Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

quarta-feira, abril 29, 2009

A arma secreta


Meus pais acabam de passar mais uma temporada em Salvador, capital internacionalmente conhecida por ser a cidade onde vive O Cara, meu fantástico sobrinho engolidor de pilhas. Eles sempre voltam com histórias incríveis de como O Cara está ainda mais fantástico e ainda mais habilidoso no futebol, mas as notícias que eu mais aguardo são sempre as das brincadeiras.

- Vocês brincaram de quê?, pergunto.
- De guerra, claro.

Guerra é a brincadeira favorita de avô e neto há quase 4 anos. Meu sobrinho despeja uma caixa de brinquedos no tapete da sala e dela saem soldadinhos e índios de plástico em várias poses, além de pequenas partes de brinquedos que se desgarraram da matriz e acabam tendo alguma serventia nas estratégias militares dos dois. Cada participante escolhe sua cor, pega seus soldadinhos e parte pra um lado do tapete. Meu sobrinho gosta de dispô-los em fileiras, como se fossem peças de um tabuleiro de xadrez, ao passo que meu pai gosta de observá-lo. Quando O Cara diz que está tudo pronto, podemos começar a batalha, vovô?, meu pai sempre diz que sim. O que ele nunca diz antes do tempo -- porque esta é a melhor parte da brincadeira -- é que arma secreta ele usará dessa vez. E as armas secretas do vovô são sempre as mais letais e infalíveis do planeta, o que deixa meu sobrinho chocado, porque em pouco tempo a arma secreta do vovô dizima, sem dó nem piedade, aquele exército inteiro de soldadinhos enfileirados.

O avô já usou como arma secreta a Múmia. A Múmia era apenas uma parte desgarrada de algum brinquedo e não tinha nada a ver, nem em tamanho, nem em contexto, como os soldadinhos. Pois a Múmia tinha um chulé e um mau hálito milenar que dizimou os soldadinhos adversários. E vá você questionar a letalidade de um bafo que passou 3 mil anos sem ver escova de dente! Meu sobrinho ficou um pouco chocado no início, quis encerrar a brincadeira mas, no dia seguinte, lá a múmia estava em seu campo de batalha, combatendo os soldados do avô.

Depois veio o Canhão Cocotrônico. Meu pai pegou uma garrafa de 2l coca-cola e deu um jeito de fazê-la lançar contra os inimigos feijões altamente letais, dando uma baixa geral no exército do menino. Como era uma arma de fácil construção, o avô foi generoso o bastante pra construir um idêntico pro neto, mas aí quem não gostou foi a mãe do menino, porque sua sala virou um campo minado de feijões derrapantes, e então esta arma secreta foi radicalmente banida de Salvador por motivo de força maior.

Com o passar dos anos, percebendo que sua desorganização acabava se tornando a arma secreta do inimigo, meu sobrinho começou a ser mais criterioso com o tipo de brinquedo que ele colocava na caixa. Isso deve ter acontecido depois que o avô usou como arma secreta a Menininha Inocente, uma boneca completamente fora de contexto na casa de um menino belicoso e que, por não pertencer a lugar algum, acabou parando na caixa de soldadinhos. Pois a Menininha Inocente era o próprio diabo! Fazendo-se de inocente, ela transitava pelo campo inimigo e, de repente, exterminava todos os soldados de uma só vez. Foi a arma secreta mais radical de todas, porque acumulava a um só tempo dissimulação, crueldade, eficácia letal e sarcasmo. Isso deixou o menino profundamente perturbado. Foi quando ele percebeu que o mundo é mau. Ninguém sabe o que aconteceu com a Menininha Inocente depois dessa batalha. Há quem diga que ela foi vista voando da janela do quarto andar, mas é possível que o Beleléu a tenha levado por motivo de bagunça maior. A verdade é que a Menina Inocente era tão má, mas tão má, que ninguém sentirá falta dela.

A última arma secreta inventada pelo avô foi a Mão-Boba Propositônica. A Mão-Boba Propositônica nada mais era que outra parte desgarrada de algum brinquedo, e que o avô amarrou numa cordinha para devastar o exército inimigo pelo ar.

Com o desenvolvimento criativo e tecnológico das armas secretas, as batalhas têm sido cada vez mais curtas, e em breve o avô e o menino entrarão numa fase guerra fria, em que ambos, em vez de lutar, apenas descreverão suas armas secretas e dirão o estrago enorme que elas poderiam causar. Eu, particularmente, torço pra que este momento logo chegue, porque muitas vidas de soldadinhos de plástico poderão ser poupadas quando avô e Cara resolverem ser razoáveis.

Todas as batalhas acabam por motivo de extermínio maior. Nesse instante, meu sobrinho fecha a cara, guarda seus soldados e finge (mal) que não está nem aí. Mas no dia seguinte, podem apostar: a arma secreta do avô estará no campo de batalha do menino, na esperança de repetir os atos heróicos criativos da véspera. Espero que tanto derramamento de sangue plástico pelo menos sirva, às gerações futuras, como lição de ternura.

terça-feira, abril 28, 2009

Ainda sobre a Gripe Suína, FINALMENTE a palavra dos especialistas

A Marilu, uma veterinária querida do meu trabalho extremamente atualizada em epizootias, me mandou hoje por e-mail uma notinha de veterinários [et al] sobre a gripe suína no Brasil. Por favor, leiam antes repassar spams com imagens chocantes absolutamente desnessárias de animais barbarizados. Além dessas imagens de barbárie não pertencerem a este contexto (gripe suína), é completamente desnecessário, como diria o Gil, propagar o horror.

E outra, e essa é nova pra mim: não é gripe suína, isso é termo ultrapassado. O H1N1 está tão longe dos porcos que hoje a doença se chama “influenza norte-americana”. E estamos falados!

Entidades de suinocultura divulgam nota oficial em conjunto


As entidades da cadeia produtiva brasileira da carne suína vêm a público prestar os seguintes esclarecimentos a respeito da “influenza norte-americana” e seu impacto sobre o mercado consumidor e exportador do produto no país:

1) O Brasil destaca-se no cenário mundial pela qualidade da carne suína aqui produzida, e exportada no ano passado para nada menos que 76 países, correspondendo a um faturamento superior a US$1 bilhão dólares. A cadeia produtiva desta carne reúne o esforço de cerca de 1 milhão de brasileiros em todos os seus elos. Temos o orgulho de salientar que a produção de proteína animal de origem suína no Brasil situa-se na fronteira da tecnologia existente, o que nos levou à condição de quarto maior produtor e exportador mundial.

2) A dimensão econômica e social do setor exige que a veiculação de informações de interesse do consumidor seja acompanhada do necessário rigor técnico e científico, de forma a não comprometer uma delicada e estruturada relação de confiança duramente construída ao longo dos anos.

3) Nesse sentido, as entidades sub-escritas chamam atenção para o comunicado divulgado pela Organização Internacional de Saúde Animal (OIE), segundo o qual é inapropriado denominar esse vírus de “GRIPE SUÍNA”, como tem recorridamente acontecido, tanto na mídia brasileira, quanto internacional. Isto pelo simples fato de que até agora não haja registro de que o vírus tenha sido isolado no animal e seus mecanismos de contaminação estejam cingidos à relação entre humanos.

4) A OIE sugere claramente que a doença seja nominada “influenza norte-americana”, seguindo a tradição de outras manifestações similares no passado, que ganharam denominação de caráter geográfico. Apoiamos integralmente essa recomendação e nos colocamos à disposição da imprensa para que seja atestada a qualidade do sistema produtivo brasileiro e o rigor do controle sanitário vigente em suas operações tecnificadas.

Associação Brasileira dos Criadores de Suínos (ABCS)
Irineu Wessler
Sindicato Nacional da Indústria de Alimentação Animal (SINDIRAÇÕES)
Mário Cutait
Associação Brasileira dos Veterinários Especializados em Suínos (ABRAVES)
Augusto Heck
Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Saúde Animal (SINDAN)
Emílio Carlos Solani
Fonte : ABCS

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segunda-feira, abril 27, 2009

Ô, gripe suína!

Caixa postal de veterinário é flórida. É só pintar uma nova eminência de pandemia que a gente recebe avalanches de emails-denúncia acusando os EUA, a União Européia e a China (claro) de molestar porcos e outros animais por motivo torpe; de usar cães como isca de tubarão e instalação pretensamente artística; bebês foca como fábrica de casaco; e virus como desculpa para exterminar porquinhos.

