Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

segunda-feira, março 30, 2009

Insônia pré-viagem

Passei 1 mês sem dormir por causa do trabalho antigo. Depois passei um mês sem dormir por causa do trabalho novo. Agora que eu vou dar um tempo desse trampo todo, não consigo dormir porque estou com medo de ter esquecido alguma coisa. Porque a gente sempre esquece alguma coisa, não tem jeito. Prova disso é o peso da minha mochila: 14 kg. Ou eu virei gente (e aprendi a viajar), ou eu definitivamente esqueci coisas muito pesadas que me farão uma falta danada.

A jaqueta de vento-frio-chuva, que era a minha maior preocupação, eu garanti com a Gabi, minha musa Amaral, que me emprestou uma peça high-tech total. O aipode, que eu queria encher de músicas novas, ficou com as mesmas músicas velhas de antes, porque só um milagre pra transferir apenas as músicas que a gente quer pro nano. Por sorte ou milagre, eu enfiei um curso de espanhol inteiro no radinho, e se esse vôo pro Chile for longo o bastante, eu já vou chegar lá gastando meus buenos dias, bueno el carajo a cuatro.

Esta viagem, aliás, está me passando uma energia sinistra de hermaned nagô. Está me dando a sensação de que eu dei um passo irreversível para abraçar a América e sentir o sangue hermano que jorra das veias latinamente abertas descritas por Eduardo Galeano. Não vou me afrescalhar e sair por aí cantando que soy loco por ti, América, porque eu tenho a obrigação moral e cívica de conhecer primeiro para só então formar opinião. Mas se o Che gostou, e o Che era um cara franco (e tinha asma, olha quantas coisas em comum!), capaz d'eu gostar também.

Daqui a poucas horas eu embarco completamente desconectada do universo. Celular vai ficar desligado o tempo todo pra repousar minhas orelhas. Laptop, de jeito maneira. Nem meu palm teoricamente fodástico, com wi-fi, skype e MSN, mas que não abre pdf, portanto não serve pra p*rra nenhum, eu estou levando. Imprimi as dicas da Gabi, uns capítulos do lonely planet só pra não dizer que estou na ignorância completa, e estou contando com isso só, e com bom tempo. Eu gosto de férias com bom tempo, mas chove em Cusco sem parar há 3 semanas já. Tudo bem: pela primeira vez na vida, estou levando guarda-chuva nas férias e estou completamente resignada com isso. Se eu não domino o milagre de enfiar as músicas no aipode, tenho de ser humilde e reconhecer que eu também não vou conseguir fazer parar de chover em Macchu Pichu. Primeiro o aipode, depois o tempo, depois o mundo.

Uma das coisas que eu me lembrei de levar foi a máquina fotográfica, e eu vou de vez em quando tirar uma fotinha pra mandar uma notícia, porque certamente tem internet e lan house até nos lugares mais rarefeitos e umbilicais do mundo. Até meu próximo contato, comportem-se neste quartinho, e nada de salada mista e pegação no escurinho!

Ah, tá vendo só! Já sei o que eu esqueci: do nome do bairro de Santiago que é como a Santa Teresa daqui.

(É. Acho que hoje eu não vou dormir.)

terça-feira, março 24, 2009

Mental farting

Uma das pessoas mais intrigantes que conheci pela internet me contou que fez sua primeira viagem de mochila pro Peru, aos 17 anos. Ele voltou completamente gay da viagem. Disse que se tivesse ido pra Chechênia, talvez voltasse hétero, mas como foi pro Peru, aí pronto: não teve jeito!

***

Por que não me deixam usar eritropoetina? Existe alguma política anti-dopping de viagem?

***

Coitado do Chile: nessas férias, eu vou ao Chile e ao Peru, mas no meu planejamento de viagem, só estou dando atenção ao Peru: é guia do Peru, pesquisa online de excursões no Peru, conversa com amigos sobre o Peru, compra de repelentes pra usar no Peru, enfim. Talvez o Peru seja a escolha inconsciente de nove em cada dez mulheres solteiras heterossexuais. Talvez eu goste mais de Llosa que de Allende, mas e o Neruda, coitado! Onde fica?

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De quem é o pisco, afinal?

segunda-feira, março 23, 2009

Check-list pré-viagem

1. Seguro saúde (com cobertura para acidentes com cavalos, lhamas, vinhedos e quetais).
2. Farmacinha emergencial (com medicamentos para cobrir 90% das infecções gastroenterais, remédios para a hipóxia das altas altitudes, remédios para choque anafilático e para quase tudo aquilo que mata antes que o contribuinte tenha a chance de chegar a um hospital: minha farmacinha só não tem desfibrilador porque meu limite de bagagem é 20kg, valeu?)
3. Reduzir a farmacinha emergencial pra fazer espaço pra uma roupinha de frio ou duas;
4. Desodorante forte, pra poder passar uma semana com uma roupa de frio só (ou duas);
5. Biquini e suéter de lã (porque o Chile e o Peru são muito magros, e por isso têm praia dum lado e frio do outro);
6. Jaqueta contra vento, chuva e frio. Ou uma jaqueta contra chuva, uma contra frio e uma contra vento. Ou escolher aquela que dá conta do pior dos três, porque três em um, só se for pra pagar 500 pratas, e 500 pratas eu não pago! Prefiro me rasgar todinha, de cima a baixo, a pagar 500 reais numa peça de roupa ridícula.
7. Tocador de música com 16GB de música. Ninguém merece repetir faixa nas férias.
8. Certificado de imunização contra a febre amarela. O governo é uma coisa estranha: te vacina de graça no posto de saúde perto de você e te dá um papel que não serve pra porra nenhuma; no entanto, se você for um desocupado com muito tempo livre, pode pegar esse papel-lixo e dar um pulo com ele lá na PQP do Galeão pra trocar por um certificado com validade internacional. Cara de de palhaço, pinta de palhaço...
9. Passagem de trem para Macchu Pichu. Quem não compra as passagens com pelo menos uma semana de antecedência, morre na praia. Tão perto e tão longe: as ruínas são exclusividade dos viajantes pré-organizados.
10. Imprimir o melhor do Lonely Planet. Nada que vá matar alguma floresta. O Lonely Planet não tem lá tanto conteúdo.
11. Filtro solar FPS50. Pedro Bial é meu pastor e nada me faltará!
12. Tô brincando em relação ao Pedro Bial. Na verdade, quem falou aquelas coisas todas sobre o filtro solar foi o Baz Luhrmann.
13. Cortar o cabelo. Odeio viajar sem cortar o cabelo, porque cabelo é coisa que dá trabalho, sobretudo em viagens. A mulher tem que ser prática: pode levar creme pra celulite, mas convém deixar o cabelo no chão do cabeleireiro.
14. Um só livro de short stories, porque os vôos dentro da América do Sul não são assim tão longos.
15. E que esse livro seja um do David Sedaris, porque as férias precisam ser divertidas a todo custo.
16. Tênis de corrida. Férias não são endosso pra auto-indulgência.
17. Maquilagem? Sim. Removedor de maquilagem? Não. Vamos salvar os pandas!
18. Máquina fotográfica? Sim! Tirar mais de 100 fotos que nem você terá saco de rever? Claro que não.
19. Guia rápido de portunhol? Si, si! Compromisso em passar do Hola, que tal? No, no.

