Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

sexta-feira, novembro 28, 2008

Feira Brasil Rural na Marina


Feira Brasil Rural na Marina
Originally uploaded by Van-Or
Está o máximo isso aqui, show de samba jongo, pequi, visual incrível, cordelistas, aulas de culinária regional gratuitas, mel, muito mel, um Brasil de temperos sensacionais. Estou emocionada!

quinta-feira, novembro 27, 2008

É o fim.

Hoje o William Bonner saiu dos estúdios do Jornal Nacional pra transmitir a tragédia das águas em Santa Catarina ao vivo. Há dias que essa catástrofe tem me mobilizado (e, cá pra nós, me deixou com uma super bad impression de Deus, sinceramente), mas quando o Bonner foi pra lá, deixando a Fátima Bernardes sozinha no Rio, com os trigêmeos e os atentados terroristas na Índia, eu senti que a coisa era séria. É séria, sim, galera: o mundo está acabando.

Outro preságio: minha vizinha se mudou. Tudo bem ela se mudar, as pessoas se mudam, mas ela se mudou sem nem bater na nossa porta pra devolver a xícara de açúcar que pediu emprestado em 1989. Nem pra dizer "ó, vizinhança, tô indo, falô?". Nem pra dar uma satisfação. As pessoas se fecharam, se mudaram, se casaram e nem sequer tiveram a decência de mandar lembranças pra quem ficou. Onde está a Socila, minha gente? Onde estão a etiqueta francesa e a Glorinha Khalil numa hora dessas? O mundo, definitivamente, desceu do salto.

E por último, mas justamente por ser o mais importante, meu sobrinho comunicou hoje à sua vó, minha mãe, que sua coleguinha da escola fez uma merda lá qualquer no jogo de futebol e, por causa disso, ele chutou o chão (em vez da bola) e ficou com a unha do dedão roxa. Ou seja, sua unha do dedão, que o acompanha há longos 6 anos, deu um suspiro derradeiro e ameaça nos abandonar a todos, ensinando a uma criança inocente a mais dura lição da morte e desapego. A avó revoltada, óbvio, se manifestou: "MAS QUE COLEGUINHA DESGRAÇADA, HEIM! VAMOS NOS VINGAR?" E meu sobrinho, lógico, porque ele é O Cara, e porque Ele nasceu sabendo (porque algumas pessoas simplesmente são, ao passo que outras tentam ser), disse: "Não, vovó, que vingar que nada: ela é minha amiga e ela errou, mas ainda assim eu gosto muito dela."

A gente sabe que o mundo está acabando quando um menino de 6 anos prova ter inteligência emocional superior à de sua avó, alguns anos mais velha.

Enfim, preparem-se: daqui pra frente, é só ladeira abaixo. Eu sei que o pessimismo é minha praxe, mas com tanto preságio, a gente tem mais é que se cuidar: capacete, cotoveleira, armadura, camisinha, e isso tudo só pra ver o tempo na janela. A maré não tá pra peixe.

sábado, novembro 22, 2008

Histórias que minha avó contava

Desde que entrou essa última tradução de prazo suicida, eu comecei a assistir a novela das oito. Em minha defesa, tenho a dizer que só assisto novela em casos extremos, e tradução com prazo suicida, definitivamente, é um deles. Todos os dias, religiosamente, depois de ter passado 12 horas na frente do computador, eu ligo a TV para encontrar um estado confortável de ausência mental que possa efetivamente esfriar meus neurônios, e poucas coisas além das novelas da Globo e de duas taças de vinho são capazes de produzir em mim esse estado.

Porque eu comecei a assistir a novela e em 3 ou 4 dias descobri tudo sobre a Ivete, a Donatela, a Flora, a Lara e etc, eu também incorporei à minha rotina televisiva a saudade de minha avó. Nessa novela das oito, há várias situações entre avós e netos, e todas elas me fazem lembrar da minha avó e de suas histórias, de minha avó e suas comidas, de minha avó e de seu amor pela vida, enfim: a atual novela das oito me mata de saudades da minha avó.

A começar pela música que ela cantava:
Que beijinho doce
Foi ele quem trouxe
De longe pra mim
Se me abraça apertado
Suspira dobrado
Que amor sem fim.

Mas não é só isso. De repente eu me lembrei de muitas histórias de minha avó. De como meu avô a abandonou numa casa cravada no meio do nada, com sete filhos, e de como ela se virou pra sustentar a prole sozinha e sem dar na pinta, numa época em que mulher sem marido era mulher mal falada. Minha avó, do dia pra noite, pra sobreviver, passou a dar pensão pra caixeiro viajante. Dar pensão, do verbo vender um prato de comida pra estranhos em sua própria casa, apesar do medo de gente estranha fazer mal às suas meninas. E caixeiro viajante, do substantivo vendedor que vai de uma porta a outra, de uma vila a outra, vendendo coisas que, naquela época, senhôra nenhuma encontraria na esquina do nada com coisa alguma. Da banha de porco ao corte de chita, e às vezes, do susto da chegada à supresa de levar sua menina mais velha pro altar ou pra perdição. E isso tudo sem um homem pra pôr ordem nas coisas num mundo que tinha sido feito sob medida pra eles.

O ofício de dona de pensão gerou muitas histórias, disso tenho certeza. Era uma época em que as pessoas conversavam efetivamente. Era uma época em que se dormia com as galinhas, porque eletricidade não havia, e as conversas ao lampião não podiam ir até mais tarde, porque combustível era luxo de rico.