(eu odeio esses e-mails, eles me adoecem mais do que qualquer H1N1)

Tudo isso porque cento e tantos mexicanos sucumbiram a uma gripe de origem animal, mas que só se torna um problema de fato quando atinge o bicho homem, espécie com maior potencial de estrago epidêmico (por causa da facilidade com que se locomove, espirra e tosse sem usar um lencinho na frente da boca).

Estou com medo da segunda fase dessa pandemia eminente, que acompanhará emails com fotos de porcos empilhados em fogueiras de 20 metros.

Quando as pessoas vão aprender a odiar o vírus, e não o hospedeiro?

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Por isso eu corro demais


Ontem corri os 10km do Circuito Vênus no Aterro, e por causa disso tive direito a mimos inesperados. Embora eu soubesse desde o início que essa corrida completamente rosa tinha por objetivo-mór ser um lance completamente mulherzinha, a inusitada associação entre o supérfluo Yin e o esporte Yang acabou por me dar um insight grandioso sobre o meu desejo de permanecer séria nessa brincadeira de corrida-enquanto-esporte-e-filosofia-de-vida.

Na véspera da corrida, o grande dia da entrega do kit (objetivo número um de 5 em cada 10 mulheres ali), fui ao pavilhão do evento na Marina da Glória e ganhei um massagem nos pés (que os mais preciosistas gostam de chamar de reflexologia), uma massagem corporal relaxante e uma limpeza de pele facial. A limpeza de pele chegou na hora certa, pois minutos antes eu tive um encontro afetuoso e bastante salivar com o Luca, meu namorado canino douradão, que, como todo macho naquele pavilhão, estava ali apenas acompanhando uma fêmea ou duas com paciência máxima naquela longa espera pela prestação dos serviços (gratuitos) indispensáveis ao bem-estar da mulher moderna. Dever ser extremamente difícil ser uma mulher moderna sem manicure, esteticista, visagista e massoterapeuta. Imagina você, como pode uma criatura correr sem isso tudo!

Sinceramente, acho que tanto frufru acaba sendo um tiro no pé. Tudo bem ser mulherzinha, tudo bem correr com camiseta rosa, mas tanta massagem e dengo acaba amolecendo as carnes, vide a shiatsu cow, e uma corredora de verdade tem de ter as carnes duras e o coração forte. Ultimamente, eu tenho encontrado na corrida uma ferramenta para fortalecer meu coração no sentido mais pleno. É na corrida que eu acredito mais em mim, que eu venço minhas neuras e percebo que tudo o que eu quero, eu posso; é só uma questão de seguir em frente.

A corrida tem atenuado até minhas hipocondrias. Há uns 4 dias que estou com um edema dolorido da face medial do pé esquerdo até a metade da canela. Eu devo ter torcido o pé sambando entre quarta e quinta, não sei, e aí pintou essa dor claudicante que me impede de calçar qualquer sapato antes de passar uma hora e meia andando descalça e fazendo gelo ao acordar. Normalmente, eu iria me desesperar e correr pro Copa D'Or, mas desta vez eu pensei: quer saber? Eu vou correr 10km no domingo, então se for pra radiografar esta bosta, que seja depois da corrida, porque aí sim eu terei uma lesão digna de exibir a um médico de 12 anos de idade. E acordei cedo, fiz meu gelo, calcei meu tênis, pedalei 7km até a Marina, corri 10km, fiz uma massagem gratuita no pé (doeu um pouquinho), pedalei 7km e cheguei em casa curada. Curada!

O edema ainda está aí, mas por pura insistência da parte dele porque, de minha parte, eu não quero mais ter qualquer contato com isso. Amanhã é dia de corrida, e depois de amanhã, e depois, e a cada 2 dias, e a vida é isso: uma sucessão de desafios contra o tempo e o espaço e contra nossos próprios limites, porque a gente só se encontra de verdade entre os extremos. E eu corro pra encontrar meu caminho do meio. Eu vivo pra isso.

sexta-feira, abril 24, 2009

Planos e projetos

Estou com dois projetos fortes que gostaria de compartilhar com vocês.

O primeiro é bastante objetivo e eu folgo em saber que estou avisando aos navegantes com a antecipação necessária pra que não me venham de chororô depois: em setembro eu vou à Argentina e gostaria de levar comigo a maior quantidade possível de brasileiros pra que eu não tenha a chance de sentir saudade do meu país no curto período em que estarei lá pra correr uma meia maratona e, obviamente, segurar no colo meu afilhado Fuefin.

Pronto, falei. Falei rápido e num fôlego só pra que ninguém ouse dizer que eu sou quiquiqui, lálálá e não sei viajar. Olha que eu sei, sim! Só não sei deixar de pensar que o brasileiro é o povo no meio do qual eu fico mais à vontade no planeta Terra, e estar longe de brasileiros, portanto, mesmo que eu esteja entre hermanos outros, torna o ar rarefeito (vide Cusco, vide Puno!), pesado e um pouco irrespirável. E de antemão, eu sofro: como vou correr uma meia se me faltar o ar? Ah, não dá! Melhor me precaver e tocar a pilha geral pra que vocês todos vão à Argentina comigo. Vamos lá, galera, animação! Ir à Argentina é como ir a Porto Alegre, só que com mais duas latas de redbull e dois tanques de combustível a mais. É pertinho, é lindinho, é fofinho e tem tanguinho. E vôos bem diretinhos, o que não molesta ninguém.

Espero não estar -- com meu apelo à evasão de brasileiros à Argentina pra me apoiar moral, cívica e espiritualmente nesta nova incursão sulamericana -- provocando um incidente diplomático. Eu amo meus hermanos argentinos, peralá! Até fiz uns meses de espanhol no consulado argentino (e não no peruano, por exemplo), mas abandonei por motivo de força maior. Por motivo que eu namorava um canalha pseudo-intelectualóide que estava apaixonado por uma argentina. Tá? Perceberam porque eu tenho uma certa resistência ao espanhol? Então tá. Morreu este assunto aqui, e vamos ao tópico 2:

Eu ontem, quando saí pra ver o pôr-do-sol e tomar uns (muitos) chopes com a Ju e a Néria, percebi claramente que levo o maior jeito pra ser porta-bandeira. Eu sei que já está meio em cima, carnaval tá quase aí, mas de repente a gente se junta e monta assim, um bloquinho modesto, com uns gatos pingados tocando um cavaquinho aqui, um agogô ali, um pandeirinho, um ou outro tamborim (não mais do que dois, por favor)... eu posso fazer umas letras, alguém pode fazer umas músicas, a Jussara (que tem experiência em gerência carnavalesca) pode ser a presidente do bloco, fazer contato com uns mafiosos... minha mãe, que tem talento pra costura, faz uma bandeira bem bonita, e pronto: a gente põe nosso bloco pra desfilar na rua. E eu, claro, porque afinal o objetivo é este, serei a porta-bandeira.


Estou super animada: pra ir pra Argentina no final de setembro e pra ser porta-bandeira dum bloco novo, duma coisa maluca e diferente, com um batuque sambalanço, afro-reggae, xote ou baião, não importa. Desde que eu seja a porta-bandeira, o bloco pode ter o nome que for e tocar o que quiser, até funk. As arestas a gente apara depois.

quinta-feira, abril 23, 2009

Notícias da barriga

Tenho duas amigas queridas gravidíssimas no momento, e uma das minhas coisas favoritas é acompanhar suas notícias da barriga.

Imagino que todas as barrigas tenham histórias semelhantes - chutinhos fetais pra mamãe fazer silêncio, enjôos, desejos exóticos, o assedio tátil de estranhos, a dificuldade de escolher um nome -, mas quando são as minhas amigas que contam essas histórias, elas ganham novas cores e sensações. Pra ilustrar o que estou dizendo, transcrevo mais adiante o último e-mail da minha sister gaúcha exilada na Argentina, a adorada Wal, com notícias de seu ainda inominado pimpolho, temporariamente apelidado de Fuefin, que ela tão cuidadosamente carrega-apronta no ventre.