Afinal, gente: se a gente levar as férias a sério demais, onde esse mundo vai parar?

domingo, março 22, 2009

Prurido psicológico

Uma moça levou um poodle-lata mega fofolete pra consulta semana passada. Era um daqueles cachorros-pompom que fazem a gente querer fazer compra de bichinho de pelúcia. A proprietária disse ser dona da mãe da ninhada, e contou que a família que adotou aquelezinho ali o tinha devolvido sob a alegação leviana de que todos na casa ficaram com coceira desde que o cachorrinho chegou.

Examinei o peludinho e encontrei umas caspinhas insignificantes, impetigo de bebê, nada que justificasse uma família inteira se coçando. Falei, do alto de meu desprezo profundo por gente que se coça por causa de cachorro:
- Foi bom eles terem devolvido o cachorrinho, só assim você pode encontrar uns donos saudáveis, do tipo que não tem alergia a cachorro. Gente alérgica é super problemática. Você não quer que seu neto pare numa família problemática.

Ela concordou e foi pra casa super feliz. Solução: novos donos. Problema resolvido.

Antes que entrasse o próximo, falei pros estagiários:
- Caraca, galera: eu estou me coçando inteirinha.
E eles:
- Eu também!
- Putz, achei que fosse só eu...

- Ah, gente, o cachorro não tinha nada, isso só pode ser psicológico. Vamos em frente que atrás vem gente!
- É, não há de ser nada.
- Deus é pai.


Amém. Porque não era nada mesmo.

SabeNandoria Reis

"Quando a gente a fica em frente ao mar, a gente se sente melhor."
(A letra A, Nando Reis)

So true.

Post triste

Então todo mundo sabe: que a fêmea escolhe o macho, que ela só engravida em condições favoráveis à concepção (estou falando das regras da Natureza), que seu comportamento de gestante se modifica para segurar o feto no ventre, para que o feto fique no ventre o tempo suficiente pra que esteja maduro e pronto pra enfrentar a vida com um fortíssimo grito de guerra, mas de repente uma amiga sua te avisa que alguém "desengravidou".

E desangravidou antes do tempo. Não deu tempo, e o bebê já era.


Tudo bem que isso acontece com 1/4 das mulheres no primeiro 1/3 da gestação, mas dá licença d'eu dizer que matemática de cuérrola e que eu odeio o que é comum ao comum dos outros: os meus queridos tinham sempre que ser incomuns, raros e peculiares. Não admito estatísticas no meu círculo de amizades.

Não admito não ter o superpoder de voltar no tempo. E de fazer o feto voltar ao útero. Ou de fazer o câncer não crescer, ou de fazer o vivo não ser morto. Não admito essa limitação humana, e isso talvez revele um grave defeito do meu caráter: ser humano é um cu.

O bicho homem é uma coisinha tola insignificante.


E isso me deixa muito triste. Muito triste, clowzinha, você não sabe como. Você não sabe como, porque pra saber como, você teria que sair do próprio corpo e deste planeta e me ver de cima, e então perceber que eu sou só torcida, só platéia pra sua alegria... e só lágrimas pra sua tristeza. E que sua tristeza é minha, como a minha própria tristeza não é. E por isso eu sinto muito. Eu sinto demais, quero dizer.

In vinus, post-it.

Cai o rei de espadas, cai o rei de ouros, cai o rei de paus, cai, não fica nada.

Meu celular está desligado desde ontem. Descobri pela enésima vez que odeio celular com todas as minhas forças. E não é só celular que eu odeio: odeio as operadoras de celular, odeio suas mensagens não solicitadas de promoções, odeio seus serviços capengas. Odeio odiar sozinha, porque odiar sozinha é premissa das pessoas desagradáveis.

Tinha um tempo que eu não ia a um mega show na apoteose. Fui ao RadioHead na sexta, u-hu,. Eu me senti vinte anos mais velha que no show do A-Ha, há vinte anos e tal. Deve ser natural se sentir vinte anos mais velha vinte anos depois, mas eu me senti uma merda, sobretudo quando eu não entendi a banda do meio. Porque teve uma banda no meio que ninguém entendeu: nem a galera de 18 anos, nem a galera da terceira idade. Então os mega-concertos agora unem as tribos etariamente díspares pela ignorância. E o chope a cinco reais reune todas as ignorâncias. O etilismo é uma benção, esqueçam a ignorância.


A propósito: eu vi a banda do meio no palco: parecia uma instalação, mas eram pessoas tocando algo parecido com música eletrônica. Algumas pessoas curtiram, eu vi com esses olhos que a terra há de comer, mas ainda assim eu continuo sem entender a modernidade.

Semana que vem, eu viajo.

Passarei 3 semanas entre o Chile e Peru. Vou dar um pulinho de 3 dias no umbigo do mundo, que eles chamam de Ilha de Páscoa, mas tem muito homem primitivo que ainda gosta de chamar de Rapa Nui. Eu, como homem primitivo que sou, chamo de Rapa Nui. O umbigo do mundo. Gosto muito de umbigo, eu sou uma pessoa que gosta muito de umbigo. Não do próprio umbigo, mas de umbigos outros. Daqui a 10 dias, estarei no umbigo do mundo. Eu acho que o umbigo do mundo é um lugar bacana. É caro pacaceta chegar lá, mas eu estou com a sensação de que este umbigo valerá a pena. Depois eu digo.

Alguém aí toparia fazer essa viagem comigo? Tudo o que você precisa pra isso é de:

1) tempo;
2) dinheiro.


Quem tem tempo e dinheiro, tem tud0. Foda-se a saúde. Foda-se o amor. Pra ir ao umbigo do mundo, você só precisa de tempo e dinheiro. Obrigada, funcionalismo público, pelas férias remuneradas de 30 dias por ano. Obrigada, traduções, que eu odeio fazer, mas pagam o umbigo do mundo. Porque nem sempre tempo é tudo: às vezes dinheiro também tem seu valor. Cada um sabe o ponto do planeta que ainda pode ir. E o hotel onde pode se hospedar.

Eu acho que gente deve ir em todos os lugares onde ainda não foi. O mundo só fará sentido depois de completamente explorado. Não existe humanista teórico. Todo humanista viajou mundo afora, e foda-se muito quem quiser ser humanista sem ter viajado. Você pode parar de comer carne se quiser, você pode ser orgânico se quiser, mas pra ser humanista de verdade, tem que ser um pouquinho burguês e explorar o planeta. O mundo ainda é premissa exclusiva daqueles que podem comprar uma passagem, não adianta.

A teoria sem prática é como uma punheta que nunca ejacula. Sem cabimento.