Aliás, história da minha vó que eu adorava era a do concurso de peidos ao lampião. Ela não era casada ainda, e a noite caía. Havia um punhado de gente nova e sem muito juízo na casa de sua tia, e de repente um primo propôs uma competição: a do maior pum à luz da labareda. Aquele que soltasse o maior pum (direcionado à chama do lampião que iluminava a sala), ganharia. Puseram o lampião no chão. Os primos se aprumariam de cócoras, bundas alinhadas ao lampião, cada um a seu tempo, pra ver quem produziria a labareda mais longa. Aí, quando vovó contava esse causo, eu invariavelmente tinha as minhas dúvidas: "ô vó, eles estavam de calças ou de calças arriadas?" Minha avó desconversava. Eu insistia. Primeiro aos sete, depois aos onze, depois aos vinte anos. E minha avó desconversava. E eu insistia: "Mas vó, seus primos tiraram a calça ou não? Isso é importante, porque o pano da calça podia filtrar o peido, me entende? E uma coisa é o peido na chama, outra coisa é o peido enfraquecido pelo filtro das calças na chama." Mas minha avó desconversava e ia direto ao ponto: e o ponto era que um de seu primos teve a bunda chamuscada pela labareda durante a competição. E eu queria saber: "Mas ele estava de calças ou sem? O fogo pegou na calça ou na pele da bunda?". E minha vó se ria de dar gosto.

Na verdade, nunca importou se eles estavam de calças ou não. Não importa que minha vó, moça casta, tenha visto homens despidos de sua dignidade, prontos pra um concurso de peidos. Só me importa que era isso que embalava seus crepúsculos, mesmo décadas depois, quando já havia eletrecidade em sua casa e o mundo não se importava com famílias desfeitas por homens sem caráter.

E até hoje, quando lembro de minha avó rindo desses concursos de peidos que chamuscavam bundas vivas, tenho vontade, eu mesma, de viver num tempo em que a gente se ria de coisas tão puras.

sexta-feira, novembro 21, 2008

Ele está no meio de nós.

Engraçado que eu passei os últimos 15 anos pensando que o Fábio Junior tinha morrido. Posso estar sendo radical, mas fato é que muitos artistas somem e reaparecem depois de décadas - vendendo água de coco na praia, sofrendo uma humilhação básica no talk-show da Luciana Gimenez, fazendo uma figuração na Ilha de Caras ou tendo filho com um bandido qualquer -, e a verdade é que o Fábio Júnior não é uma dessas pessoas. Pra mim, o cara tinha sumido mesmo, no melhor estilo Lídia Brondi, e qual não foi minha surpresa quando o vi na TV fazendo comercial de perfume. E de carro. E de supermercado. Ahn? Como assim? Fábio Júnior não morreu?!?

Primeiro achei que fosse um sósia e até achei meio mórbido. Pensei: pô, neguinho não respeita nada, nem a morte! O cara taí, coitado, completamente morto e enterrado, mas conseguiram arrumar um outro igualzinho, com a mesma voz e a mesma cara, só que um tanto mais velho. Aí comento com a minha mãe, que é uma pessoa espiritualizada que certamente não acharia bonito ver alguém debochar da morte alheia, e eis que ela me revela, pro meu choque e horror, que FÁBIO JÚNIOR NÃO MORREU.

Caraca. Eu passei mal com a notícia.

Não que a morte ou a vida dele sejam importantes pra mim, mas eu fiquei muito tensa com essa possibilidade de um ser humano ressuscitar. Porque, na minha cabeça, ele ressuscitou. Acho que eu devo ter sonhado com a morte dele, porque, consultando meu arquivo de memórias contigais, que eu realmente guardo apenas por um suspiro nervoso de meu neurônio mais desmielinizado, eu podia lembrar de fotos do velório, com gente famosa vestida de preto e seus narizes vermelhos sem maquiagem, sustentando impenetráveis óculos Jackie O.

Enfim, nada contra o Fábio, coitado, que afinal é Júnior, mas quem me dera que todos os mortos pudessem voltar.

Se tivessem morrido, é claro. E se a gente quisesse, é claro.

segunda-feira, novembro 17, 2008

Primera lección d'hermandad

Introducción:
Hoje, dia 17 de novembro de 2008, Dia Internacional Bilateral de Los Hermanos Brasil y Argentina, vou homenagear meus vizinhos queridos com uma singela composição em espanhol. Ou melhor, em portunhol, que é o melhor que eu posso fazer por enquanto. É isso aí: só faço o que eu sei, sou o que sou, e ah!, eu não douro pílula. Mas sou muito esforçada, acordo cedo todos os dias, tenho dois neurônios perfeitamente sadios, enfim: é isso aí. Estou pronta pra ser a melhor hermana que a Argentina já teve, mas pra poder rolar essa hermandad nagô bonita entre a gente, la gente hay que comunicarse muy bien. Pronto: já estraguei a surpresa. (eu nunca vou poder ser roteirista porque eu sempre conto o final no início, puxa vida.)

Ob-retibo:
O objetivo desta primeira lição de irmandade é fazer um teste de nivelamento do meu espanhol. Todo mundo que começa a aprender uma nova língua passa por essa experiência arquetípica do nivelamento por baixo, e esta ainda é a melhor forma de um aluno descobrir se irá para uma turma de básico zero (ou abaixo de zero) ou uma turma de intermediário ou avançado. Em toda a História da Humanidade, ninguém que tenha feito teste de nivelamento conseguiu passar direto ao nível proficiente, pois isto vai contra a missão social-capitalista das escolas. Todo mundo sempre pode passar um tempinho no purgatório do intermediário, seja lá qual for o nível real da língua estrangeira que a pobre vítima fale.