Vamos todos torcer pra que Fuefin nasça no melhor dia do ano, o 20 de julho, que não coincidentemente é o dia do Amigo e o meu aniversário. Eu sou uma boa garota, mereço essa alegria.

queridas(o),

vejam como cresce esta barriga! esta foto é de 27 semanas.

o bebe está sendo esperado mais ou menos para o dia 20 de julho. já sei pleno inverno... nem me falem... mas pelo menos é o aniversario da van e dia do amigo.

o nome é uma novela com data para terminar. em tres meses temos que decidir sim ou sim. mas por agora eu desisti de me preocupar. vamos chamando de fuefin porque é filho do fuefo (fofo -> fuefo, não sei se dá pra perceber a brincadeira com o portuñol, bah... é um "chiste interno"). ontem o cris decidiu repor "pedro" na lista de nomes possiveis. pedro deve ter sido o segundo ou terceiro nome que eu sugeri há 6 meses atras e foi prontamente negado não me lembro nem porque. este é só um exemplo para que voces tenham ideia da classe de indeterminação com a qual eu tenho que lidar.

a unica coisa que está decidida é que será um só nome, em lugar dos tradicionais nomes duplos argentinos (né natalia gabriela?). afinal, pelo andar da carruagem, precisariamos outros 9 meses para decidir um segundo nome.

eu estou adorando esta vida de grávida. já me preocupa que só faltam 3 meses para perder a barriga. é muito legal a ternura que desperta nas outras pessoas e todo mundo me trata com tanto carinho (não que me tratassem mal antes, mas é diferente). ainda me impressiona o efeito-imã que a barriga provoca. tem gente que nem me conhece e já vai metendo a mão para acariciar como se não fosse comigo. no inicio me assustava, mas agora já acostumei.

o gurizinho se mexe bastante e logico que eu tenho que ouvir aqui que vai ser um maradona. mas até que o pessoal tá pegando leve com a gozação, pois rola uma certa vergonha da fase atual de técnico da seleção. vamos ver quando passar isto...

no mais tudo certinho! hoje devem trazer o berço que a gente encomendou.

muitos beijos,
wal + fuefin.

quarta-feira, abril 22, 2009

A vida que segue, parte II

Ai, vamos deixar de hipocrisia: eu adorei minhas férias, mas apenas na mesma medida que adorei voltar pra casa. No avião em vias de pousar no Galeão, eu cantarolava o samba do avião e tinha vontade de gritar pra todos os chilenos a bordo: ISTO SIM É QUE CIDADE, HEIM? Por acreditar que isto poderia causar alguma sorte de incidente diplomático desnecessário, até porque os chilenos são maneiros pra caramba, eu deixei pra lá. Fiquei só no humming: "A minha alma ahn-ahn...".

Eu não sei exatamente porque esse fenômeno da ingratidão turística se abateu sobre mim justo este ano. No ano passado eu também fiquei felizinha de voltar pra casa, mas não foi assiiiiim, uma felicidade tão forte, uma emoção tão grande. Eu senti pena de deixar o Ken pra trás, minha irmã, enfim: eu saí de Nova York apegada. E o que acontece é que, desta vez, não tinha santo que me mantivesse apegada aos últimos três dias infernais da viagem, e isso porque eu, incorrendo em um erro logístico imperdoável no fechamento dos vôos, aceitei passar menos de 24 horas em Cusco (voltando de Puerto Maldonado), depois menos de 24 horas em Lima e, em seguida, menos de 24 horas em Santiago antes de voltar pro Rio.

De tal forma que, nas últimas 72 horas da viagem, eu só conseguia pensar no Rio. O Rio se tornou o grande objetivo dessas últimas horas, uma linha de chegada de maratona, o lugar onde eu receberia minha medalha de turista maluca.

Desculpem o desabafo, mas eu só estou dizendo essas coisas desagradáveis pra vocês aprenderem com os meus erros: não vale a pena passar menos de 24 horas num lugar, ou melhor, em 3 lugares seguidos, sobretudo em dias consecutivos. Aliás, maratona é coisa pra se correr sem mochila. Maratona de mochilão não pode, minha gente! Em 21 dias, eu tomei 10 vôos, fiz duas viagens longas (de 7 horas) em ônibus, 3 viagens curtas em carro e duas de média duração em barcos. Uma meia maratona tem 21km, mas essas férias equivaleram -- numa boa! -- a uma maratona inteira: os 42kg completos, de mochilão nas costas e ar quase sempre rarefeito. É natural que eu esteja mal humorada e exausta, mas isso vai passar, se Deus quiser, porque a vida segue! A gente aprende com os próprios erros e se torna um ser humano melhor eventualmente. EVENTUALMENTE!

Hoje fiz um spazinho doméstico básico pra tentar me agradar: depilação, esfoliação, hidratação, limpeza de pele... só que está um pouquinho foda me agradar neste momento. Talvez eu precise atirar uns pratos na parede, socar umas almofadas ou correr do Leme ao Pontal. Tou com muita energia raivosa, preciso liberar um grito. Ou então preciso sambar, suar, tomar a verdadeira caipirinha e então me perdoar pelos meus enganos. Eu tenho que me convencer de que não dá pra abraçar o mundo com as pernas. Vanessa Ornella, minha filha: não dá! Se eu só tenho 30 dias de férias por ano, preciso aceitar a dura realidade de que não dá pra encaixar todo um continente nesse período. É difícil, gente. Porque, façam as contas comigo: se eu só puder conhecer dois lugares novos por ano (passando 15 dias em cada), até o final da minha vida útil como carregadora de mochila eu só terei conhecido mais 26 lugares novos no planeta. E aí, que eu faço pra conhecer os 974 restantes? Viro kardecista e passo a torcer ansiosamente pelo advento das próximas vidas e viagens?

Pouco me resta a fazer além de implementar o plano B: sair com a galera, sambar e beber a verdadeira caipirinha. Talvez esse momento ócio não raivoso me renda algum insight, mas por enquanto estou desanimada. Acho que estou precisando é namorar. Um namorado bacana, numa hora dessas, diria: "Chegue aqui, neguinha, me dê um cheiro e deixe de besteira." Com sotaque baiano, que é o mais relaxante de todos.

É isso. Estou precisando de um namorado baiano. Ou um que faça bem o sotaque baiano e tenha preguiça de viajar que nem um maluco. Um namorado que goste de ficar paradinho no mesmo lugar de vez em quando, só pra me ancorar. Tô muito solta na vida, gente: voei 10 vezes em 3 semanas, e isso é muito errado!

É isso aí: tô precisando namorar. Tenho preguiça só de pensar nas etapas que se seguem doravante (sair, ver gente, conhecer, experimentar, filtrar, eliminar, classificar, ter paciência, paciência, paciência), mas tudo bem. Se eu fiz essa maluquice toda nas férias, estou mais do que apta a correr a meia de Buenos Aires e arrumar um namorado. Que a terra não me pese.

A viagem em fatos e fotos fora de ordem, como convém.


Cusco, Peru. Rua cusquenha de bares, restaurantes baratinhos (na casa de 7 soles, com entrada, prato principal, sobremesa e uma chincha adocicada) e cursos rápidos de espanhol, mas quem precisa de espanhol quando se tem cara-de-pau? A minha, por exemplo, rapidamente adaptou verbos (tudo virou uma variação de hacer e quedarse, pero conjugados em bom e perfeito português), inventou palavras, substituiu "v" por "b", "ão" por "ion", incorporou um sotaquezinho hilário, engrenou uma terceira, e fomos que fomos. Mas agora eu me sinto na obrigation moral y cívica de aprender espanhol. Nem que seja pra barganhar melhor. Desconcertante barganhar em portunhol/italianês.

Cusco, Peru. No museu inca (uma pequena decepção, ma va bene), tentei emplacar uma conversa com esta artesã quechua, mas meu quechua não rende um oi. Na verdade, eu só queria saber por que as mulheres quechuas não têm cabelo branco. Deve ser a alta altitude: como falta oxigênio, também falta peróxido de oxigênio pra clarear os fios negros. Radical livre passa longe desse povo. O ar rarefeito é melhor que filtro solar pra preservar a pele.

Peru, em algum ponto da Panamericana entre Cusco e o cu de Puno. Não se deixem enganar, amigos: Puno é o pior lugar do Peru. OK, talvez Puno apenas perca pra Juliaca, ou o que quer que se chame aquele lugar horroroso povoado por traficantes bolivianos mal encarados, bem ao lado de Puno. Mas não era isso que eu queria dizer. Aí na foto, quatro horas antes de atingir o ponto mais baixo da viagem (que era, paradoxalmente, um dos pontos mais acima do nível do mar), o ônibus parou num lugar cheio de lhamas, vicunhas e alpacas. Esse bebê aí é um dos três, não sei qual. São três camelídeos muito parecidos, mas um é mais alto, magro ou largo que o outro. Os peruanos, no entanto, comem todos seus camelídeos, sem distinção. Nunca comi tanta galinha quanto no Peru. Morri de medo de comer algum bichinho fofo inadvertidamente.

