Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

sábado, outubro 30, 2010

A verdadeira identidade do cocô-do-mar

Em minhas andanças pela saia do mar do com a Bibi, meu feroz cão perdigueiro, descobri recentemente uma espécie de ser marinho que poderia muito bem ser um fragmento de coral, não fosse pelo indefectível apelo gustatório (e se coral fosse gostoso, eu certamente já teria comido isso em algum restaurante exótico  nas minhas andanças pelo mundo) e odor repugnante, tão repugnante que, em minha humilde opinião como farejadora de novas espécies, seria ruim demais pra ser cocô. Havia de ser outra coisa, alguma coisa do mar impregnada de enxofre, talvez rica em substâncias capazes de curar o câncer e a minha dureza crônica, enfim, uma nova espécie que eu logo apelidei de cocô-do-mar para garantir a patente internacional e as exportações pro Japão.

Imbuída do mais profundo espírito científico, parti para a praia do Leblon numa manhã nublada e fria de outubro, aparentemente a condição climática preferida do novo espécime (observação empírica minha), e dei um comando para que Bibi começasse a caçada ao cocô-do-mar. "Fareje!", mentalizei, e como meu cão é extremamente obediente, partiu desembestado até o cluster mais próximo de cocô-do-mar que eu tinha visto até então. Coletei algumas amostras em um saco plástico biodegradável e estampado com patinhas coloridas (que eu carrego comigo caso a Bibi algum dia descubra que também pode fazer certas coisas na rua) e levei o material para análise no Instituto de Veterinária da prefeitura. Pensei em ir primeiro ao zoológico, onde há taxonomistas sérios de plantão, mas resolvi ser humilde e mandei parte do material primeiro para análise coprológica, apenas para descartar a remota possibilidade d'o cocô-do-mar ser realmente algum tipo de cocô.

O coprologista de plantão reconheceu o bicho na hora: a olho (e nariz) nu, ele disse que podia me garantir que aquele material realmente era fecal. Diante de minha resistência, e por ser ele muito bom pra mim, minhas amostras foram maceradas e vistas em aumentos de 10, 40 e 100 vezes. O resultado, em qualquer escala, foi que meu cocô-do-mar estava mais para um cocô do ar, um cocô de ave, talvez de gaivotas. Eu sabia que tinha alguma relação com o mar. Fiz que tá bem, disfarcei o mais que pude minha carinha de bunda e saí dali pensando no que comem as gaivotas e que tipo de lombrigas elas podem ter passado ao meu cão-aspira, que aspira tudo que encontra pelo caminho, a ponto de me induzir ao erro científico, pois todos sabem que quando os cães encontram alguma coisa, esta coisa pode ser até um melanoma subclínico que só seria passível de diagnóstico dentro de seis meses, tarde demais para impedir metástases ósseas. Não seria eu a pessoa a duvidar do faro de um sabujo. Eu simplesmente não fui criada para duvidar da enorme capacidade dos animais.

Enfim, este post é apenas para alertar os responsáveis de cães e crianças na praia para a presença massiva de cocôs-do-mar em toda a orla, e isto deverá ocorrer enquanto houver aves no céu e enquanto as otoridades não as proibirem de tomar banho de mar. Vida longa e imunidade parasitológica a todas as gaivotas e suas amigas.

sexta-feira, outubro 15, 2010

Acorda, Bibi!


Acorda, Bibi!
Originally uploaded by Van-Or
Don't hate me because I'm beautiful. This is my hair in the morning.

quinta-feira, outubro 14, 2010

Depois do cocô-do-mar, o banho e tosa

É oficial: removemos o último vestígio da noite de ontem... à tesoura! Mas ainda não sabemos se cocô-do-mar é do reino animal, vegetal ou mineral.

quarta-feira, outubro 13, 2010

O incrível mistério do cocô-do-mar

Eu sei que muita gente vai espumar de raiva e nojo quando eu disser isso, mas eu levo meu cachorro à praia todos os dias e sequer considero esta uma transgressão verdadeira. Eu cresci ouvindo dizer que não se pode levar cachorro à praia, até que um dia eu deixei meu Povo Brasileiro escorregar da calçada pra areia e percebi que um novo mundo de textura e alegria se abria para ele. O Povo ficou muito feliz e fez o que todo galgo iraquiano sabe fazer de melhor nessa vida, que é correr desesperadamente até que as orelhas se colem à cauda. 