Postei, pronto. Nunca mais voltarei aqui, terei contato zero com esta realidade.

Aliás, a realidade é premissa daquilo com que temos contato. O umbigo do mundo não é a realidade de ninguém, porque quase ninguém tem contato com ele. Mas ele está lá, no meio do Pacífico: às vezes calmo, às vezes furioso, mas nunca deixou de exisitir: desde que o mundo é mundo, desde que o mundo tem umbigo.

Aquilo que a gente não pensa, simplesmente não existe: e esta ignorância é a coisa mais triste.

quarta-feira, março 18, 2009

A história do samba na Lapa

Vim aqui deixar um recado bem aceleradinho, jogo rapidex, porque eu poderia estar aqui simplesmente roubando, matando ou até estuprando, mas estou simplesmente divulgando um show, perdão, um pocket show que conta a história do samba - esse velho conhecido que todo mundo finge que gosta, mas ninguém sabe de onde veio - em ritmo acelerado na Lapa, às 21h, pra quem quiser ir, digo, rir e entender.

(Ufa!)

Eu disse que é sábado? Ih, gente: nem adianta chegar na Lapa hoje, que é só aos sábados. E eu vou neste, porque - que me desculpe o Betinho! - quem tem samba, tem pressa.


A Gabi, minha musa-Amaral, explica que o espetáculo mistura roda de samba com esquetes de humor. O Celso, que é Taddei e é o autor da peça, entende muito de futebol, samba e humor, então eu garanto que vocês não vão se decepcionar.

E uma dica carinhosa pro senhor, que não enxerga essas letrinhas miúdas no flyer acima: clique na imagem para vê-la ampliada, com todas as coordenadas do espetáculo. Eu levei anos pra aprender este truque, mas devagar se vai ao longe.

terça-feira, março 17, 2009

Post umbilical

Meu sobrinho, o Cara, está na classe de alfabetização. Agora o ensino é um lance muito moderno, construtivista e cabeça, então desisti de entender que série é essa. Na minha época, era o pré. Era pré de "Pré-escolar", mas como eu sofri um linchamento dos meus coleguinhas de cinco anos por motivo fútil e kichutilesco, sempre pensei nesse pré como "pré-história", "pré-cambiano", enfim, esses subtipos de pré.

Pois O Cara está num equivalente moderno do pré, e contou pra minha mãe:
- Vovó, estou aprendendo a ler e escrever.

Depois se corrigiu:
- Desculpe, vovó, mas eu me enganei: estou aprendendo a escrever. Ler, ainda não.

E a avó contou isso pra mim achando a coisa mais linda do mundo, só que eu quase não conseguia escutar mais o que ela dizia porque fiquei vitrificada de horror - e pensava, cá com meus botões: "COMO É QUE PODE, MINHA GENTE?!? O SER HUMANO VAI PRA ESCOLA AGORA E SÓ APRENDE A ESCREVER?!?" -, até que pesquei uma fala da minha mamma que dizia mais ou menos assim: "... ele ainda não entende que o processo de aprender a ler e escrever é o mesmo, coitadico...".

Como assim, "ainda"? Eu tenho quase 37 e não sabia.

Donde concluí que ainda não posso deixar de ser filha: se eu tivesse um filho e ele me contasse uma coisa dessas, eu certamente iria na escola botar pra quebrar (como é que pode, minha gente, ensinar a criança a escrever sem ler, como é que vocês conseguem isso, mein gott?!?, isso é uma loucura, e bla bla bla). Ou seja: eu ainda preciso da minha mãe ao meu lado pra me explicar tudinho, da crise econômica mundial à alfabetização das pessoas.

Tenho pensando muito nisso ultimamente. Ontem cheguei em casa e disse: "Mãe, você está proibida de morrer. Eu ainda não posso viver sem você." E falei do fundo do meu coração. Até deixei umas lágrimas cairem sem querer, porque afinal eu não queria que minha mãe sentisse o cansaço de não conseguir vislumbrar sua aposentadoria como mãe num futuro próximo, mas juro que foi maior do que eu. Tem gente que se criou sem mãe, que vive bem sem a mãe, que esquece a mãe num asilo e até odeia a mãe, mas eu sou o oposto disso tudo: eu ainda preciso do colo materno e desconfio que nunca vou me curar desse desvio de caráter.

Então quer dizer que a gente aprende a escrever e ler ao mesmo tempo sem perceber? Só minha mãe pra abrir meus olhos pra uma coisa tão óbvia dessas!

sábado, março 14, 2009

Trovadores

Estou com a sensação de ter encontrado um tesouro: acabo de resgatar pela internet um poeminha que li há cerca de 22 anos, em sala de aula. Minha professora de literatura preferida me pediu pra ler os versinhos, em inglês, para ilustrar para a classe a musicalidade dos trovadores medievais. Eu li em voz alta e achei tão bonito que fiquei enlevada. Um colega de classe me cutucou discretamente e perguntou: "Mas e aí, o que significa?". Eu, com meu parco vocabulário de inglês daquela época, também não tinha entendido quase nada, mas fiquei enlevada assim mesmo. Foi aí que eu descobri que as palavras são mágicas, e que elas operam milagres mesmo quando não fazem sentido algum. Os trovadores eram os alquimistas da palavra, e a palavra é um remédio fantástico que passa das orelhas direto pro coração.

Por isso é tão importante ter cuidado com o emprego das palavras: se forem mal administradas, em vez de remédio, se tornam veneno. E acabam azedando a alma de quem insiste em não saber usá-las.

Eis o poeminha, com direito a aula de literatura e tudo (obrigada, Gúgol!).


Alba (Erza Pound)


When the nightingale to his mate
Sings day-long and night late
My love and I keep state
In bower,
In flower,
'Till the watchman on the tower
Cry:
'Up! Thou rascal, Rise,
I see the white
Light
And the night
Flies.'

quarta-feira, março 11, 2009

Enquanto a fábrica não fecha...

Quem não passou esse carnaval em coma, certamente leu ou viu na TV a incrível história de Tobi, o cão sambista que arrasou na passarela do samba, arreganhou os dentes pra quem tentou enxotá-lo e não se deixou capturar por nada. Ele desfilou sem comprar fantasia, sem participar de ensaios técnicos, e ainda digo mais: ele desfilou sem nem saber cantar o samba-enredo! Desaforo maior não há. Mas como ele é cachorro, e os cachorros são ridículos por natureza, a gente perdoa. Não só perdoamos: na verdamos, nós amamos o Tobi porque ele é um exemplar clássico de fidelidade canina, e ele só estava ali, no meio daquele auê todo, porque estava completamente engajado na missão quase-impossível de reencontrar os donos fujões.