Cusco, Peru. Rua de San Blas, onde fiquei. Como bem disse a Gabi, minha musa Amaral, é uma espécie de Santa Teresa local, cheia de bares, galerias de arte e lojas bem transadas de artesanato menos convencional. É difícil fugir ao artesanato convencional no Peru. Em dois dias, qualquer um decora tudo o que eles têm pra vender, as faixas de preço (que variam com a cor da pele do freguês) e os métodos de engambelamento (níquel passa por prata, lã de ovelha passa por lã de alpaca, e por aí vai).

Lima, Peru. Neste ponto da viagem, eu estava revoltadíssima por ter tido meu vôo Cusco-Lima cancelado e ter ficado 6 horas chupando dedo no aeroporto como resultado dessa arbitrariedade. Por causa disso, cheguei a Lima tarde demais e perdi a chance de conhecer qualquer museu mega recomendado da capital. Mas vi um pôr-do-sol, va bene, e depois tomei uns piscos e etc na Santa Teresa de Lima, o Barranco. Se você também perder os museus de Lima, não desanime: o Barranco tem vista pro mar, bares incríveis e não decepciona.

Lima, Peru. Será que toda porta de igreja colonial é encravada desses mamilos de bronze provocantes ou isso só acontece no Peru? Eu nunca tinha reparado nisso antes. Pô, um país com um nome desses deveria ter mais decência na hora de encravar coisas nas portas de suas igrejas. Eu achei constrangedor ver que as pontas dos mamilos são lustradas pelo toque humano. Na foto, você vê só um detalhe, mas imagine isso multiplicado por mil! Cada porta de igreja do século XVI tem umas mil peças dessas de cada lado, e tantos mamilos no Peru, sei lá... simplesmente não pega bem.

Rio Madre de Dios, Peru. Este é o Tanzaro, um cidadão do mundo absolutamente descolado, querido e bem resolvido que conheci na Amazônia. Apaixonado pelo Brasil e sediado em Cusco, é daquelas pessoas que a gente tem total certeza que verá de novo. Tivemos conversas incríveis nas tardes de rede à beira do Rio e ele fez parte da minha galera amazônica que, ao final da estadia de três dias no lodge, parecia se conhecer desde criancinha. Quando você fica num lugar isolado e ilhado por cobras e répteis de botes noturnos, onde não há energia elétrica após as 22h, as pessoas são a atração principal. Elas sempre são, mas, neste contexto, o ser humano se torna ainda melhor.

Amanhecer singelo no rio Madre de Dios, Peru. Este rio é um braço do Amazonas e eu naveguei por uma hora e meia nele, a partir de Puerto Maldonado, para chegar ao EcoAmazonia Lodge, onde fiquei por 3 dias. Este foi, definitivamente, um dos pontos altos da viagem. O lodge tem acomodações super gracinhas, completamente teladas, com rede e eletricidade em 3 períodos do dia. Ficar numa hospedaria dessas significa entrar num esquema meio summer camping, com expedições guiadas, pescarias, mergulhos e atividades programadas durante todo o dia - incluindo passeios noturnos de barco pra ver jacaré à margem do rio - a fim de que o freguês não sucumba ao tédio. O gerente é uma espécie de diretor de presídio, porque é ele quem determina em que mesa do refeitório sentará cada grupo (são vários grupos, o lodge tem capacidade pra cerca de 100 pessoas, mas quando eu fui tinha apenas cerca de 30), os horários herméticos dos passeios e das refeições. Aliás, todas as refeições estão incluídas no pacote, já que é meio trevas sair por aí, pelo rio e pela mata, atrás de um restaurante, bar ou boite bacana. Os alcóolatras e comilões podem respirar aliviadamente, porque o lodge tem um bar/cantina que funciona de seis às vinte e duas. Nem preciso dizer que é a cerveja mais cara do Peru. Os caras se valem fortemente da lei da oferta e da procura, mas quem quer encher a cara quando os grilos (e outros milhares de bichos não identificados) que aqui guizalham não guizalham como lá? Dormir na Amazônia é como dormir numa sala de yoga com musiquinha de floresta ao fundo. Só que bem melhor, porque além de não ter que ficar trocando o CD, você toma café da manhã ao lado de araras e tucanos e ainda pode trocar umas idéias e ervas marotas com o xamã local.

Este é o Moe, iraniano inglês que fez parte da minha tchurma amazônica. Um doce de ser humano.
Amazônia peruana. Esta é a maior árvore que já vi na América do Sul. O nome, infelizmente, me esqueci, mas significa "rei da floresta" ou algo assim. É tão alta que não se vê o topo. Idade estimada em 500 anos. A formiguinha ao centro sou eu.

Rio Madre de Dios, chegando ao Lodge. Nenhuma habitação humana num raio de 20 km.

Cusco, Peru. Eu e Nicolas, o argentino queridíssimo que conheci qando dançava que nem uma maluca no Mamma Africa, casa noturna local onde todos os turistas sacodem o esqueleto à noite. No dia seguinte a esta foto, ele iniciou sua caminhada de 5 dias pela trilha inca com um grupo. As pessoas fazem essa caminhada como uma peregrinação às fronteiras do limite humano, para conhecer seu poder de superação. Muitas pessoas fazem isso quando terminam um namoro, perdem um emprego, enfim, passam por situações que abalam a auto-estima. Mas há as pessoas que também entram nessa porque um amigo disse que seria legal ou porque é a forma mais barata de chegar à MacchuPichu. Eu me enquadro na categoria que fará o passeio porque todo mundo que eu encontrei depois da aventura relata ter perdido 5 kg. Raciocinem comigo: são apenas 200 dólares para perder 5 quilos em 5 dias. É o spa mais barato do mundo, e provavelmente o que tem a vista mais bonita e a desculpa esotérica mais convincente. Eu sempre vou poder dizer que fiz a trilha inca porque queria entrar em contato com o meu eu mais profundo, mas a verdade é que meu eu mais profundo está soterrado sob uma moderada camada adiposa contra a qual eu sempre hei de lutar.

Update: li um email do Nicolas há pouco que dizia que a caminhada foi maravilhosa, etc e tal, mas ele se assustou muito quando um homem morreu de um ataque fulminante do coração bem ao lado dele. Estavam caminhando juntos, quando o cara bateu as botas, literalmente. Ou seja: talvez haja métodos de emagrecimento menos arriscados que uma trilha inca, mas ainda não descartemos a hipótese por completo.

Lago Titicaca, Peru. O menino lindíssimo da foto estava no mesmo bote de totora que eu peguei de uma ilha flutuante a outra, e durante todo o trajeto ele cantou músicas em 10 línguas distintas. Seu pai, o remador, dizia: ahora en italiano. E o menino cantava Volare. Francês: frère jacques. E por aí foi, até chegar no português. Eu, a única brasileira do bote, bati palminhas e fui ao delírio quando ele cantou "sapo no lavu pé, no lavu pé puque num qué". Eu juro que, nesse momento, quase virei a canoa, porque senti a necessidade de ovacionar de pé, e não é recomendável ovacionar de pé numa lagoa gelada, a bordo de uma canoa primitiva feita de palha e garrafa pet. O menino, depois da cantoria, passou por todos os passageiros da canoa para cumprimentá-los e pegar uma gorjeta, e eu, que sou descarada, puxei-o pela mãozinha e dei-lhe uma agarrada memorável, daquelas que a gente dá nas crianças que tocam o nosso coração. As crianças peruanas, todas elas, tocaram meu coração profundamente. Não sei se pela beleza de rosto sujo ou se pela forma graciosa como encaram a miséria, mas eu digo a vocês: é praticamente impossível sair do Peru sem jurar pra si mesmo que a primeira coisa a fazer, de volta à casa, é se apresentar como coloborador ou voluntário de uma ONG séria que ajude essas crianças a ter uma vida mais digna. Foda é decidir quem é sério e quem não é. Conheci uma espanhola que foi ao Peru com uma mala de 40 kg repleta de livros e roupas infantis para doar às crianças que encontrasse pelo caminho. Preferiu pagar excesso de bagagem a por dinheiro em mão de ONG.