Como toda brasileira, eu sei que não sou proficiente em espanhol, mas desde que o Lula provou que não é proficiente em português (e conquistou a presidência da república tantas vezes já, apesar disso), creio que a autoestima do brasileiro sofreu um significativo acréscimo, e comigo não foi diferente. Ou seja: nós, de forma geral, continuamos não falando porra nenhuma de espanhol, mas temos plena certeza de que isso não representa qualquer problema de comunicação em viagens ou quetais. Na pior das hipóteses, falamos inglês e, se mesmo assim isto não resolver o impasse lingüístico, passamos aos gritos e mímicas desesperadas. Só que não é assim, gritando e se fazendo de clown de circo, que se cuida de uma relação amorosa, galera. Se é pra amar a Argentina, eu senti a necessidade súbita de falar a língua deles que, infelizmente, não é a nossa. Mas é a do Almodóvar, do Banderas, da Penélope Cruz, do Che Guevara, do Quino, enfim, de tanta gente legal. (depois vou precisar de mais exemplos argentinos, porque se não fosse o Che e Quino, eu tava no sal!)

Tudo isto posto, apresentarei a seguir uma redação escrita por mim em portunhol sem a ajuda o google ou do babel fish (hahaha, pior que é sério - smack, smack: juro por deus!). Então, depois da leitura, espero que vocês me digam sinceramente o quão caído está meu espanhol, digo, portunhol.

No entanto, antes que vocês me ataquem por tentar assassinar a língua de Borges e Neruda, preciso que vocês saibam que todo que sé de espanõl foi aprendido ou nos bailes da vida, ou simplesmente brotou de minha intuição (embora eu confesse que novelas ítalo-brasileiras, como Terra Nostra, tenham influenciado irreversivelmente minha intuição pro espanhol).

Para esta redação, escolhi um tema simples e universal. Nada muito filosófico, porque está provado que só é possível filosofar em alemão. Sem mais, ei-la:

Porqué El Grand Pelé es tan mejor que Dieguito Maradona

Primeramente, sintome moralemente obrigada a empezar mi redaccióne querida decindo que questo tema es bastante controverso, pero se lebarmos en consideracción el tamanõ de la populaccióne brasileña en comparación con la populaccióne argentina, creyo que gañamos em quantidad -- e nadie puede callar la vuez del pueblo, porque la vuez del pueblo es la vuez de dio. E dio, todos lo sabem, es brasileño. Ma como somos todos hermanos, ahora los argentinos también pueden sentirse hijos de dio. (ai, carambita: no tengo cierteza si en portunhol debo decir "dio" o "dios".)

Sin embargo, porque solo se embargan los inimigos, y nosotros somos todos hermanos (hermanos no se puedem discutir, no?)... ai, ai, ai, ai, ai: me ha olvidado lo que queria hablar. Ah, sí: no entonces, los dos (2) jugadores del futbol son (no, no lo son más: fuerón!) maravillosos, verdaderos artistas con la bola al pied, pero Pelé se dedicó más a su image pública, apesar de ter se niegado a reconocer la paternidad de su hija (o de sus dos o tres o más hijas e hijos - ma che garañon descaradito eso Pelé, no?).

No quiero afirmar con esso que Maradona es de todo molto peor que Pelé. (ah no, imagine!) Los dos (2) fueran personages que se quedarán para todo lo siempre en nuestra memória desportoafetiva, pero la verdad, la más pura verdad es que Pelé se mantuve más lejano de confuziones que su coleguito Maradona. Ahora Dieguito es un técnico responsabile de futbol e yo tengo plena certeza de que los años que virán mostrarán al mundo quién es lo verdadero e único Maradona. Pero creyo que Pelé continuará siendo mejor.

Y para encerrar este assunto, creyo que lo pasado deva quedarse al pasado. El más important es doravante, y doravante somos hermanos de buena vontad que devemos unirmonos contra las FARC de Colómbia, que producen todo el pó que nossos craques consómen.

Que así seya!




Conclusão:
E a verdadeira lição de irmandade é esta: para existir amor, há de haver tolerância. Tudo bem que meu espanhol não é nenhuma Brastemp, mas vai me dizer que não é bonitinho eu estar fazendo esse esforço danado! ;-) Argentino que não perceber que eu estou tentando, não merece o meu amor.

sábado, novembro 15, 2008

Podemos começar na segunda?

E antes que me apelidem, preciso dizer que o PeuGuto, O Cara, O Bicampeão de Valentia Laboratorial de Salvador (em sua faixa etária) não é apenas meu sobrinho: é também meu afilhado. Primeiro e único por enquanto. Não queria tripudiar, mas este é mais um caso clássico de Brasil 1, Argentina 0. Mas peralá, gente: muita calma nessa hora: em agosto, esse jogo empata. E o que é melhor: sem agüinha com tranqüilizante nem nada.

Aproveito o ensejo pra dizer que além de aprender espanhol, terei aulas de tango, mas só vou começar quando o Gardel pegar no tamborim. Ou seja, em virtude do Dia da República, decidi começar minha política hermana radical na segunda. Como todo regime que exige muita concentração, vou aproveitar o final de semana para cometer excessos e, na segunda-feira, começar o programa com um detox radical.