Carnaval e a semper fidelidade canina

Tobi mora num morro de São Cristóvão. São Cristóvão não é super longe da Apoteose, onde o Tobi desfilou, mas entre um lugar e outro tem tanta rua perigosa, tanta via expressa cheia de carros velozes e furiosos que um cão dificilmente sobreviveria ao trajeto a pé de São Cristóvão à passarela do samba. O Tobi, no entanto, sobreviveu, porque ele resolveu fazer a viagem de ônibus, junto com seus donos. Quando ele viu a galera toda entrar no coletivo, achou muito natural ir com eles, afinal seu único trabalho na vida é estar com seus humanos e defendê-los de outros cachorros. Num ônibus cheio de gente e alegorias, o motorista nem notou que transportava um passageiro atípico, então a família do Tobi achou muito legal o imprevisto, chegou no sambódromo, se concentrou com a escola, desfilou e, na hora de ir embora, quem disse que eles encontraram o cachorro? O coitado ficou perambulando perdido pelo sambódromo por 4 dias, procurando seus donos em todas as escolas de samba com alguma bunda discretamente de fora. Essa deve ter sido a referência dele, imagino, porque nas imagens da TV, ele está sempre atrás das bundas de fora. E sempre olhando pra cima, o sem-vergonha! Aí os donos conseguiram localizar o cachorro, um bombeiro piedoso deu uma carona pro cão-folião até o pé do morro, e ele subiu pra sua casinha todo frajola.

Nesse ínterim, o Beethoven, um outro cão sambista dos arredores, se fez passar pelo Tobi, ganhou crachá com foto de Lucas Landau e o coração de uma humana legal, e gravou pro Fantástico algumas cenas cheirando a bunda do cão-folião verdadeiro na semana seguinte pra mostrar que não ficou qualquer ressentimento entre os dois.

Ontem a Bia me disse que o Tobi, antes do carnaval, tinha engravidado uma vizinha e estava com nada mais, nada menos que nove filhotes. Todos a sua fuça do pai! Como ele não tem condições de sustentar essa galera toda (porque vida de celebridade instantânea tardia não paga lá essas coisas), ele precisa de nove voluntários bacanas, do tipo escravinho-dedicado, pra adotar seus rebentos, que já estão com 30 dias de vida.

Para mais detalhes sobre o caso Tobi e seus nove peludinhos, clique aqui. Os interessados podem mandar e-mail para vanorresponde arroba gmail ponto com ou fazer contato com a produção do Fantástico. Não quero desanimar, não, mas a esta altura eu duvido muito que tenha sobrado algum filhotinho do semper-fi cão-folião. Cão que aparece no Fantástico acaba tendo o sêmen leiloado a peso de ouro no Mercadão Livre de Madureira. É muita sorte do Tobi ter donos com a cabeça no lugar, do tipo que castra. Porque quem ama, castra, minha gente. Não deixem ninguém convencê-los do contrário.

Quem quiser esse DNA fiel em casa é bom tratar de correr, porque a fábrica de cachorro vai fechar nas próximas semanas, quando o cão-folião será devidamente castrado, amém.

terça-feira, março 10, 2009

O intrigante caso do elefante partido

Quando nós éramos pequenos, minha mãe tinha mania de elefante. Na década de 70, era comum encontrar uma criatura com mania de cristais, de pintinhos de feira de filhotes, de mini cactus ou de coleções de coruja, mas elefante era um hábito consumista discretamente mais raro. Minha mãe era uma hippie concursada, então podia comprar seu próprio patchouli, alimentar sua mania de elefantes e o amor indisfarçado pela Índia. Na verdade, imagino que a mania de elefantes era um vício que ela pouco sustentava, porque como todo mundo sabia que ela colecionava elefantes, mamãe vivia ganhando exemplares exóticos - de espelho pra combater mau-olhado, de sândalo indiano e daquela coisa peludinha que avisa se vai chover ou fazer sol - de parentes e amigos que voltavam de viagem. Ela ficava toda feliz com os presentes e ajeitava todos sobre um móvel ou dois da nossa sala, e todos com a bundinha virada pra porta de casa.

Diziam que elefante de bunda pra porta dá sorte, só que até hoje eu acho que a superstição verdadeira deve ter tido origem em alguma lenda urbana indiana envolvendo elefantes verdadeiros na casa de pessoas sortudas. Minha lógica era:
1. Enfie um elefante em sua casa;
2. Se ele não destrui-la, então você deve ter muita sorte.

A bunda do elefante voltada pra porta apenas reforça minha teoria: com força de vontade e algumas marretadas, muitas pessoas poderão conseguir a façanha de introduzir um elefante em sua própria casa, mas uma vez porta adentro, convém não manobrar o trombudo mamífero no hall de entrada, senão ele quebrará o que ainda permanece intacto. É só por isso a bunda do elefante deve ficar voltada pra fora: pra facilitar a ré.

Coitada da minha mamma: era difícil ter 3 filhos e tantos elefantes. Não sei exatamente como acontecia porque eu era pequena (essa é a minha desculpa), mas sua coleção costumava sofrer baixas diárias, porque não raro eu e minha irmã coletávamos alguns elefantes para tomar banho conosco ou para andar de bicicleta, sei lá. Como eu disse, eu não sei como a gente fazia, só sei que a gente tinha um fascínio desesperado por aqueles elefantinhos todos, tínhamos necessidade de tocar e, invariavelmente, destruíamos um ou outro. Lembro com tristeza do dia em que minha mãe comentou que agora restavam tão poucos elefantes que cabiam todos numa mesinha só. Na minha fantasia infantil, ter três crianças anulava a sorte de ter elefantes com a bunda voltada pra porta, porque três crianças juntas possivelmente causam mais destruição que uma manada de elefantes de verdade.

Foi então que mamãe resolveu partir pro contra-ataque, comprando elefantes tão grandes e pesados que nós jamais poderíamos carregar em nossas brincadeiras. Um desses elefantes tinha o tamanho de um poodle de 6kg e ficava sobre a mesa da sala tentando a gente. Passamos meses sem bulir com ele, até que um dia minha irmã falou:

- Esse elefante podia ser nosso cachorro.

Eu achei a idéia ótima, colocamos uma coleira nele e o carregamos pro fundo da sala, onde o resto dos nossos brinquedos estavam espalhados pelo chão. Brincamos, brincamos e brincamos, até que, na hora de colocar o elefantão pesadão no lugar, minha infanta irmã não suportou o peso do paquiderme de gesso e pluft, deixou-o espatifar-se no chão. "Ca-ra-ca!", pensamos. Pra mamãe perceber que o elefantinho de sândalo perdeu a tromba, passaram-se só dois dias, mas como, nesta vida, ela poderia não notar que seu elefantão de mesa sumiu? Pensei rápido e dei minha solução: vamos falar a verdade. A verdade é sempre menos indolor. Minha irmã, que sempre foi mais vaselina, preferiu evitar a verdade, mas também sem falar uma mentira. "Como assim?", quis saber. E aí ela revelou sua incrível mente criminosa:

- Quando o elefante caiu no chão, sua bunda se espatifou, certo? Portanto, nem pensar deixar essa bunda virada pra porta na mesa da sala.
- OK, estou acompanhando.
- Mas a cabeça está praticamente perfeita, e ele ainda está quase estável sobre 3 patas, certo?
- Certo. Então você quer tentar colar esses 237 pedaços que quebraram?
- Não, animal! Vamos colocar o elefante atrás do sofá. Assim a mamãe só verá a parte boa dele.