Ilhas flutuantes de Uros, no Lago Titicaca, Peru. As ilhas flutuantes são integralmente feitas de uma planta aquática que eles chamam de totora, sendo sua raiz usada na parte submersa (2 metros de blocos amarrados de raizes) e seu caule usado para revestir a base (1 metro de capim espalhado em feixes cruzados sobre a base, capim esse que tem de ser diariamente renovado). Os aymaras, habitantes dessa parte do Peru, começaram a habitar o lago em ilhas flutuantes feitas por eles para fugir à guerra que comia solta em terra firme. Hoje, há cerca de 3 mil pessoas vivendo assim em Uros, e cada ilha abriga uma ou duas famílias amigas. Se por acaso deixam de ser amigos, eles pegam lá seu facão e repartem a ilha em duas, e cada um vai pro seu ladinho. Eu achei isso muito engraçado, é a versão puxadinho do lago Titicaca. Aliás, a palavra titicaca também tem duplo sentido pra eles. Pra gente, tanto titica quanto caca significam cocô, e quem chega ao Titicaca por Puno, como eu, não pode pensar em outra coisa que isso: uma merda dupla, uma dose duplicada de excremento - mas aí é só fazer o passeio ao lago pra esquecer da má impressão inicial, ou ao menos colocar as coisas em perspectiva. Para os peruanos aymaras, titi significa "puma", animal sagrado intimamente relacionado à tradição andina, ao passo que há controvérsias sobre o significado de caca, que tanto poderia ser "cinza", quanto "pedra" (puma cinza ou puma de pedra). Na dúvida, dizem os aymaras, o Peru fica com o Titi e a Bolívia fica com a Caca. Como eles dizem isso rindo, é claro que caca pra eles também signfica merda, e eles deixam bem claro que a merda vai toda pra Bolívia. O lago é mais ou menos dividido hermanamente entre os dois países, mas eu senti que rola um sentimento meio Rio X Sampa entre as partes.

Lago Titicaca, Peru. Eu experimentando uns nhacos de totora, uma espécie de aipo de 3 metros de altura que serve como material de construção, comida, remédio e até papel higiênico pra galera de Uros. A minha totora, notem bem, era virgem. Nunca tinha sido usado como papel higiênico, ou pelos menos eu assim espero.

Base das montanhas andinas, no Peru. Cozinha tipicamente andina, com porquinhos da índia se confraternizando antes do jantar. O que eles ainda não sabem é que, no jantar, os humanos servirão cuy. A inocência me assombra.


Machu Picchu, Peru. Choveu à vera em Machu Picchu, mas eu tinha comprado um ponche de plástico que salvou o meu dia. Os dedos ficaram murchos, como ficam os dedos de quem passa horas numa piscina. Cheguei ao parque bem cedo, depois de ter dormido em Águas Calientes, e tive uma visita guiada de 3 horas pelas principais partes do complexo. Depois, como ainda tinha o dia todo pela frente (e mais uma noite em Águas Calientes, a melhor opção pra quem não gosta de correr de um ponto a outro e ainda quer curtir um banho termal noturno), escalei umas montanhas, tirei umas fotos de despenhadeiros nubladíssimos e senti ainda mais vontade de fazer a caminhada de cinco dias pelas trilhas incas. Um dia subindo montanha não me parece o suficiente.

Condado de Cusco, Peru, num restaurante simpático e off-road onde paramos pra almoçar entre cães, gatos e esse bambi foto da foto (que tinha muita vontade de comer a flor amarela no vaso sobre a mesa). A moça da foto é a Gladys Aller Villafuerte, minha guia e madre peruana. Ela me foi indicada pelo filho da minha agente de viagens no Brasil, a Maliza, que já tinha estado em Cusco e sido muito bem cuidado por ela. Com a Gladys, foi assim: escrevi pra ela dizendo que iria passar 10 dias entre o embarque e desembarque em Cusco, e que queria ver Macchu Pichu e a Amazônia peruana (que é um pouquinho distante de Cusco, por assim dizer). Em dois dias ela me mandou uma programação completa pros 10 dias, com boleto turístico, entrada pra Macchu Pichu, todos os trens, ônibus, hotéis, translados e tours guiados incluídos. Seu preço só não incluía a passagem aérea pra Puerto Maldonado (de onde eu inici a parte amazônica da viagem), mas mesmo assim ela lutou na internet por alguns dias até obter a melhor cotação pra mim.

O trabalho da Gladys é absolutamente personalizado. Nada daqueles grupos enormes repletos de turistas vermelhos que desconhecem o modus operandi de um filtro solar. Ter contrato uma agente de turismo no Peru como ela me conferiu diversas vantagens logísticas, como não ter de me preocupar com o que fazer e quando, não precisar abrir guia turístico, não precisar abrir muitos mapas, não ter de barganhar táxi de um ponto a outro (não há taxímetro no Peru, e todos os preços são negociáveis), não ter de procurar os lugares onde comprar passagem de trem e ingressos para parques, além de conhecer coisas que só uma pessoa local antenada poderia me indicar. Fiz as contas, somei os ingressos dos parques e museus, as diárias dos hotéis, as passagens, os translados ao preço mais baixo que um portuinglesnhol-italianesco poderia tratar, e vi que os tours guiados por ela, que é uma simpatia humana e uma alma extremamente generosa, acabaram saindo completamente de graça pra mim. Por outro lado, eu poderia ter programado alguns dias livres pra ter tempo de respirar, dormir até mais tarde, procurar um lugar que servisse um café da manhã decente e explorar a cidade sozinha, por minha conta, coisa que todo turista descolado tem obrigação de fazer - e por isso mesmo, por eu ter tido tão poucas chances de ter o meu próprio tempo, que houve um momento em que eu me senti a própria turista avermelhada que desconhece o modus operandi de um filtro solar. Uma ingênua. Mas a culpa foi toda minha, já que eu realmente não imaginei que se gastaria um dia inteiro fazendo apenas 3 visitas. Há dezenas de quilômetros entre um sítio arqueológico e outro, e se você roda 40km até um, se sente obrigado a rodar mais 40km até o outro, e assim por diante, até que o dia acaba.

Apesar dos meus erros de programação, eu recomendo fortemente a todos que queiram um dia visitar Cusco, Macchu Pichu, Amazônia e etc, que entrem em contato com a Gladys primeiro. Só não repitam a minha tontice de aceitar ter a agenda completamente abarrotada de passeios e saídas, porque essa rotina de horários e roteiros pode ser bem bacana no primeiro dia, mas no quarto dia tudo o que a gente quer é férias das férias, a ponto de sentir calafrios toda vez que alguém fala "sítio arqueológico", porque pra chegar em qualquer sítio arqueológico é necessário acordar cedo, bater muita perna e, sobretudo, quando se tem um guia, se resignar com o fato de que simplesmente não há tempo de se esticar num lugar e ficar o tempo que for, porque o tempo do guia também precisa ser considerado. Quem quiser o contato da Gladys e dicas de viagem pro Peru e Rapa Nui, é só me solicitar por e-mail, pelo vanorresponde arroba gmail ponto com. Prometo responder na primeira oportunidade, o que nem sempre é logo.

Neste santuário perto de Cusco, voluntários recuperam animais da fauna local apreendidos pela polícia ou resgatados em condições deploráveis de saúde, e então os devolvem ao habitat natural. É um trabalho muito semelhante ao que a Luciana Pordeus faz em Angra, mas ela agora é uma ONG, ao passo que esses hermanos peruanos, que só existem há uns seis meses, são apenas um grupo bem intencionado que vive de doações espontâneas de visitantes como eu. Passei por lá entre um sítio arqueológico e outro e chorei com a história comovente desse bichinho, cujo nome em espanhol eu jamais poderia decorar e cujo nome em português desconheço, que foi encontrado sem as patas por um protetor de animais. Naquela região, eles acreditam que as patas desse animal, se esfregadas contra um ferimento produzido por picada de cobra, pode salvar a vida do humano acidentado. Uma balela que custou a este peludinho uma vida inteira atrás das grades, já que agora, sem as garras, ele jamais teria condições de sobreviver na vida selvagem. Pelo menos aí ele tem carinho, alimento, abrigo e a companhia eventual de um coleguinha de passagem. Como eu chorei nesse dia!

No mesmo zoológico, me franquearam o ingresso no recinto dos condores. Havia 3 deles no local, se recuperando de intoxicação por organofosforados, porque os criadores de lhamas mais ignorantes acham que os condores são predadores de seus animas, e portanto põem iscas envenenadas para exterminá-los. O que eles não sabem é que o condor só come carne morta, mas como muitas vezes o criador não vê o que matou seu gado, acaba julgando mal o animal penoso que lhe come a carcaça. Esse bichão da foto é apenas um bebê (os adultos ficam negros com uma coleira branca no pescoço). Ele se deixou acarinhar e pareceu curtir a atenção depois de um tempo. Muito emocionante tocar um bicho com 3 metros de envergadura de asa. Não é à toa que o condor é um animal sagrado no Peru.