Aí, chapeize: na segunda-feira, quero ver todo mundo hermano, beleza? Mas se alguém tiver uma piada inédita de argentino dando bobeira por aí... eu vou achar muito errado, onde já se viu uma coisa dessas!, mas juro que lerei a piada com completo distanciamento crítico e uma visão puramente antropossociológica da coisa.

Biba Larrentina!

Prezados amigos, prezados leitores, prezados todos.

Venho por meio deste post comunicar minha irrevogável decisão de amar a Argentina como se fosse meu próprio país, deixando para trás todas as profanações futebolísticas e críticas comportamentais na forma de piadas. Embora algumas dessas piadas tenham sido realmente hilárias, é verdade, mas essa é agora uma graça ancestral, uma gargalhada fossilizada que, quando examinada com rigor por um paleontólogo experiente em escavações antropossociológicas no futuro, ainda se parecerá com uma gargalhada uterina, mas estará completamente desprovida de energia vital.

Não, meus queridos, eu não me tornei adepta do politicamente correto. Eu me tornei comadre, isto sim. Ou me tornarei, em breve. E como meu afilhado nascerá em Córdoba, Argentina, estou desde já tomando medidas para que ele, em momento algum, perceba que já tenha existido qualquer tipo de rivalidade entre los hermanos y nosotros, e a primeira medida será remover o itálico das palavras em espanhol, porque afinal o espanhol não é tão estrangeiro assim. O mundo já é mau o bastante, meu afilhadinho não precisa passar por essa dificuldade de ser argentino no Brasil. Já basta ele não conseguir dizer avião, pão, mão e não. Se ele vai ser argentino, o Brasil vai ter de se adequar a isso! Para que isto aconteça, basta que todo mundo pare de tirar sarro da cara dos hermanos, pô. Pensem bem: custa alguma coisa? Não. Entonces! Deixa o Maradona ser o técnico da seleção dos caras. A gente não tem nada a ver com isso. E vamos tratar de esquecer daquele triste episódio em que eles doparam nossos jogadores numa partida decisiva da Copa de 1990. Pô, gente... tanta água - dopada ou não - já passou depois disso, vamos deixar essa mágoa passar. O amor conserta tudo, e eu amo a Argentina, amo o tango, amo a milonga, amo o cinema argentino (desde A História Oficial), amo a Patagônia Atlântica, adoraria amar o Borges (mas confesso que nunca li, e estou confessando agora porque uma relação madura e duradoura deve florescer na sinceridade) e amo até a Madona por causa de seu papel como protagonista em Evita. Só não amo, porque isso realmente seria demais pra mim, as manchetes desreipeitosas dos tablóides esportivos argentinos, como o Diário Olé, e essa mania que eles têm de achar que Maradona é melhor que Pelé. Não é, gente. Não é!

A rivalidade entre Brasil e Argentina vai além do futebol e tem raízes históricas, mas é a falta de informação, dos dois lados, que segue alimentando estereótipos e rixas. Por isso, já vou informando que Buenos Aires não é a capital de Brasil e aqui não hablamos espanhol, mas em compensação arranhamos um portunhol muito sorridente e bastante gritado. Ainda vão explicar porque, em geral, as pessoas falam mais alto com quem não entende o que diabos se acabou de dizer. Argentino que não entender esse nosso rompante de boa vontade não merece meu amor, mas não tem problema: assim sobrará mais amor pra dar pro meu afilhadinho, filho da minha sister de metro e ointenta, a Wal.

E por último, but absolutamente not least, recebi um email muito simpático de Guillermo Martin, um leitor hermano de Córdoba que realmente me fez apressar a implementação de estratégias pessoais para o estreitamento das relações entre Brasil e Argentina. A primeira delas será aprender espanhol, porque quando eu vi um email em castellano em minha caixa postal, senti uma aflição danada, suei frio e tive medo de não captar a mensagem, mas eis que, para minha agradável surpresa - e contrariando minha crença adolescente - o português brasileiro é hermano o bastante do castellano argentino. Mesmo assim, eu quero aprender espanhol pra não ficar rouca de tanto gritar com os argentinos que não entendem nada do que eu falo. Eu fico rouca com facilidade, é isso.

Biba Larrentina!!! Biba!!!

domingo, novembro 09, 2008

Check-up

Meu sobrinho foi ao laboratório de análises clínicas com seu pai, mermão, fazer um exame de rotina. "Exame de rotina?!?", perguntei pra minha mãe. "Mas O Cara só tem 6 anos!". Mas era rotina. Vai ver que em Salvador as crianças de 6 anos fazem muito check-up, e talvez por isso eles aguentem mais pimenta do que nós todos, mas o enfoque aqui não é esse. Meu sobrinho e meu irmão foram a um laboratório que emite um certificado de coragem a todos os clientes que saem da cabine de coleta sem chorar. Meu sobrinho, claro, já ganhou um desses uma vez. E foi justamente por não querer quebrar a tradição de bravura familiar que meu irmão resolveu levar meu sobrinho pro setor de coleta de adultos, porque no setor de coleta de sangue das crianças, havia uma gritaria de criança chorando e se esgoelando danada.

Quem é pai sabe que ouvir crianças gritando e chorando num lugar onde você acabou de levar seu filho pra ser deliberadamente perfurado causa, definitivamente, uma má impressão, e isso pra dizer o mínimo. Sentindo as patinhas suadas de meu sobrinho em suas mãozonas, meu irmão tomou a decisão certa: saiu da pediatria e levou-o ao setor onde ninguém chorava. O setor dos adultos. Economistas chatos poderão questionar a decisão e dizer que, estatiscamente, adultos choram menos que crianças, mas quando se é pai, e quando é seu filho que pode chorar - e por isso perder o certificado de bravura laboratorial - manipular fatos e estatísticas é o que menos importa.