Tive de morrer de rir. Só a demente da minha irmã pra pensar numa coisa dessas. Protestei:

-É lógico que a mamãe vai perceber que o elefante sumiu da mesa! É lógico que ela vai achar estranho ver só a trombinha dele saindo por trás do sofá! Deixe de ser maluca e vamos falar a verdade: foi um acidente!

Mas minha irmã teve muito medo de contar a verdade e preferiu agir assim. Como principal culpada, por ter tido a idéia de usar o elefante como cachorro e depois quebrá-lo (eu fui apenas cúmplice), ela tinha todo o direito de fazer o quem bem entendesse, mas eu combinei com ela que, se sobrasse pra mim, eu ia dizer que queria ter contado a verdade desde o início. Ela concordou e escondeu a parte quebrada entre o sofá e a mesinha do abajur, no fundo da sala, bem pertinho da janela. E a janela da nossa casa é uma coisa boa, sabe? A gente vai lá toda hora pra pegar um vento, pra ver a vista bonita, enfim: qual é a chance de um elefante partido estacionado ao lado da janela permanecer incógnito numa casa tão pequena?!? Eu dei pra minha irmã seis minutos, mas passaram-se seis dias e até seis meses antes que minha mãe percebesse.

As faxineiras que passaram por nossa casa naquele período -- de alta rotatividade -- foram instruídas a deixar o elefante ali mesmo e não dizer nadinha. Minha irmã era uma fofa com as faxineiras: todas a adoravam e faziam de um tudo para agradá-la. Ela teve sorte nesse aspecto, porque uma super nanny da vida certamente ferraria com a vida dela, pois mentir pra mãe is totally unacceptable!

De minha parte, a cada dia que passava e minha mãe não dava falta do elefantão de mesa, eu me desesperava ainda mais. Eu simplesmente não podia acreditar numa coisa dessas: se minha mãe podia perder um elefante, ela também poderia perder a gente! E se ela perdesse a gente, seria uma péssima mãe, e taí uma hipótese angustiante que eu não conseguia suportar. De forma que eu comecei a mandar indiretas paquidérmicas, mensagens subliminares pra ver até que ponto minha mãe era perigosamente distraída. Eu perguntava:

- E aí, mãe? Nunca mais comprou elefante pra sua coleção... Está ficando pequena, né?

Ou então:

- Nossa, essa mesa está tão vazia! Acho que a gente deveria enfeitá-la com alguma coisa.

Minha irmã pulava que nem um macaco atrás da minha mãe, fazendo caretas pra me fazer calar a boca. Mas mamãe, ó, nem tchuns!

Foram meses em que minha irmã queria me matar. Ela se desesperava. Eu comecei a chantageá-la, porque irmão mais novo serve pra isso mesmo: pra sofrer na mão dos mais velhos defensores da verdade:
- Ou pega um copo d'água pra mim, ou eu levo a mamãe pra conhecer o elefante depois da plástica que você fez nele.

E ela me obedecia direitinho, só que isso me frustrava: não era um escravo que eu queria. Eu queria que A MINHA MÃE REPARASSE, PÔ! A mãe da gente tem a obrigação moral e cívica de ser a pessoa mais esperta do mundo, e não a mais distraída! O clima foi ficando pesado pra minha irmã, que tinha medo de ser descoberta; pra mim, que tinha medo de ter sido trocada na maternidade; e pro elefante, coitado, que merecia um enterro digno por todos os serviços prestados como cão de mentira, e que estava lá, agonizando em poeira, havia meses!

Então um dia o milagre aconteceu: não sei como, mas minha mãe olhou pro sofá e viu, no diminuto espaço entre este e a mesinha do abajur, algo que se assemelhava a uma tromba ereta e uma pata de elefante. Ela não entendeu porque a faxineira tinha colocado o elefante ali, mas quando o viu todo quebrado, entendeu o motivo. E pra ela fez muito sentido, porque afinal a última faxineira tinha desaparecido do mapa. Neguinho quebra o elefante dos outros e depois nunca mais volta com medo de ter o elefante descontado do salário.

Levamos talvez uns 5 ou 7 anos pra contar a verdade, pois a verdade provisória era muito melhor que a nossa versão. E minha mãe nunca mais colecionou elefantes, porque enquanto eram seus filhos quebrando os bichinhos, tudo bem, mas faxineira também era de lascar!

***

E eu só estou contando esse causo enorme hoje porque é aniversário da minha adorada mãezinha, e eu quero muito dizer que não foram todos aqueles elefantes que me deram a sorte que eu tenho até hoje, mas sim você, mamazulika. Feliz aniversário, um beijo e um queijo da sua filhota pé-de-pano.

PS: Hoje também é aniversário da nossa Princesa Radija, que nasceu no dia da minha mãe só pra abrilhantar ainda mais o dia dez de março, um dos dias mais bonitos e importantes do ano, perdendo talvez apenas para o Natal, na minha modesta opinião de filha.

domingo, março 08, 2009

10 pra lá, 10 pra cá

Relato esportivo especial para minha parceira de corrida embarcada, Marina Hermmann

Hoje teve a etapa outono do circuito Adidas. No ano passado, eu fiz as corridas de 5km desse circuito, mas como quem corre 5km se anima a correr 10, porque afinal é só o dobro, este ano resolvi fazer as corridas de 10k. E de mais a mais, quem corre 10, se anima a correr 21, porque afinal é quase o dobro (apenas). E quem corre 21, bem... aí foda-se a matemática: ajoelhou, tem que rezar! Se já correu 21, meu querido, bota a preguiça pra correr na direção oposta e corre 42, devagar e sempre. Hoje em dia há até meias especiais pra isso, então não venham me dizer que não correram a maratona por falta de meia, porque eu não suporto mentira!


Problemas recorrentes das provas da Adidas

Eu posso dar essa desculpa de falta de meia, porque já faz muito tempo que eu não corro uma meia-maratona. Por isso é que este ano eu estou me dedicando ao treino pros 21km de junho e, a partir disso, vou começar o treino pros 42 em 2010. Foi com esses pensamentos mirabolantes na cabeça que eu cheguei ao Aterro animadíssima pra correr esta manhã. Parecia até que Deus tinha ouvido as minhas preces: na hora da largada, o céu estava nublado, corria um ventinho fresco e me deu até uma certa esperança de chuva, que é super bom chover quando está quente numa corrida. Porém, como Deus é um cara debochado, foi só darem a largada que o sol apareceu com toda a força, estorricando e desidratando geral. A sensação térmica era de 50 graus no quilômetro 8km: a boca seca, os pelos arrepiados, os postos de hidratação mal distribuídos para caceta, enfim, vários probleminhas, mas nada que conseguisse me convencer a parar de correr. Chega de desistir, agora eu sou uma pessoa que vai até o fim. Confesso, porém, que dessa vez achei que eu iria inaugurar um dos postos médicos do evento. Foi com grande alívio que ouvi outras pessoas dizerem que o calor e a falta de hidratação onde a gente mais precisava realmente prejudicou a corrida de muita gente, eu não fui a única fresquinha na parada.