Em Sacsayhuamán (quase pronuncia-se "sexy woman"), nas proximidades de Cusco, figura semper fidelis posa à frente de pata pétrea de puma, o mundo presente na trilogia inca.

Minha foto turística com os tipos quechuas em vestes tradicionais. No primeiro dia, qualquer um está disposto a dar 3 soles por foto, embora eles peçam 10, mas a partir do segundo dia, os turistas partem mesmo pro esquemão de tirar foto da galera de costas, pra evitar o pagamento da propina. Há centenas de pessoas que trabalham como modelos fotográficos profissionais, desfilando por ruas e ruínas em suas roupas coloridas, à espera de alguém que lhes pague para olhar pra câmera. Cusco é uma cidade de modelos.

Rapa Nui (Ilha de Páscoa), Chile. Moai tombado de seu altar: sinal inequívoco da guerra civil que assolou a ilha há algumas centenas de anos.

Rapa Nui, no berçário dos moais. Eles eram talhados à montanha, empurrados ladeira abaixo, colocados na vertical para acabamento e só então transportados a seus altares, com as costas voltadas ao mar e os olhos à terra, para a proteção de toda a gente. O moai ao meu lado foi soterrado pelo passar dos anos.

Rapa Nui. Vista da varanda da pousada em que fiquei. A ilha é bastante plana e tem apenas 22 x 12 km de extensão. A sensação que dá é que podemos vê-la toda pela janela.

Santiago do Chile. Em todas as partes da cidade, campanhas para a adoção de animais realizadas por uma renomada fábrica de ração. Eu nunca vi tantos cães de rua em cidade grande como vi em Santiago, o que é no mínimo contraditório: a cidade é linda, limpa, organizada, lembra muito uma cidade européia, as pessoas são educadas, mas há uma quantidade inominável de animais abandonados pelas ruas. São animais de raça pura ou mista, quase sempre em bom estado de carnes, mas sem qualquer sinal de assistência médica ou humanitária. Em Rapa Nui, que apesar da distância ainda é Chile, a situação é ainda mais grave. Os animais de lá não parecem ter tanta sorte com comida e, porque incomodam os moradores, revirando lixeiras e roubando alimentos, acabam sendo envenenados por anônimos. Um crime que muita gente aceita resignadamente porque o governo não adota nenhuma política eficaz de controle populacional. Tristeza.


Rapa Nui. Este aqui é o Felipe, um jovem piloto curitibano que eu conheci num passeio de barco pela ilha no primeiro dia. Gato pacas e super divertido, ele tolera ser chamado de tudo, menos de querido. "Querido é como as meninas me chamam quando não querem nada comigo." Agora eu me pergunto: como alguém pode não querer nada com esse pedaço de mau caminho?


Rapa Nui. China, minha guia local, toca o que muitos chamam de "O umbigo do mundo, propriamente dito": uma rocha magnética arredondada a que alguns turísticas esotéricos creditam poderes mágicos. Há gente que vai a Rapa Nui apenas para tocar nessa pedra, encostar-lhe a testa e pedir-lhe fertilidade e prosperidade. Eu, que sei que o umbigo do mundo não é aquele toco de pedra, e sim a ilha toda, toquei a pedra com a mão, a testa, os peitos e meu próprio umbigo, porque energia é bom e eu gosto. Detesto desperdiçar uma boa superstição, sobretudo quando eu já estou ali mesmo, e se tá na chuva é pra se molhar. Confesso que senti uma espécie de barato quando me embolei com a pedra, tanto que tirei a foto assim, de banda, ainda em estato de êxtase, e esqueci de girá-la na posição correta na hora de subir pro post.


Moai modernoso, em Rapa Nui, com feições mais detalhadas. Ao fundo, o altar com 15 moais mais famoso da ilha, que foi restaurado por uma empresa japonesa depois de ter sido lambido por uma tsunami. Numa ilha tão pequena, tsunami chega a ser covardia.

Rapa Nui, no berçário dos moais. Os rapa nuis antigos esculpiam as estátuas na própria montanha, usando pedras mais duras que a rocha vulcânica usada para esculpir, e depois as escorregavam ladeira abaixo, até que se fincassem na terra, na vertical, para lhes finalizar as costas e o rosto. Como essas montanhas de pedra chegavam aos seus altares, alguns a 20 km do berçário, é que permanece um grande mistério. Os descendentes dos rapas nuis antigos, por tradição oral, sabem que as estátuas se camiñavan da montanha a seus altares. Num lugar sem árvores, sem troncos para rolamentos e sem animais de tração, a hipótese de estátuas que caminham sozinhas nunca deve ser completamente desprezada. Há mais entre o céu e a terra do que supõe nossa vanOr filsofia.

Rapa Nui. Essa árvore é uma espécie de Tok & Stok local, pois é nessas folhas que se servem as comidas de festas e churrascos. Dá um pratinho bem duro e jeitoso, só não dá pra usar faca, senão a comida tende a vazar do prato. A gente come com a mão mesmo, e dá tudo certo. Rapa Nui é tão longe, mas tão longe, que nem bactéria de toxiinfecção alimentar existe por lá.

Rapa Nui. Não sei se dá pra perceber que esse foi o lugar que eu mais amei nessa viagem. À esquerda, um petroglifo do Homem Pássaro, que na verdade era o primeiro homem a descer a montanha, nadar 3 km no mar bravio de tubarões, escalar o cume da última ilha, ao fundo, e voltar com o primeiro ovo de uma ave marinha sagrada pra eles, muito parecida com uma fragata, que eles acreditavam ser o ovo do deus Sol. O homem que tocasse aquele ovo e o trouxesse intacto à ilha se tornava o líder espiritual dos rapa nuis. Esse é o tipo de desafio humano que jamais poderá ser reproduzido no mundo moderno, onde a vida é um bem inalienável ao Estado. O homem moderno não pode se matar se quiser, é contra a lei. A Redbull tentou implementar na ilha uma competição estilo ultra-mega-hardocore-man que simulasse as dificuldades das provas do Homem Pássaro, mas as chances de um candidato morrer eram tão grandes, que eles acabaram desistindo.

Um detalhe que eu adoro nesta foto: o horizonte é curvo e a Terra nem é tão grande assim. Grande é o coração da gente, e quando é. Rapa Nui dá essa certeza nas pessoas de coração agigantado.


Chegada à Rapa Nui. Como em toda ilha polinésia que se preze, colares de flores no pescoço dão as boas vindas aos visitantes. Uma ótima forma de chegar em qualquer lugar, definitivamente.

Peludo encoleirado de Rapa Nui. O único cão com coleira que vi em 20 dias entre Chile e Peru.

Valparaíso, Chile. Vidros da casa de Neruda. Única foto que se pode tirar do lugar, onde as fotos são proibidas, mas a emoção é garantida.

Valparaíso, Chile. Faz frio nas praias do Chile, mas ainda assim, elas são lindas.

Rapa Nui, no extinto vulcão Ranu Kao, com 2 km de diâmetro e um discreto desabamento da cratera na direção do mar. Nada como estar numa ilha tão pequena com vulcões tão colossais.

Moray, Peru. Minha oferenda singela à Pachamama, Mãe Terra, que eu depositei no epicentro do grande laboratório agrícola dos incas, um colosso de fazer o coração transbordar de paz e emoção.

Ilhas Uros, Lago Titicaca. Crianças lindas, roupas coloridas, céu azul: um retrato mágico do Peru.

No Mamma Africa, casa noturna de Cusco, no Peru, a cerveja é Cusqueña com C maiúsculo, e sempre está na temperatura ideal pra lubrificar os corpos dançantes. As noites de Cusco só são frias pra quem não sabe se mover. É natural que algumas pessoas não se movam por medo da síncope do ar rarefeito, o mal das altas altitude, mas quem já teve asma não tem medo de falta de ar. Eu mesma, que tenho obstrução pulmonar asmática moderada, só sentia desconforto físico quando subia mais de três lances de escada com minhas duas mochilas de 18kg. Mas aí, meu nêgo, só o super homem não sentiria uma taquicardiazinha discreta.