No setor de adultos, uma mulher de avental branco sentou meu sobrinho numa cadeira de gente grande, mostrou que a agulha era descartável -- tipo assim, foda-se, uma criança de seis anos costuma desprezas bastante esse tipo de coisa, e aliás: uma agulha exibida antes de sua trajetória perfurante pelas profundezas do corpo humano costuma causar uma péssima impressão --, e meu sobrinho foi se encolhendo na cadeira. Foi ficando ainda menor ali, suas veias foram sumindo e, depois de 3 tentativas frustradas de vampirização, o moleque começou a chorar. É óbvio, minha gente: não foi falta de valentia, não! Foi muito abuso, isso sim, daquela gentinha sem noção! E quando O Cara começou a chorar, meu irmão começou a ficar nervoso, e aí... bem, o que vou dizer é um bocado embaraçoso, mas meu irmão, o pai do meu sobrinho, chorou também. E chorou muito.

O resultado disso é que meu sobrinho ganhou um certificado de valentia porque, eventualmente, parou de chorar. Mas meu irmão, não: ele não ganhou seu certificado de valentia. Foi um vexame danado. Meu sobrinho ficou consternadíssimo. Por essa, ele não podia esperar.

O mais bonitinho é que ele quis dar pro pai seu certificado, porque afinal já tinha um. Natural que ele tenha sentido muita pena do pai, poxa vida, afinal seu Papai-Ito chorou por sua causa, e se não fosse por isso, teria recebido o atestado de coragem.

E quando minha mãe perguntou pr'O Cara se, afinal, tinha doído ou não a espetada, ele pensou bem, demorou bastante pra responder e disse: "Hum... Não." A gente acha, contudo, que ele mentiu pra que ninguém mais fique chorando por ele. Essa família já tem muita gente frouxa, e o super PeuGuto achou melhor não facilitar.

sábado, novembro 08, 2008

O tom da cor (por Míriam Leitão)

O tom da cor
Postado por Míriam Leitão e Leonardo Zanelli
(In O Globo, Panorama Econômico, 7.11.2008)



Só há o pós, depois do antes. Só se chega, depois da caminhada. Só se reúne o que esteve separado. Entender a diferença não é querê-la, pode ser o oposto. A imprensa brasileira, tão capaz de ver as desigualdades raciais dos Estados Unidos, tão capaz de comemorar um presidente negro, prefere, em constrangedora maioria, o silêncio sobre a discriminação no Brasil.

Lendo certos artigos, editoriais e escolhas de edição sobre a questão racial no Brasil, me sinto marciana. Sobre que país eles estão falando, afinal? Com que constroem argumentos e enfoques tão estranhos? Por que ofender com o espantosamente agressivo termo “racialista” quem quer ver os dados da distância entre negros e brancos no Brasil? Não é possível estudar as desigualdades sem pesquisar as diferenças entre os grupos. Não se estuda sem dados. No Brasil, há quem se ofenda com a criação de critérios para levantar os dados de cor como se isso fosse uma ameaçadora “classificação racial”.

Veja-se a cena que está nas abundantes e belas imagens da vitória americana. Há várias tonalidades de pele no grupo que se define como afro-americano. Aqui, sustenta-se que miscigenação é exclusividade nossa e que ela eliminou as diferenças. Os pardos (ou mulatos, como alguns preferem) e os pretos (como define o IBGE) estão muito próximos em inúmeros indicadores e estão muito distantes em relação aos brancos. Medir a distância que ambos têm em relação aos brancos não é uma forma perversa de negar a miscigenação. É constatar que ela não eliminou a desigualdade. Medida a distância, é preciso conhecer suas razões. Só assim é possível construir as pontes que ligam as partes.

O presidente Barack Obama fez a campanha por sobre as diferenças raciais, por vários motivos. Primeiro, por estratégia eleitoral: falava para um país de eleitorado majoritariamente branco. Qualquer candidato que escolha apenas um grupo perde a eleição. Ganha-se a eleição construindo-se coalizões. Ele formou a dele com os 90% de votos dos negros, 60% de votos dos latinos e 45% de votos dos brancos. Como há muito mais brancos no país, em termos numéricos, recebeu em termos absolutos mais votos de brancos. Vitória americana sobre sua própria História.

Outro motivo é que ele veio “após”. Ele não precisava do discurso de reivindicação de direitos, porque ele já foi feito na gloriosa caminhada que conquistou tanto. Um esforço que exige novos passos, mas que é extraordinariamente bem-sucedida.

Obama não precisava acentuar sua condição de negro. Ele é. Por isso, os jornais do mundo inteiro comemoraram “o primeiro presidente negro”. Ele também é filho de branca, mas por que isso não causa espanto? Ora, porque os brancos são a etnia dominante. A novidade está em sua origem negra. O jornalismo destaca o novo, e não o fato banal.

Certas análises no Brasil se perderam em encruzilhadas, tentando adaptar os fatos às suas interpretações do que sejam as diferenças entre os dois países. Lá e cá houve e há discriminação. Lá, não negaram e evoluíram. Aqui, nos perdemos em questiúnculas desviantes, quando o central é: há desigualdades raciais e elas são intoleráveis. Pessoas que pensam assim se esforçam para entender as razões e as raízes das desigualdades, se debruçam sobre os dados, não negam problema existente. A libertação vem da verdade conhecida.

