Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

domingo, janeiro 24, 2010

Na onda Na'vi


Eu nunca entendo esse Bonequinho do Globo, que aplaude de pé filmes iranianos, turcos e exóticos em geral, tão chatos que me fazem dormir profundamente, a ponto de nem conseguir juntar forças pra fugir do cinema, ao passo que esse viadinho (o namoradinho da Barbie do Globo) dorme em filmes que eu não só assistiria vinte vezes seguidas - em 3D ou não -, pagando quase 30 reais a sessão ou não, ou em casa, na comodidade do meu lar, com um DVD superfaturado comprado no exterior só para ter acesso, antes de todo mundo, aos extras que a gente nunca consegue roubar online.

Às vezes o Bonequinho me irrita. Mas às vezes é o Mininova torrent que me irrita.

Assim como o Verissimo, eu amei Avatar. É um filme pra criança? É, pode ser. É autocrítico e anti-imperialista? Super é. É ambientalista e faz-nos sentir vergonha por comermos a carne de animais que não abatemos com as próprias mãos e por pura necessidade? Faz a gente querer ligar pro banco às pressas pra suspender imediatamente o envio de extratos impressos pra salvar uma árvore por mês? Sim. Diverte e emociona? Também. É didático? Claro que é. Avatar é a melhor manifestação cinematográfica americanóide enlatada daquele clichê sarcástico: "deu pra entender ou quer que eu desenhe?". Avatar desenha tudo direitinho, sem ser só mais um filme débil mental americano feito exclusivamente para glamorizar a inevitável vitória do bem sobre o mal, coisa que, cá entre nós, quase nunca acontece na vida real. Só que a gente vai ao cinema pra isso mesmo: para escapar da vida real.

A vida real é punk, chapeize! Na real, diz o paleontólogo americano Peter Ward em entrevista à revista Veja, com uma população de 6 bilhões de habitantes, não adianta porra alguma cultuarmos o mito do Bom Selvagem a esta altura do campeonato. Melhor usar a tecnologia a nosso favor e enquanto há tempo, já que a Patcha Mama, tal qual uma Medeia enraivecida, é impiedosa e matará aos próprios filhos (no caso, nós) sempre que lhe der na telha.  Assim tem sido, e assim será. Faz parte da História do Universo, da História da Terra, até da História de Rapa Nui: quando não é nenhuma catástrofe natural que vem e extermina tudo que respira, é o próprio homem quem se encarrega disso.

Não quero parecer alarmista, mas espero que vocês não tenham a ilusão de que esse segurinho-saúde que vocês pagam todo mês será capaz de cobrir um sinistro tão grande quanto o fim do mundo, que foi previsto por muita gente incompetente (como Nostradamus) e sobretudo pelos Maias, que comprovaram sua seriedade dando até o dia em que isto acontecerá: 21 de dezembro de 2012. Já tem até filme debiloamericanóide sobre o tema. Já teve até matéria na SuperInteressante e no Fantástico sobre o tema. Ou seja: independente de qualquer coisa, o fim do mundo vende! E, ao que parece, ele já até começou a se manifestar, seja pelo derretimento exageradamente acelerado das calotas polares, seja pela inaptidão política dos representantes das principais economias do mundo demonstrada em Copenhagen, ou seja pelos modestos tsunamis no Índico em 2004, da devastação de Nova Orleans pelo Katrina, das águas de Santa Catarina, depois um monte de desgraça em um monte de lugar que já nem me lembro mais (a gente vai ficando com a memória seletiva para as grandes tragédias), depois Angra dos Reis e, por último, o Haiti. Deus deve ser um grande piadista: pra tanto lugar no mundo pra destruir, por que justamente o Haiti, que já era fodido por natureza?