Valparaíso, Chile. Um moai deslocado de Rapa Nui envergonha os moradores continentais da cidade e magoa os rapa nuis, que prefeririam que essa fase de horror e subtração que tanto marcou a sua História já estivesse encerrada por completo. Mas o homem dito civilizado tem essa mania feia de tirar as coisas do lugar, o ouro dos templos e de violar o sagrado, sobretudo quando se trata do sagrado dos outros. Depois de visitar o Peru, fica realmente difícil não ter uma certa mágoa dos espanhóis, apenas pra citar um exemplo de colonização devastadora.

Santiago do Chile, a cidade mais civilizada da América do Sul, com sua mistura perfeito de velho e novo, motoristas que respeitam pedestres e cidadãos com noção de cidadania e civilidade (exceto pelos cães de rua, que isto sim é o pior horror do Chile).

terça-feira, abril 21, 2009

Algumas considerações sobre o exílio

Nestas férias, pela primeira vez na vida, embora estivesse viajando voluntariamente e por puro prazer, eu experimentei algo parecido com a sufocante sensação de exílio. Achava Santiago linda, organizada, limpa, bem transada... e pensava: adoraria sair com meus amigos aqui. Achava Cusco animada, badalada, e repleta de gatos e pensava: como queria que minhas garotas estivessem aqui! Achava Rapa Nui um paraíso e chorava porque a Marina não tinha conseguido sincronizar tempo comigo. Enfim, eu senti muita falta das minhas pessoas queridas, sobretudo das minhas garotas.

Notem que eu não sou pessoa com dificuldades de relacionamento. Eu puxo uma conversa em cada lugar onde passo mais de 2 minutos, e isso inevitavelmente me rendeu o extraordinário deleite de faturar, nesta curta viagem, 4 novos amigos que prometem laços longevos, nesta ordem:
- Felipe, brasileiro, piloto e gato que conheci em Rapa Nui;
- Nicolas, argentino e aventureiro que conheci em Cusco;
- Tanzaro, iraniano/inglês/italiano tatuado e descoladíssimo que conheci na selva;
- Moe, iraniano/inglês, apaixonado e filósofo ocasional que conheci em Puerto Maldonado.

E todo lugar onde eu formava uma turma era meu lugar favorito, e assim sucessivamente, de forma que estas férias me ensinaram que até Bangu pode ser um resort de férias incrível se as pessoas certas estiverem na programação. Não que eu queira comparar Peru e Chile com as áreas menos nobres da nossa cidade - embora o Chile esteja todo mais pra Leblon que Realengo, o mesmo não se pode dizer de Puno, no Peru, apenas para citar um exemplo óbvio -, mas este ano eu descobri que faço turismo social, e não ecológico, antropológico, mercadológico ou bonitológico. Só que de tanto ver gente, sinto saudade da minha gente e, em algum ponto, penso: estou viajando à toa: já conheço as melhores pessoas do mundo, não tem sentido continuar buscando.

OK, reconheço que estou indo por um caminho meio trevas. Talvez esteja um pouco deprê porque minhas férias vão acabar em breve e eu passei as últimas 72 horas entre aeroportos, numa rotina desgastante e desumana típica de viajante duro e/ou inexperiente, que prefere economizar 300 dólares em bilhetes aéreos a uma boa dose de paz e sossego. A verdade nisso tudo é que eu nunca gostei tanto de voltar pra casa. Peru, maneiro pra carajo, vou voltar lá e fazer a trilha inca de cinco dias com a Marina. Santiago, linda de morrer, a Tati não exagerou nem um pouco - voltarei sempre que tiver uma chance. Rapa Nui? Meu lugar favorito no globo terrestre! Sempre tive predileção por umbigos, mas eu vou voltar pra lá não por isso, e sim pra passar umas boas semanas participando como voluntária de um mutirão de castração de cães e gatos, que lá são tantos que a própria população os trata de envenenar. Como acontece, aliás, em Puerto Maldonado, no Peru (apenas com a importante diferença de que o veneno organofosforado é distribuído pelo próprio governo a cada seis anos para matar os animais sem identificação - ou seja, todos).

Estou feliz por voltar pro Rio porque aqui o abraço é permitido e manifestações de afeto são bem vistas em público. Aqui, o humor é leve e picante, não se paga imposto sobre o riso, a cerveja é sempre gelada e o café, cheiroso e delicioso, é adequadamente torrado e moído, e não um suco maguary concentrado que se vende em caixinha pra servir misturado a uma xícara de água mais ou menos quente e salgada. Estou feliz de estar de volta, enfim, porque estava morta de saudades dessa terra, dessa gente.

E porque as aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá.


Porque eu sou descarada, andei me embolando com uns negões em Rapa Nui. O amor puro tem orelhas macias e distribuição cosmopolita.

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domingo, abril 19, 2009

Estou voltando pra casa (outra vez)

Ontem passei 4 horas no aeroporto de Cusco porque meu vôo foi cancelado (just because!), cheguei em Lima no final da tarde, andei de Miraflores ao Barranco, noitada maneira entre limenhos amauriçados e apatriçados, dormidinha rápida no hotel mais sujo do mundo (El Plaza, passem longe dele), tomei café -- o café da manha peruano é o pior café continental do planeta Terra --, negociei um táxi até o aeroporto, temi por minha vida (porque os táxis peruanos nao só estao em péssimas condiçoes de conservaçao, como os motoristas têm uma preferência brutal perigosa à buzina em detrimento do freio), paguei uma revoltante taxa de aeroportuária de 31 motherbloodyfucking outrageous dólares, fiquei lisa como bunda de bebê, cheguei em Santiago ahorita e amanha volto ao Rio.

Posso dizer que essas últimas 48 horas de férias tendem a nao deixar qualquer saudade. Ninguém gosta de estar em 3 países diferentes em 3 dias consecutivos, ainda mais com tantos perrengues. Mas é isso aí, o Rio é lindo, em 16horas estarei em solo brasileiro e férias agora, só no ano que vem.

Preciso contar em detalhes minha experiência amazônica. Conheci um Chaman, como eles dizem. Mañana, mañana. Hasta prontito, hasta loguito, hasta Tom Jobinzito, meu aeroporto preferido em todo o planeta porque é o portal de entrada pro paraíso, que atende pela alcunha simpática de Rio de Janeiro.

Nada contra o resto do mundo, mas Puno me deu uma bad impression do Peru.

segunda-feira, abril 13, 2009

A caminho da selva

Galera, estou a caminho da Amazonia peruana e ficarei fora do ar geral por uns 5 dias. Só entrei aqui pra fazer uma recomendacao importante: quando quiserem ir ao Lago Titicaca, esquecam Puno. Puno dá acesso ao lago, mas é como o portal do inferno. Um favelao sinistro. Fiquei extremamente deprimida em Puno, mas o lago foi maneiro e já estou de volta a Cusco. Cusco é seguro e mega vale a pena. beijos e hasta pronto, Van

sexta-feira, abril 10, 2009

O pisco sour, definitivamente, é peruano!