Vou providenciar uma camel bag de 2 litros, porque esses cintos de hidratação com garrafinhas pequenas, de 120ml, não dão conta do calor senegalês que estacionou sobre o Rio e não quer mais sair.

Biodiversidade e paz na Terra

Toda vez que participo de uma corrida de rua, fico impressionada com o mar de gente correndo. Reparo nas bundas à minha frente e penso: são bundas completamente diferentes, mas todas gostam de correr. Todas essas pessoas têm a corrida em comum, e é impressionante ver tantas pessoas diferentes com algo tão difícil quanto correr em comum. Dá até esperança de paz na Terra, porque se vocês acham que chegar à paz difícil, tentem correr 42 km pra ver o que é dureza!

Um cara passa ao meu lado com um tênis tamanho 48 ou 50, e embora eu tenha dúvidas profundas sobre pertencermos à mesma espécie, me alegro com o fato de que a corrida nos colocou ali, lado a lado. Lado a lado apenas por uma fração de segundo, porque esse cara não só tem os pés enormes: ele também tem pernas enormes, e enquanto eu me pergunto se ele usa o próprio tênis para surfar ou jogar frescobol, o gigante já está lá na frente.

Aromaterapia e preguiça

O Aterro não é o lugar mais cheirosinho do Rio pra se correr, não. A pista Cláudio Coutinho é, a praia de Ipanema é, a Lagoa às vezes é, mas o Aterro fede a cocô de gente. Não bastasse esse perfume, lá pelo quarto quilômetro, a atmosfera se torna esverdeada no entorno da pista, pois é quando os intestinos preguiçosos começam a se manifestar. O corpo humano é uma máquina realmente fantástica: intestinos, por exemplo: é só dar corda, que eles funcionam. Não entendo essa gente que diz que tem o intestino preguiçoso no comercial de iogurte na TV (que vai ao ar invariavelmente na hora do café da manhã): não tem, não, minha amiga: vai correr 5km pra ver se ele não funciona! Não é só o intestino que é preguiçoso: geralmente, é a pessoa inteira!

Aliás, tirando o comercial de iogurte, nunca vi ninguém reclamar de intestino preso na minha vida. Se esse problema existe, as pessoas devem ter o decoro de não falar sobre isso. Atenção, publicitários: as mulheres não se sentam à mesa pra falar de cocô, ok? Eu não sei de onde vocês são, mas isso simplesmente não acontece neste planeta. E agora me façam o favor de tirar esse comercial nojento do meu café da manhã!

Dia da Mulher

A próxima corrida será a do circuito Vênus, de 5km, em 26/04/09. Porque as mulheres merecem ter uma corrida cor-de-rosa só pra elas. Aliás, feliz dia internacional da mulher para as mulheres maravilhosas que passeiam por aqui!

sábado, março 07, 2009

Erva venenosa - Rita Lee (clip e depoimento)

Como é que um ser humano consegue trabalhar ouvindo rádio, eu me pergunto? Neguinho quer trabalhar honestamente, ganhar o pão-nosso de cada dia nos-dai-hoje, mas aí a rádio toca uma música muito maneira, e depois outra, e quando a gente vê, pronto: o home-office virou uma festinha privada para uma só pessoa, com vestígios de belisquetes, beberiquetes e enrolação por todas as linhas e lugares. Muita enrolação, mas com um motivo bem justo: os anos oitenta já passaram há alguns dias (por favor, sejam discretos, tá?), mas deixaram uma saudade danada.

Ouvi uma faixa que me deu até saudade da vaca leviana: se eu tivesse escutado essa música na época em que trabalhei sob o comando dessa criatura boviniforme levianóide, eu acho que teria até curtido um pouco esse tal de assédio moral. Talvez eu cantarolasse pra ela, quando ela se afastasse a caminho de mais um bote: "de longe, não é feia... lalalalalá". Talvez fosse bom torturá-la com essa música o dia todo. É isso: no meu próximo assédio moral, eu vou me defender cantando. E vou desafinar à vontade, dá licença: musiquinha pra chefe carrasco tem que rasgar os tímpanos.

Erva Venenosa
Rita Lee

Composição: Rita Lee / Rossini Pinto

Parece uma rosa
De longe é formosa
É toda recalcada
A alegria alheia incomoda...

Venenosa!
Êh êh êh êh êh!
Erva venenosa
Êh êh êh êh êh!
É pior do que cobra cascavel
O seu veneno é cruel
EL! EL! EL!..

De longe não é feia
Tem voz de uma sereia
Cuidado não a toque
Ela é má pode
Até te dar um choque...

Venenosa!
Êh êh êh êh êh!
Erva venenosa
Êh êh êh êh êh!
É pior do que cobra cascavel
O seu veneno é cruel
EL! EL! EL!..

Se porta como louca
Achata bem a boca
Parece uma bruxa
Um anjo mau
Detesta todo mundo
Não pára um segundo
Fazer maldade é seu ideal
Oh! Oh! Oh!...

Como um cão danado
Seu grito é abafado
É vil e mentirosa
Deus do céu!
Como ela é maldosa...

Venenosa!
Êh êh êh êh êh!
Erva venenosa
Êh êh êh êh êh!
É pior do que cobra cascavel
O seu veneno é cruel
EL! EL! EL!...

Se porta como louca
Achata bem a boca
Parece uma bruxa
Um anjo mau
Detesta todo mundo
Não pára um segundo
Fazer maldade é seu ideal
Han! Han! Han! Haaaan!
-Xá prá lá!...

Erva venenosa!
Erva venenosa!
Venenosa! Venenosa!
Venenosa! Venenosa!
Erva venenosa!
Erva venenosa!
Erva venenosa!
Erva venenosa!...

Enfim, um final feliz no mundo cão

Ontem de manhã, recebi a ligação mais feliz do ano até o momento: a Patrícia encontrou os donos do Bernese perdido que foi parar no IJV. Ela me ligou exultante, a caminho do reencontro homem-animal, para me deixar saber que os donos do Bernese descobriram seu paradeiro por intermédio da VetLucinha, uma veterinária da Ilha do Governador para quem eu redirecionei a mensagem de "cão perdido-encontrado". Os donos estavam procurando o peludão desde o dia de sua fuga, 01 de fevereiro (os bombeiros o resgataram no dia 25/02), e tinham contratado carro de som e tudo para circular pelo bairro anunciando a recompensa para quem encontrasse o animal.

Para a Patrícia, o Bernese sempre foi um cão perdido. Pelo estado em que se encontrava (que é um estado que não ocorre de um dia para o outro), eu sempre desconfiei que era um caso de abandono. Fiquei muito feliz por ter errado no meu julgamento pessimista do ser humano.