Aí, quando veio a Bibi, eu já sabia que os cães gostam de areia de praia (como algumas raras pessoas já nascem sabendo que seus peludos amam meia com chulé, peixe podre, hidratante da Lancôme e outras coisas bizarras ao paladar humano). Minha primeira providência, quando Bibi finalmente pôde passear, foi levá-la a conhecer o mar. O primeiro encontro de cão com praia foi coroado pela educada abordagem de um guarda municipal, que me explicou, gentilmente, que eu não poderia deixar meu cão circular ali. "Nem de guia?", despistei. "Nem de guia", retrucou. Então, fingindo espanto, eu acorrentei minha recém-liberta cã e me afastei dali tentando dissimular a sub-gargalhada que retesava meus lábios e expandia minha alma: afinal, se o castigo de levar o cão à praia é simplesmente este (ter de dialogar educamente com um guarda municipal), eu jurei a mim mesma que, dali pra frente, levaria minha caçula canina todos os dias às saias do mar. E foi o que fiz. Pelo menos até esta noite.

Esta noite, quando corríamos pelas areias praia do Leblon, Bibi abocanhou uma pequena montanha de areia. "Normal", pensei. Desde que começamos a frequentar a praia, metade do que ela defeca é areia, metade é o que sobrou da ração (e, antes que alguém surte, devo esclarecer que cocô é uma coisa que eu e Bibi só fazemos em casa). Mais dois passos e vejo que ela farejou algo no chão e mudou abruptamente de direção. Cheguei a pensar, orgulhosa, que ela havia identificado um rato de praia ou algum outro molusco gosmento que tenha por hábito se esconder das criaturas superiores ao luar, mas não: novamente, ela abocanha um monte de areia. E mais outro, e mais outro, e mais outro. Agora, ao contrário das outras vezes, ela parece mastigar o que quer que seja aquilo que apreendeu com a boca. Tenho a brilhante ideia de escancarar-lhe a goela para ver o que ela está comendo e encontro, entre a língua e o palato duro de meu inocente Bichon da Patagônia, um legítimo exemplar de cocô-do-mar praticamente intacto.

Eu nunca tinha visto um cocô-do-mar antes, mas há coisas que a gente não precisa ver para reconhecer. O cocô-do-mar, como o próprio nome diz, é um molusco gosmento de cor pardacenta e odor cocozífero (carregado nas notas de enxofre), de formato cilíndrico e onipresente em toda a orla da cidade maravilhosa. Reparei que a Bibi, por ocasião da epidemia de cocô-do-mar, não conseguia cumprir sua singela rotina de me acompanhar na corrida porque ela tinha que comer, tal qual um pac man maldito, todos os cocôs-do-mar que encontrasse pelo caminho. E acreditem: eram muitos!

A pergunta que não quer calar é: seria o cocô-do-mar é um subproduto de cetáceos de grande porte que porventura estejam obrando por águas circunvizinhas? Ou seria o cocô-do-mar uma espécie de molusco pardacento ainda desconhecido dos taxonomistas oceânicos? A única coisa que sei é que o cocô-do-mar fede e seu fedor é real. Escovei os dentes da Bibi umas duzentas vezes, e ainda assim, quando ela arfa de boca aberta aos meus pés, continuo a sentir o bafo característico dos cocôs-do-mar que ela deveras comeu. Nada de praia pra Bibi nos próximos dias! Pelo menos até que as autoridades competentes atestem que a praia está limpa o bastante para que eu leve meu bebê-cão até ela. Eu quero que a FEEMA preste contas desse cocô-do-mar!

***

Hoje descobri que não consigo fazer mal a uma mosca. Quando fui aquecer meu almoço no microondas, vi que uma mosca havia entrado de gaiata no forno programado para aquecer o congelado à potência máxima por cinco minutos. Antes de fechar a porta do forno e apertar "INICIAR", vislumbrei dois cenários distintos:

1) eu fecho a mosca dentro do forno, aperto INICIAR, ouço um estalo (da mosca explodindo sobre meu estrogonofe de frango congelado), ingiro uma refeição infectada por uma praga rara transmitida por mosca cozidas em microondas e morro na primeira passagem da lua sem que ninguém saiba do que adoeci. Talvez o Nobel da Medicina de 2057 cite meu misterioso óbito em seu discurso de nomeação.

 2) espanto a mosca do forno antes de apertar INICIAR, faço uma média com Deus e ganho, talvez, uns 2 segundos a mais de vida. 

E mesmo que dois segundos não possam parecer muita coisa na sobrevida dum homem, eu acabei optando por enxotar a mosquinha do meu microondas. Se não pelos dois segundos a mais de sobrevida, pelo menos para evitar o estalido horripilante de um ser submetido à crueldade gratuita e desmedida do ser humano.

E também, é claro, porque eu não pude deixar de pensar que o forno de microondas está para o efeito estufa assim como a minha mosquinha está para as baleias martirizadas que espalham, num gesto desesperado, seus cocôs-do-mar pela praia, na esperança de que alguém entenda a sua dramática mensagem ecológica (ao invés de simplesmente comê-la, que é o que a gente tem feito até então).