Quem não sabe, a esta altura, que o conceito de “raça” é falso? É bizantino repetir isso. Discutir a desigualdade racial não é a forma de “racializar” o país, mas sim constatar um problema, criado sobre um artificialismo, e que exige superação. Racializado ele já é, com esta vergonhosa ausência dos negros (pretos e pardos) de todos os círculos de poder no Brasil.

Comemorar a vitória em terra alheia, negando a existência da derrota em casa, é uma escolha que tem sido feita com insistência no Brasil. Na festa de Obama, isso se repetiu. Aqui se vai da negação do problema à condenação de todo tipo de instrumento usado para enfrentá-lo. Tudo é acusado de ser “racialista”: constatar as desigualdades, apontar suas origens na discriminação, tentar políticas públicas para reduzi-las. Argumentam que temos que melhorar a educação pública. Claro que temos, sempre tivemos. É urgente que se faça isso. Alguém discute isso?

A diferença entre a forma como o racismo se manifesta nos Estados Unidos e no Brasil não pode ser usada para perdoar o nosso. Aqui, vicejou a espantosa idéia da escravidão suave, como viceja hoje a idéia de que temos uma espécie de “racismo benigno” ou “apenas” uma discriminação social que atinge os negros pelo mero acaso de serem eles majoritários entre os pobres. São palavras que se negam. Este tipo de violência não comporta o termo “benigno”, como nenhuma escravidão pode ser suave, por suposto.

Segunda-feira vou ao Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais da UFRJ ver o lançamento do Mapa Anual das Desigualdades Raciais. Vou para olhar de novo os dados, conversar de novo com negros e brancos que estudam o assunto, aprender mais um pouco, procurar, esperançosa, algum avanço. Não acho que essa é uma conversa perturbadora da nossa paz social. Não acredito na paz que nega o problema. Acho lindo o sonho dos americanos, mas quero sonhar o meu.


PS: É isso aí, Míriam: eu também quero sonhar o meu.
PS2: Ju, obrigada pela dica.

Não vejam antes de ler o texto!

Estávamos conversando sobre formas robóticas de subir uma escada sem usar os joelhos, quando o Tom Taborda manda essa:

"(...) eis outro protótipo que irá deixá-la um tanto... perturbada:

O exército americano está tentando desenvolver uma espécie de 'mula de carga' robótica. É um 'animal' robótico quadrúpede e autônomo, capaz de equilibrar-se sozinho em qqr terreno, levando a carga diligentemente.

O bichinho atende pelo nome de Boston Dynamics 'Big Dog'.

A não ser pelo zumbido constante e irritante, são impressionantes seus movimentos e equilíbrio."

O vídeo é este aqui, e eu comecei a assistir completamente indiferente - afinal, trata-se de um robô pro exército americano, tipo assim: foda-se. Eu só não podia imaginar que, quando o Tom disse que eu poderia ficar perturbada, ele estava efetivamente vendo minha reação numa bola de cristal. Aliás, eu jamais poderia imaginar que um dia pudesse colocar as palavras "perturbada" e "robô" no mesmo contexto, mas foi eu ver o vídeo pra me esvair em lágrimas. Transtornada é pouco pra descrever o que senti ao ver um cara chutando uma máquina que anda e se equilibra como um quadrúpede. Em algum momento, eu esqueci que aquilo fosse uma máquina, e só conseguia ver fidelidade (do quadrúpede carregador de peso) e ingratidão (do cara que chuta quem lhe faz tanto bem). Do chute eu diante, eu não parei de sentir náusea, desespero e pânico.

Estou alertando vocês: só assisti até o final porque, afinal, era um robô, mas putz grila: haja coração! Eles desenvolveram uma máquina com uma propriocepção inimaginável em algo articulado sem um SNC perfeito. Estou impressionada, não apenas com a máquina, mas com os efeitos que o vídeo teve sobre mim.

sexta-feira, novembro 07, 2008

Aula de japa na Helen


Aula de japa na Helen
Originally uploaded by Van-Or
Foi feito por nós!

Um chef em casa.


Um chef em casa.
Originally uploaded by Van-Or
Dei uma aula de culinária de presente de aniversário pro meu pai. Eu e minha mãe fomos também pra dar moral. Sucesso total!

Alô, isto é um sequestro.

Eu trabalho num lugar onde rajadas de metralhadores muitas vezes se confundem com o canto dos passarinhos, e por isso morro de medo de banalizar a violência a ponto de esquecer que eu sou um ser humano. Meus pais, no entanto, assumem sua blindagem afetiva, e por mais bárbaro que isto possa parecer, esse distanciamento crítico evitou, felizmente, que os dois caíssem no golpe do sequestro de ente querido pelo celular.

Pra quem não sabe, este golpe consiste numa tentativa de extorsão meramente afetiva: o bandido, que nada tem além de um celular, liga pra alguém que ele aposta ter filhos e diz que detém um dos rebentos do interlocutor como refém. Obviamente, se uma determinada quantia em dinheiro não for depositada ou entregue até um determinado horário, o suposto refém virará estatística. É horrível, eu sei, mas só cola entre os mais aflitos e apressados, que concordam em pagar antes mesmo de verificar se o filho não está dormindo em sua própria casinha (e em outros casos excepcionais, com estrutura logística mais sofisticada).

Minha mãe foi a primeira vítima aqui em casa:
- Alô?
- Mamãe, mamãããe... ele vai me matar, mamãe! (a pessoa chora e grita como se estivesse em transe)
- É mesmo, minha filha?
- É, mamãe... ai, mamãe... fala aqui com ele.
- Tá bem, chama ele aí que eu vou tentar convencê-lo a não fazer uma coisa dessas, onde já se viu!
E a conversa, como vocês podem imaginar, não durou muito tempo. Minha mãe salvou uma vida, pode-se dizer.