Todo mundo que viu o reencontro da família com o peludo resgatado disse que a cena foi emocionante. Os cães reconhecem seus donos e deixam bem claro o quão felizes estão quando eles voltam. Se a Patrícia tiver fotos, provavelmente as subirá em seu flickr. Depois confiram.

Depois desse final feliz, vou novamente deixar aqui algumas dicas para quem perdeu cachorro no Rio de Janeiro:

- Sempre procurem o animal perdido no Instituto Municipal de Medicina Veterinária Jorge Vaitsman (IJV), porque os bombeiros têm mania de levar cachorro pra lá. Embora o IJV só tenha obrigação de receber animais agressores para observação de raiva, alguns outros animais levados pela misericórdia dos bombeiros (porque estão machucados demais, ou porque estão em perigo demais) acabam ficando por lá por causa da misericórdia dos veterinários. Foi esse o caso do Bernese. Se o verdadeiro dono do animal não o buscar no local, o animal resgatado acaba sendo adotado por novos donos, e isso costuma ocorrer em tempo recorde se o animal for de raça pura (*vômito*) ou tiver tido um histórico muito sofrido. As pessoas adotam mais os animais que passaram por poucas e boas. Sei lá, elas devem se identificar.

- Cuidado com portões automáticos: sempre verifiquem pelo espelho retrovisor se o portão fechou completamente antes de sair e se algum peludo aproveitou os 10 cm finais para escapulir. Eles adoram testar toda a sua flexibilidade nos 10 cm finais. O Bernese escapou numa dessas.

- Todos os cães e gatos devem andar com uma placa de identificação na coleira. Na placa de identificação, deve constar o telefone de contato do proprietário com código de área, pois alguns animais perdidos no Rio acabam parando em outras cidades.

- Façam panfletos com fotos do animal perdido, data e local da fuga e telefones de contato. Distribuam por todas as lojas de ração, pet shops, banho & tosa, consultórios e clínicas veterinárias e veterinários de domicílio no bairro onde o animal de perdeu e adjacências num raio de 20km, distância que um cão percorre facilmente em um dia. Este Bernese foi encontrado graças a uma veterinária que recebeu um desses folhetos em sua clínica e depois o e-mail sobre o paradeiro do animal. O CRMV-RJ pode fornecer a mala direta com todos os endereços de veterinários e estabelecimentos veterinários na região.

- Não tenham medo de oferecer recompensa. Algumas pessoas são tão mesquinhas que não vão querer devolver o cão resgatado só porque tiveram 80 reais de despesa com banho, vacina e ração. A recompensa, em casos como esse, é lida como "reembolso de despesas". Melhor reembolsar o mesquinho do que perder o peludão pra um mercenário. Todas as vezes que eu encontrei meus cães perdidos na casa de outrem, eu passei por isso. A alegria do cão com o reencontro não só neutraliza a raiva que a gente tende a sentir do sequestrador, como nos dá a real tônica da situação: numa hora dessas, dinheiro é o que menos importa.

- Castrem seus animais. Um cão de raça pura caro como o Bernese Mountain Dog, se for inteiro, pode nunca ser devolvido se parar nas mãos de um mercenário. O mercenário vai prostituir o cão para lhe vender as crias. Criação é para criadores profissionais. Cães de leigos devem ser castrados sempre. A castração oferece várias vantagens à saúde dos animais e é gratuita na cidade do Rio de Janeiro, tanto no IJV, quanto na Defesa dos Animais. Informem-se.

quinta-feira, março 05, 2009

Por favor, Cabral, contrate o meu pai!

Meu pai (um dos dois, estou proibida de dizer qual) deveria ser contratado pela Secretaria de Segurança por causa de sua especial capacidade de desmascarar sequestradores que passam trote. O último crime que ele resolveu em tempo recorde foi assim:

- (mulher gritando e chorando) Aaaaaaai, papai. Eles me pegaram, eu fui sequestrada, papai! Aaaaai, papai, me ajuda!!!
- Meu Deus, isso não é possível! Minha filha!!! (como ele diz isso aos gritos, e meu pai não é pessoa de gritar, uma outra pessoa da família se pôs de prontidão histérica ao lado do telefone)
- Aaaaaai, papai... me ajuda! Fala com eles, papai.
- Não, minha filha, antes de falar com eles eu preciso que você procure ficar calma e me diga uma coisa: aí onde você está tem poste?
Acho que meu pai pegou a sequestrada de surpresa, porque ela hesitou para responder, mas seguiu a cartilha e respondeu chorando:
- Tem, sim.
- Então enfia no rabo!
- Tu, tu, tu, tu, tu, tu, tu.


Eu acho meu pai uma pessoa muito criativa.

quarta-feira, março 04, 2009

Tonha

3 filhos. Não sei como são as coisas hoje em dia, mas quando eu era criança, era brabeira criar 3 filhos sem o auxílio de uma empregada "de confiança". Não adiantava pôr anúncio pra babá, que babá era tabu demais na década de 1980. As domésticas só atendiam aos anúncios de "empregada", pois ser babá significava usar um aventalzinho ridículo, uma touquinha idem e ser eventualmente comida pelo patrão numa pornochanchada. Doméstica era muito mais digno, tinha caso-verdade e tudo, tinha música sindicalizada do Eduardo Dusek, etc e tal.

Mesmo usando o termo correto para a época, minha mãe sofria, por assim dizer, para encontrar uma doméstica que durasse mais de sete dias no emprego. O emprego consistia, basicamente, em cuidar -- praticamente descuidando -- de 3 crianças completamente educadas, completamente limpinhas e completamente maravilhosas: nós, os filhos de minha atribulada e assalariada mãe.

Só que nós nunca fomos tão perfeitos, educados e limpinhos assim, a verdade é bem esta. De forma que as empregadas nunca duravam muito tempo no emprego, e por isso minha mãe começou a "importar" domésticas de Miguel Pereira, cidadezinha serrana microscópica onde todo mundo se conhece (e onde a má fama se espalha como água morro acima e fogo morro abaixo) e onde temos casa desde sempre.

A Antônia foi uma das primeiras empregadas Miguel Pereirenses que tivemos. Não levamos muitas horas para descobrir que ela era alcóolatra, mas entre um alcóolatra honesta e uma cleptomaníaca incorrigível, é claro que minha mãe optou pela etílica honestidade do ser. Antônia era tão alcóolatra que bebeu os perfumes de mamã e, não bastasse isso, o álcool de cereais com que minha mãe fazia umas brincadeiras de perfume. Por ser muito alcóolatra, é claro que eventualmente ela se metia em uma ou outra confusão, mas nunca em nossa casa, e sim em sua própria casa, nos seus próprios domínios. Em nossa casa, a Antônia apenas dormia, porque coisa que alcóolatra gosta de fazer é dormir bastante, sobretudo na hora do almoço das crianças.