A verdade, contudo, é que, embora os Maias tenham realmente deixado pra trás um calendário cujo último dia do mundo parece ser algo que equivaleria, segundo qualquer arqueólogo sério com PhD em Harvard, ao nosso dia 21 de dezembro de 2012, a gente nunca vai saber se o mundo realmente acabará em 2012 ou se os espanhóis, que foram os mais eficientes exterminadores de indígenas que nossa História conheceu, degolaram o último dos astrônomos Maias antes que o pobrecito pudesse concluir aquilo que ficou conhecido como o calendário deles. Fico imaginando esse momento dramático, marcado pelo signo da dificuldade linguística, em que o maia esculpia uns garranchos indecifráveis sobre uma pedra (usando a melhor de suas ferramentas primitivas),  quando foi abordado por um espanhol degolador de índios. O maia, muito malandro, teria ainda tentado convencer seu algoz da importância de sua tarefa: "Aí, hermaniño, se liga na missão: se eu tiver que parar esse trampo por aqui, vocês vão ficar muito confusos daqui a alguns séculos, sem saber quando o mundo acabará de fato." O soldado, muito bronco que era, achou logo que aquilo poderia ser algum tipo de ofensa capital anti-imperialista e resolveu por bem passar o rodo no nativo. É por isso que eu sou contra a Iberia, os espanhóis e essa quantidade absurda de brasileiro que é deportado sem motivos na Espanha, sem sequer ter direito a um copo d'água ou ao toilete. A gente deveria cobrar da Espanha a conta dessa dúvida existencial do mundo. Chutamos o pau da barraca com toda a força agora, já que só nos restam dois anos e tal, ou passemos a poluir menos pra ver se a gente vai empurrando o fim do mundo com a barriga?

Cá entre nós: a brasileira Gisele Bündchen, sozinha, doou um valor quase 3 vezes maior do que o doado pelo governo Espanhol às vítimas do Haiti. E olha que eles já andaram fazendo seu estrago por lá...

Haiti à parte, tenho pra mim que o mundo só acabará em 2034, ano de minha aposentadoria na prefeitura, porque é sempre assim: quando o homem começa a aproveitar seu tempo livre, ele morre. Se não é de câncer ou bala perdida, é de fim do mundo mesmo. Fazendo ou não conexões neurais com a Natureza, a gente precisa morrer de alguma coisa, então a ordem Na'vi do dia é: aproveite seu tempo aqui na Terra. Afinal, nós nada mais somos que energia reciclada, que será reciclada eternamente, primeiro pelos micróbios e outros bichos gosmentos que se alimentam de cadáveres, depois pelas plantinhas, depois pelos herbívoros, e daí por diante, até que a morte injusta ou a urgência de vida - de outras formas de vida - nos separe.

Pra terminar, só uma dica gastronômica pro primeiro ser vivo que chegar à minha carcaça desvitalizada, sobretudo se o fim do mundo acontecer para mim durante a inglória luta que há anos travo contra este quase quarto de gordura corpórea que não me abandona mais, desde os 35: minha coxa daria uma boa picanha, sobretudo servida ao ponto com geleia de pimenta.

Pensando bem, acho que foi isso que o Léo Jaime quis dizer quando alardeou na TV que celulite é "gostosa" em braille.

domingo, janeiro 03, 2010

Liberté, égalité, dualité



Faltando pouco mais de 40 dias pra minha viagem de 10 dias entre o céu e o mar do litoral baiano, uma road trip completamente família em que eu, pela primeira vez na vida, daria - e dei! - uma de boadrasta (na moral, na moral), sofri uma queimadura no rosto durante um procedimento estético absolutamente banal, que basicamente consiste numa técnica que estorrica a pele do contribuinte com um flash de laser capaz de destruir tudo que encontra pelo caminho, do DNA à melanina, o que teoricamente resultaria no extermínio da pequena mancha de 3 mm de diâmetro que eu tinha na maçã do rosto do lado direito.