Meu pai foi a segunda vítima:
- Pronto.
- UAHHHH, NÃO, AIIIII, NÃO! ME AJUDA, AAAAAAI!! (a pessoa que dá os dramáticos gritos introdútorios ao colóquio é substituída na linha por uma outra, de voz bem mais calma e controlada, mas ainda assim nervosa:) Eu tô com teu filho aqui, tá me ouvindo? Vou queimá ele, tá me entendendo?
- Ah, sim entendo. Sei exatamente o que você está sentindo: ele só me dá trabalho, é um preguiçoso, nunca quis trabalhar, come muito, enfim, é só problema. Não perde tempo, meu amigo: queima logo!
- Não tô de brincadeira não, eu vou queimáááááá! (e os gritos de ai, ui, ai ao fundo)
- Tá bem, faça como bem entender. E só mais uma coisa: [...]

A fim de preservar a privacidade e aura pudica de meu adorado pai, não transcrevi as sugestões de cunho sexual que ele fez ao meliante, mas eu posso garantir que o bandido nunca tinha ouvido palavras tão altas para coisas tão exoticamente sujas.

Uma coisa que a gente pode fazer para evitar esse golpitcho é apagar da agenda do celular todas as referências familiares, como "mamãe", "tio", "vovó", etc. É mais fácil pegar uma vovó cujo netinho perdeu o celular na frente da Escola Parque (e portanto está fora da área de cobertura ou desligado), que uma criança de 15 anos que porventura receba uma ligação dessas. Aliás, é o sonho de todo adolescente receber uma ligação assim no recreio da escola. Meus pais que o digam!

quinta-feira, novembro 06, 2008

Black nunca foi tão beautiful (e eu nunca gostei tanto de F1).

O mundo entrou em clima de Oba-Obama desde que foi anunciada a chegada do primeiro negro à presidência da maior potência mundial. E o Obama chegou lá pouco tempo depois de o Hamilton ter conquistado o título mundial de F1, entrando para a História como o primeiro negro a ser campeão mundial nesse esporte.

Mas, peralá, moçada: o Obama ainda passa, mas dizer que o Hamilton é negro é forçar uma barra, não é não? Aqui no Brasil ele seria no máximo um moreno médio sob o sol de verão. Agora todo mundo quer ser negão, pô! Eu, que sempre lutei para ser reconhecida como mulher, negra e favelada, pressinto que haverá muito negro saindo do armário nos próximos meses. Aquele seu amigo mulato, que antes de definia como moreno em sites de relacionamento (com endosso da certidão de nascimento, onde se lê "pardo"), passará a se intular "negro, com muito orgulho", do dia pra noite. Black nunca foi tão beautiful.


Hamilton: negro?!? Só porque ele é gato pacas?


Aliás, no Brasil nenhuma criança nasce negra: nasce parda. Pelo menos era assim na década de 1970. Eu lembro um dia na escola em que todos tivemos de levar nossa certidão de nascimento para a sala de aula; acho que estávamos na quinta ou sexta série, eu tinha 10 ou 11 anos. Olha daqui, olha dali, e eu percebi que numa turma de 30 alunos, com 20% de negros, não havia nenhuma certidão de criança negra com a cor da pele registrada corretamente. Na época, pensei que talvez existisse alguma lei absurda que proibisse a palavra "negra" em certidões de nascimento. Imaginei que talvez fosse uma manobra militar para tornar nossa população mais branca, ou talvez ignorância dos escrivães de achar que "negro" é ofensa e "pardo" é eufemismo ou, ainda, talvez medo dos escrivães de tomarem uns cascudos de pais ignorantes, caso estes considerassem ofensivo, de alguma forma, ter um filho registrado como negro. De qualquer forma, eu nunca soube explicar o fenômeno da pardalização da população brasileira, mas acho que isso pode ter nos trazido a vantagem de não dar importância para o rótulo que se dê à pele ou etnia. Ah, qual é minha cor? Sei lá, põe aí: amarelo, pardo ou todas as anteriores. Qualquer coisa serve pra gente. Brasileiro, de forma geral, não liga pra isso. (PS: meus amigos me conveceram e eu retiro o que disse: brasileiros ligam, sim, pra isso. Eu é que fui distraída.)

Para os norte-americanos, saber a cor e a raça é super importante: sem ter uma opinião formada sobre o assunto, você mal consegue se matricular numa academia de ginástica! Isso, pra mim, torna a vitória do Obama ainda mais especial: com sua chegada à presidência, o tabu da hegemonia racial parece ter se tornado uma piada politicamente incorreta super sem graça, que aos poucos deixará de ser contada até que ninguém mais se lembre dela.

Espero que nossos dias de gatos pardos estejam contados. Aliás, espero sinceramente que nossos dias de julgar um ser humano por seu kipá, burka, turbante ou cor de pele - e não por sua essência - estejam contados. Ser gente nunca foi tão bonito, e é por isso que eu agradeço enormemente ao Felipe Massa, de coração, pelas lágrimas derramadas no domingo, pois elas não nos deixaram esquecer daquilo que somos, de fato: gente. De carne e osso mas, sobretudo, de fibra, garra e coração.




Felipe Massa: coração.

segunda-feira, novembro 03, 2008

Vírgula, ect.