Das confusões etílicas fora de nossos domínios, só tivemos contato com uma: foi um dia em que ela apareceu em nosso portão de Miguel Pereira com uma cachoeira de sangue a lhe correr pela cabeça, prontíssima para embarcar em mais uma semana normal de trabalho depois de tomar uma enxadada na cabeça. Enxadada, do verbo bater com uma enxada na cabeça de outrem até sangrar. Um descuido etílico do marido, por assim dizer.

Ela e o marido, por sinal, viviam às turras. Numa noite de domingo, descendo a serra em direção ao Rio com a Antônia no banco de trás conosco, descobrimos que ela e o marido tinham se engalfinhado mais uma vez naquele final de semana. A novidade era que ela tinha enfiado uma facada ou duas no marido, coisa que ela contava com muito orgulho para nós, crianças de nove e onze anos. "Facada, Antônia?!? Mas que coisa brutal!!! E ele vai deixar barato assim?"

Admito que, embora crianças inocentes, nós botávamos uma certa pilha.

"Ele disse que ia me matar com a mesma faca que eu tinha enfiado nele, mas não vai não". E por quê, quisemos saber. De onde essa mulher alcóolatra fantástica tirava tanta certeza?!? "Porque eu trouxe a faca comigo, ó". E tirou do casaco uma peixeira que evisceraria facilmente a Moby Dick, e eu me lembro claramente do enorme desconforto que senti ao passar mais uma hora caladinha dentro daquele carro lotado, ao lado de uma faca assassina e sua portadora-quase.

A sorte é que a portadora-quase também tinha seus momentos fofos, ou quase fofos. Isso apagava efemeramente a imagem da mulher que apunhala o marido e ainda lhe esconde as facas da casa. A Antônia também peidava fedido, e isso, pra nós, que éramos crianças e éramos normais, era um verdadeiro dom. Teve um dia em que meu pai foi à área de serviço catar algo em sua caixa de ferramentas e, no meio da catação, sentiu uma onda pestilenta lhe invadir as narinas, corando sua face de um azul esverdejante de asfixia tóxica. Olhou pra cima -- e até hoje ele gostaria de jamais ter olhado -- e viu a Antônia controlando o riso e com um biquinho muito maroto, como quem assobia para disfarçar a alegria de ter aniquilado o patrão. Foi por pouco, ele diz. Mais um flato e ele talvez hoje não estivesse entre nós.

Eu realmente não sei o que aconteceu com a Antônia. Gosto de pensar que ela simplesmente não apareceu em nosso portão miguel pereirense num domingo à noite pra descer a serra conosco. Que esse foi o jeito dela de dizer, ó, seus merdas, arranjei coisa melhor. Contudo, ainda sinto uma tristeza enorme toda vez que penso que o marido talvez tenha encontrado aquela peixeira com a qual jurou se vingar.

Tem coisas que as crianças nunca vão saber.

Quem perdeu um Bernese?


A Patrícia Nunez, uma querida que trabalha no Instituto de Veterinária da prefeitura comigo, está cuidando de um Boiadeiro da Bernese que foi levado pelos Bombeiros para o IJV
na quarta -feira de cinzas, dias 25 de fevereiro. Ele foi pego na Ilha do Governador, no Iate Clube de lá.

Resenha: canino Bernese, macho, adulto (cerca de 5 anos ), muito meigo e dócil.

Foi encontrado em péssimo estado, com miíases (bicheiras) e acabou perdendo dois dedos da pata dianteira direita. Corre o risco ainda de perder os outros dois dedos devido à gravidade dos ferimentos. A Patrícia, que é uma criatura bondosa, acredita que o dono desse cão esteja por aí desesperado à sua procura, pois o animal é muito manso e carinhoso e parece ser adestrado. Já eu, sei não, duvido!

Caso vocês conheçam alguém que conheça alguém da Ilha do Governador, divulguem o paradeiro deste cãozinho. O telefone do IJV é 2254-2100/2108/2109. Pedir o ramal do gabinete (Dra Patrícia; se ela não estiver, deixar telefone de contato).

Se o dono não for encontrado, precisaremos de alguém que o adote.

E se ninguém aqui puder ajudar, lembrem-se sempre: toda vez que alguém estiver procurando um cão, um dos lugares mais óbvios para fazer a busca é o Instituto Municipal de Medicina Veterinária Jorge Vaitsman, pois é para lá que os bombeiros levam a maior parte dos animais capturados na rua em franca "ameaça à integridade física da população" (cães de raças ditas ferozes pelo especialista-mór em comportamento animal, bobo da corte e clone de ministro, aqueleidiotadoMinc, e outros cães salvos da morte e das pessoas em túneis, vias expressas, sambódromos e outros eventos lotados de gente com medo de cachorro).


terça-feira, março 03, 2009

Poema para a Moça Que Escreve Sem Parar

Houve um tempo em que eu escrevia sem parar. Se eu não estivesse na frente do computador, eu escreveria no guardanapo do restaurante, no papel toalha do banheiro, no moleskine no ônibus e, às vezes, até no verso de notas fiscais e cartões de visita que faziam figuração em minha carteira. Foi num dia desses, e isso deve ter uns dois anos, que um rapaz me entregou o poema que ora transcrevo, escrito com letra bonita, numa folha pautada de caderno espiral. Estávamos num frescão que ia do Centro à Gávea. Recebi um cutucão do banco de trás e, na sequência, um papel dobradinho. Li, espiei por entre os bancos e acenei-sorri agradecendo. Mas nós nunca trocamos um olá.

Poema para a moça que escreve sem parar...
(do autor anônimo do frescão Centro-Gávea)

Entre cadeiras e cadeias
Um poeta preso
Trêmulo
Se expande
São versos o que ela escreve?
São correntes que me contêm?
Na ponta da caneta
O poema borra
Insiste
Distorce
A escrita se desfaz
Na teia dos segredos
Dos anônimos
Em cada canto do ser
Pulsa o que detém
E o medo do não-ser.

domingo, março 01, 2009

SIGNS

Um curta de amor super bonitinho. Nem precisa entender inglês pra curtir, é quase cinema mudo. Dica querida do Zé Antônio (valeu!).

Fadiga em frangalhos

O Rio completa 444 anos, e quem sente o peso da idade sou eu. Há 415 anos, eu era mais animadinha.

***

Todo ano eu tenho a sensação de que se o carnaval durasse só mais um dia, eu entraria em coma.

***

Eu corro, mas meu coração não bate de acordo. Da última vez que isso aconteceu (e eu pensei que fosse defeito do frequencímetro), meu médico disse que era fadiga. Eu acho que pode ser só tristeza.

***

Quando saio pra correr antes das 6h e tenho a sorte luminosa de ver o sol emergir da linha do horizonte, tenho vontade de fazer amor com a vida. Então não é tristeza: é só fadiga mesmo.

***

Ou talvez a fadiga tenha um componente de tristeza. Estou cansada, e isso é triste. Ou estou triste, e isso me cansa. Vai saber.