A tal mancha era quase uma minúscula sarda que apenas eu e minha dermatologista notávamos, mas depois de meses passando cremes e torturando a pobrecita com ácidos diversos e nitrogênio líquido, minha dermato decretou que só um milagre sobre a face da Terra seria capaz de dar cabo, de uma vez por todas, dessa maldita sarda farsante -- um quase prenúncio maldito de que eu, dali a poucos meses ou anos, poderia me tornar uma vaca malhada se deixasse o mal por combater --: a luz pulsada. Então fiz uma sessão e deu tudo certo; já na segunda sessão, ocorreu um infortúnio que, por toda a confiança que tenho em minha médica, eu só posso atribuir à firma que aluga o aparelho de laser/luz pulsada a ela: os locadores irresponsáveis trocaram a lâmpada da ponteira e nada informaram à clínica, e o resultado disso é que todas as clientes tratadas naquele dia receberam uma carga (de laser) 20% maior do que deveriam. Ou seja: TODAS as pacientes tratadas naquele dia se fuderam de verde e amarelo, e eu entre elas. Minha pequena mancha de 3mm virou então uma larga queimadura de 10 cm e, após duas semanas de lágrimas, revisões e tratamentos intensivos para minimizar os danos, faltando menos de um mês para a tão sonhada viagem de praias maravilhosas com o amor da minha vida e seu rebento, minha dermato explicou a situação da seguinte forma: "Existem em você duas pessoas: uma bronzeada e outra não bronzeada. A sua mancha sumirá, isso eu posso lhe garantir, mas, para que isto aconteça, você terá de fazer com que essas duas pessoas se reencontrem. Ou seja: não poderá pegar sol SOB HIPÓTESE ALGUMA nos próximos 6 meses."


Como assim?, perguntei. Quer dizer que eu não poderei ir à praia em Arraial d'Ajuda? Em Morro de São Paulo? Em Salvador? E ela, na maior cara de pau, disse que sim, mas que pra isso eu deveria usar FPS 100 (só uma marca francesa faz um milagre desses, e a preço de milagre burguês fundamentalista) e depois, por cima de toda essa massaroca, eu ainda deveria usar 3 camadas de pasta d'água. Tipo hipoglós?, perguntei inocentemente. "Não! Tipo pasta d'água mesmo, que hipoglós não sai com água e sabão, mas pasta d'água sai. E você vai querer que saia, se quiser ter uma cara de dia e outra cara... assim, mais normal... de noite."


Desd'esse dia eu venho me emplastrando de filtro, pasta d'água e chapéus de aba larga com filtro UVA/UB. E é assim que eu tenho corrido na praia, é assim que eu vou à piscina do prédio, e foi assim que eu passei meu recesso de fim de ano, sobrevivendo bravamente a comentários do tipo: "Ih, carái! Não é que Michael Jackson não morreu?!?". 


Mas como eu posso promover o reencontro do meu eu [cada vez mais] bronzeado do pescoço pra baixo com o meu eu [cada vez mais] amarelo-escritório do pescoço pra cima; como só eu posso administrar a coexistência dessas duas pessoas tão melanodistintas em um só corpinho; e, principalmente, porque eu estou cagando baldes pro que pensam as pessoas quando me vêem fantasiada de Marcel Marceau, queimada ou não, ambígua ou não, eu tenho aproveitado minha vida ao máximo - com e/ou apesar do verão, da queimadura facial e, obviamente, graças a todo o resto. Sobretudo todo o resto.


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Liberdade é cruzar o Brasil de sul a norte e de norte a sul nas asas do grande amor; é harmonizar o prazer com o dever sem culpa; é comer quantas rabanadas quiser no Natal e depois ainda ter pernas pra atravessar o mundo sem compromisso com as calorias.


Igualdade é diluir o próprio preto no branco. É permitir que os opostos coexistam. É perceber que, na verdade, os opostos sequer existem.


E dualidade, por fim, é desconfiar que nada disso é verdade. E que o único fato ambíguo verdadeiramente inquestionável em todo o planeta é que o Rio continua lindo; e que continua sendo o purgatório da beleza e do caos. O carioca é a mais completa tradução da máxima neofrancesa liberté, egalité, dualité que minha mancha facial me obrigou a inventar.


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Feliz 2010 a tutti!