Hoje fui ao Rio Sul para passar um sedex que acabou se tornando a carta mais cara de toda a minha vida. Esperei 5 minutos na fila, me distraí vendo um bebê fazer gracinhas no colo da mãe, entreguei minha carta, dei uma nota de R$50, recebi umas moedas de troco e, distraidamente, coloquei-as na bolsa. Antes de precisar abrir minha carteira novamente, Tico fez sinapse com Teco e, de repente, ocorreu-me que aquele troco estava errado. Se eu dei R$50, o sedex tinha custado R$15,50, então eu deveria ter recebido R$34,50 de troco, e não apenas R$4,50!

Primeiro eu senti muita raiva de mim por minha distração. Meu superego maldito tinha até ordenado que eu me cortasse imediatamente os pulsos e a cabeça, mas logo veio a fase de negaçãonão, gente, não é possível, esse troco está aqui, eu vou encontrar! –, e eu aterrorizei todas as pessoas que passavam pelo corredor de alimentação do shopping enquanto esvaziava freneticamente minha bolsa sobre uma mesa para tentar encontrar o troco perdido. Aliás, seria fácil achar o troco perdido na minha bolsa, porque tudo o que eu tinha na carteira antes do sedex era uma nota de R$50, e agora havia R$4,50 em moedas, formando um desolador deserto monetário no qual um cego-maneta facilmente identificaria uma nota rota de R$1 - se ela ali estivesse. Mas nada: o troco não estava ali. Eu realmente tinha mandado uma carta de R$45,50. Mais um pouco e eu poderia ter ido à Sampa para entregar a carta pessoalmente. Superado o estado de choque, enchi-me de coragem e voltei à agência do correio.

Não havia fila, então eu fui direto à mocinha que me atendeu e pigarrei, numa débil tentativa de eliminar os agudos histéricos que pulam involuntariamente da garganta das mulheres desesperadas:

- Oi, você se lembra de mim?

- Vagamente.

Vagamente...”, eu pensei, “É isso que eu falo pra alguém que venha me cantar nesses termos.” Mas não desanimei, afinal aquilo ali não era uma paquera, e sim uma questão de troco e honra!

- Eu estive aquiexatos (consulta o recibo do sedex)... 12 minutos, e mandei um sedex pra São Paulo. Custou R$15,50 e eu recebi R$4,50 de troco, lembra? Você até pediu pra caixa ao lado lhe fazer troco, porque você não tinha.

- Ah, acho que sei, sim... uma carta verde, né? Tou lembrando... acho que te dei R$4,50 de troco, sim.

- Pois é, eu me dei contapoucos minutos de que você me deu troco para R$20. Na verdade, você deve ter se confundido, pois eu paguei com uma nota de R$50 e não com uma de 20, de forma que ficaram faltando R$30. Será que você pode verificar seu caixa? Não devem ter passado muitas pessoas por aqui depois de mim, e se você encontrar a diferença, poderá me devolver o restante do troco.

- Ah, sinto muito. Não tenho como te dar R$30 porque você acha que me pagou com R$50, e não com R$20. Pra mim, você pagou com uma nota de R$20!

- é que está: eu não tenho certeza de muitas coisas, mas disso eu tenho. Eu tinha esse dinheiro na carteira. Estava sem nada antes de sacar essa nota de R$50 com que lhe paguei. Aliás, é por isso que estou super triste: porque essa era toda a grana que eu tinha, e agora não tenho mais. Você pode verificar se há essa diferença de R$30 no seu caixa? Por favor?


Ela hesitou, eu vi. Eu podia ouvir sua dúvida, eu podia ver sua indignação se derretendo - ora, onde já se viu, que audácia dizer que eu errei o troco! -, e consegui perceber o momento exato em que ela pensou: "Mas será que ela está desconfiada de mim?!?". E então deu-se o milagre, a coisa que a gente não espera, uma mistura inexata de compaixão com ética, e ela disse:

- Olha, faz o seguinte: a gente checa o caixa às 19h. Fique aqui até as 19h que, se tiver R$30 a mais, eu te dou, porque estará provado que é teu mesmo.

Agradeci e expliquei que, por mais que eu precisasse daquele dinheiro, não poderia ficar plantada ao lado do caixa da ECT por duas horas, até a "hora da verdade". Deixei meus telefones para ela me ligar caso notasse que me deu R$30 a menos e, no momento em que atravessei o pequeno papel com meus números por cima do anteparo de vidro do balcão, segurei-lhe as duas mãos e disse:

- Obrigada por me deixar acreditar. Mesmo que você não me telefone mais tarde, você acaba de me dar a esperança de que aindagente boa e honesta que, em posse de bem que não lhe pertença, é capaz de procurar o dono para a justa devolução. Por essa pequena esperança, que pode ter a duração efêmera de duas horas, eu sinto que lhe devo gratidão.

E assim, afastei-me da cabine dos correios chorando, porque as pessoas ridículas choram por 1, por 2 e por 30 reais, mas choram ainda mais quando o que está em jogo transcende muito, mas muito mesmo, todas as coisas materiais.



PS: até as 19h32, ela ainda não tinha telefonado. Ainda acho muito cedo pra matar uma esperança tão bonita.

PS2: às 20h eu não aguentei a pressão existencial da dicotomia "mundo bão-mundo cão" e telefonei: meu troco estava lá! Amanhã poderei resgatar a minha fé parcial na humanidade (porque, pra ser total, essa boa notícia tinha de ter chegado mais cedo, mesmo levando-se em consideração que errar - troco, inclusive - é humano).