Como diz o ditado, no Peru, como os peruanos. O pisco sour do Chile nao é nada mau, mas a cerveja é bem ruim, de forma que fiz umas contas e decidi que o pisco, o pisco sour, o piscopolitan e tudo que deriva do pisco deve ser creditado ao Peru. Coitaditos dos peruanitos, poxa! Os espanhóis foram maus pra caceta com eles, saquearam, mataram e tocaram o terror geral, os hermanos daqui sofrem preconceito e passam perrengues aduaneiros horrendos até pra fazer turismo no Chile (rola uma má vontade), sao super simpáticos, gentis, humildes e amigáveis, de forma que eu acho apenas justo que o pisco seja deles. O pisco é peruano e ñao se fala mais nisso. (estou experimentando este teclado, mas acho que aqui ñao rola til puro, til sobre A, cedilha e outras coisas que a reforma ortográfica ainda ñao baniu)
Sem contar que o pisco sour daqui é cinco soles mais barato e dez vezes melhor que o chileno. Mil vivas e mil desculpas ao Chile, mas a cerveja peruana cusqueña e a comida daqui sao bem melhores. Os quechuas sabem dar de comer e beber.
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Tou experimentando o teclado. Encontrei o asterisco! Como os arqueólogos, estou descobrindo muitas coisas no Peru. O Peru é incrível. Tem até asterisco, e nem precisava (com tantas coisas genuinamente interessantes que abundam por aqui).
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Acabo de ser assaltada numa lavanderia em Cusco. Paguei metade pela mesma quantidade de roupas em Lima, mas estou tao cansada de bater perna MachuPicchu acima, MachuPicchu abaixo, nos incontáveis sítios arqueológicos de Cusco, subindo e descendo ladeira com mochilao de 70 litros, chovendo pra caceta no meu poncho de plástico (hahaha, claro que eu comprei um, e lilás), que realmente ñ tive enerRRRia pra barganhar com a mocinha da lavanderia ao lado (sabe do lado, lado mesmo?) do hostal. Estou num hostal em San Blas, um bairro ao qual minha musa Amaral tinha se referido como sendo uma espécie de Santa Teresa daqui, e estou realmente tao feliz que fui assaltada na lavanderia com uma certa alegria. Coitaditos dos peruanitos, foram tao saqueados pelos espanhóis, deixa eles me saquearem um pouquinho também. Más adelante eu barganho por conta. E eu sou boa nisso, estou impressionada. Barganho até mesmo quando o preco está impresso na embalagem. Buscar o melhor preco virou um vício, nem é mais questao de sobrevivencia.
Tenho certeza de que tem circunflexo aqui, mas deixa pra lá. Se eu encontrar o asterisco de novo, vale, está muy bien.
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Desde que comecaram minhas férias, coloquei meu relógio de corrida no pulso e só tiro pra dormir. Ainda ñao sei se porque saber a hora no Rio de Janeiro me conforta (porque as trocas de fuso sao mucho locas) ou se porque tenho medo de perder a hora pra todos os compromissos de férias, que sempre comecam cedo. Pra MacchuPichu, galera, a alvorada foi aas quatro e meia da manha. Nada que eu ñao faca sorrindo, mas caramba! Depois de dez dias nessa correria, já comeco a sonhar com meu pós-férias. Mas eu aguento.
Por falar em correr, estou sem correr desde segunda. Corri na Ilha de Páscoa com os moais dum lado e os cachorros do outro, tudo lindo de morrer, mas aqui é meio foda se atrever a correr. Nao fiquei mal com a altitude, mas pressinto que expor meu coracao a uma corridinha aqui seria a morte. Subir tres lances de escada com uma mochila de 14kg já quase me mata, de forma que eu simplesmente confiar na minha intuicao e interromper meu treino pra meia de junho por uns dias. A trilha de duas horas que fiz em MacchuPichu deve contar como atividade física. As noitadas dancantes em boates locais devem ajudar. E as 10 horas de caminhadas diárias subindo e descendo ruínas também.
Os quechuas nao eram só excelente agronomos, astronomos, engenheiros e estrategistas militares, eles eram também muito sarados! Vai ser sarado assim lá em Rapa Nui! Pra subir e descer o que eles subiam e desciam, tome canela, coxa e bunda! E alguns llamas, que em terra de sobe e desce, quem tem llama nao carrega mochila de 14kg.
Amanha eu e meu portunhol safado iremos aa Puno e Titicaca. Parando e andando pelo caminho, claro. Minha guia peruana, a Gladys, é uma maezona. Nao tenho nenhuma preocupacao logistica. Ela manda, eu obedeco. Ela diz que eu horas eu tenho que acordar e eu acordo. Ela vem, me busca e o dia só termina 10 horas depois. Aas vezes eu acho que vou dizer pra ela menos, Gladys, menos, mas é tudo tao legal que eu digo, adelante, Gladys, adelante. Quem vem ao Peru sem a Gladys perde. Depois eu passo os contatos.
beijos saudosos ma non troppo. Tá bom para carajo aqui. Hasta luego, amigos. Hasta pronto, hasta la vista! Ah, e caso vcs estejam se perguntando, fotos, só do Brasil. Minha camera é uma sony, e sony é muito pouco sociável com adaptadores genéricos de lan houses. E é claro que eu nao trouxe o meu. Viver peligrosamente és meu lema. E do meu portunhol safadao, cretino, canastrao.

sábado, abril 04, 2009

Umbigo, umbiguim, umbigao

Quando cheguei ao aeroporto de Santiago para tomar o voo de 5h20min para Rapa Nui, senti um frio na espinha ao ver que os passageiros na minha frente despachavam laranjas e caixas de isopor (repletas de comida) em vez de malas e mochilas comuns. Caraca, eu pensei: deve ser muito caro comer num lugar onde a comida chega de aviao. Decidi que em Rapa Nui, a melhor coisa era nao ter fome e agir como uma pessoa magra qualquer: comer muito de vez em quando e torcer pra nao ser convidada pra um jantar dancante de gala com tudo pago - por mim. Odeio fazer desfeita, ainda mais com um povo tao tradicional quanto o Rapa Nui.

Foi por isso que eu aceite participar do churrasco da Ana, a simpatica dona da pousadinha em que estou. Tao simpatica que me buscou no aeroporto com um colar de flores, que ela enfiou no meu pescoco na hora, e eu me senti na Ilha da Fantasia e senti ganas de dar gritinhos. O ingresso pro churrasco era um poquito de comida ou bebida, entao eu achei bastante honesto e fui ao supermercado comprar uma carninha.

Hahaha. Esquecam a carne em Rapa Nui: o supermercado tem metade das prateleiras vazias, e o que tem ou é em pó, ou é em lata. Ainda nao fizeram carne em pó, e até tinha carne em lata, mas eu achei mais churrascoso comprar umas coxinhas de frango semi-degeladas (que nao me ouca a vigilancia sanitária!) e levar pra festa. Entreguei a carga na mao do Teto, marido da Ana, e ele imediatamente colocou aquela carne toda mal ajambrada sobre a grelha. Eu, usando meu melhor portunhol, falei: "Nao, Teto, essa carne está toda sem tempero." Isso porque eu queria dizer o mínimo: nao tem tempero, nao está lavada, veio de um lugar imundo, foi embalada em saco plástico, está com pele, enfim. Vá falar essa porra toda em espanhol! Ele piscou pra mim e disse que iria temperar ali mesmo, sobre a grelha. Carajo, pensei. Será bien fueda para carajo comer essa mierda, es mejor agir como una persona magra, no sentir hambre, bla bla bla. Mas depois os caras te enchem de escudo e vinho, te dao uma folha dura como prato, explicam que ali se come com a mao mesmo, vai fundo muchacha, uma cachorrada em volta e eu passando a mao geral em todos eles, depois comendo com a mao uma mistura de salada, arroz e carnes que eu nao distinguia bem no escuro, um violeiro tocando musicas brasileiras soh pra eu cantar, eu cantando, e viva Brasil!, viva!, e ouvi com aguas nos olhos uma versao rapanui pra uma musica em espanhol que eu conheco, mas cujo nome nao recordo, e o mar estourando nas pedras ao fundo. Foi bonito demais.

Fiz dois passeios aqui, um de barco e um de sight-seeing. O snorkel foi uma enganacao danada: o barco largou a gente no meio do Pacífico, numa água de azul escuro tao escuro que eu pressenti tubaroes nheco-nhecando meu pequeno pernecho. Pra minha sorte, nao tinha tubarao nem peixe (que eu tenho fobia de peixe), mas foi meio frustrante ver um pontinho branco no fundo do oceano tao longe da gente, mas tao longe, que eu estalei meus ouvidos quase a ponto de ser surda pra sempre tentando chegar mais perto. E tudo o que vi foi... um pontinho branco bem lá dentro, no fundo. Talvez se eu fosse um golfinho. Talvez se fosse mergulhadora com aparato e o cacete. Mas é bacana estar no meio do Pacífico, de toda forma. Dá pra sentir um clima.

O violeiro que tocou musicas brasileiras no churrasco falava um portunhol super melhor que o meu, e com sotaque carioca. Teve um momento em que ele errou um acorde e disse, "Ih, caralho!", mas disse assim, como quem fala o nome de uma flor. Eu achei essa inocencia caralhistica bastante bonita. E nao há um segundo aqui em que eu nao pense que isso tudo é bonito pra caralho, e nao tem problema nenhum falar isso aqui, do umbigo do mundo, porque é tao longe que nao se escutam as coisas feias ou palavras cabeludas. E o lago vulcanico é bonito pra caralho, o mar é, o isolamento é, o mundo é, e a gente nao é nada, mas nada mesmo, perto da beleza que a vida nos reserva. Uma beleza tao perfeita, que eu comeco a entender Deus um pouquinho.

Rapa Nui é longe assim. Tao longe que eu sugiro que a expressao "na casa do caralho" seja sistematicamente substituída por "lá em Rapa Nui". Vai fazer mais sentido e soará bem mais florido que a palavra cabeluda em si.

quinta-feira, abril 02, 2009

Enfim, Chile.

Escrevi um post enorme.

O blogger apagou tudo.

Nao era pra ser, imagino.

Nestas férias, só remo a favor da maré.