reunião, estava numa ponte aérea, estava morto-cansado-e-dormindo, esqueceu o celular no trabalho, o celular caiu num rio, dormiu na casa da mãe. A mãe às vezes confirmava, às vezes não; às vezes sentia pena de mim, às vezes não. E eu notava - porque eu não podia deixar de reparar - que ele chamava todas as mulheres de "minha linda". Tirando sua própria mãe, eram todas "suas lindas", sem exceção: da faxineira à gerente do banco. E eu perguntava, intrigada: mas você acha que ela é linda mesmo ou tá de sacanagem? Na verdade, eu queria dizer: "você tem de seduzir todas as mulheres do mundo na minha frente ou tá só de sacanagem com a minha cara?". E ele dizia que era mania, e mania é coisa contra a qual não se luta, sobretudo se é uma mania que não faz mal a ninguém. Embora se julgasse esperto, perto de uma mulher, ele era só um garoto. E eu fui louca por ele assim, sabendo que ele era só um garoto; e sabendo que ele nunca seria só meu. Fui louca por ele a minha vida inteira e confesso que não estava preparada pra viver sem ele.

Às vezes eu sinto tanta saudade que me sinto deslocada. É como se a vida fosse uma festa onde eu só vim parar de penetra.

Às vezes eu acho que Deus é um puto escroto.