Este é o meu quartinho de bagunça. Da embalagem vazia de Chokito ao último livro do Saramago que eu não terminei de ler, você encontrará aqui de tudo um pouco.

quinta-feira, novembro 30, 2006

Três notícias do dia

Duas ruins e uma boa, não necessariamente nesta ordem:


  1. Morreu o Lúcio, ex-cachorro meu;
  2. Um ex teve filho;
  3. Um ex se casou.

E um fato incontestável, por coincidência (embora eu não acredite em coincidências): que bosta de tempo chuvoso, de frio nebuloso, trânsito tormentoso e anoitecer calamitoso.

Acalento excelente para o acolhimento não solicitado de notícias assim: uma boa, duas ruins. Não necessariamente nesta ordem. Que bosta de tempo, que tira tudo de sua ordem. Que tira tudo do tempo. E tudo de mim.

Um animal em cada ponta da coleira.

Campanha da Arca Brasil pela Posse Responsável. Os cartazes estão à venda na lojinha do site.


Eu me senti muito mal na primeira vez que eu vi a campanha acima. Não sei se dá pra ler daqui, então eu transcrevo o que vem logo abaixo da foto:

Cachoro não é fera. Mas tem muito dono que é. Lute pela posse responsável dos animais. A melhor maneira de acabar com a violência.


Essa combinação impactante de foto e palavras não deixa de servir como lembrete pro fato de que o cão é inimputável. Ele pode até morder, mas quem recebe a visita de um oficial de justiça no domingo (porque deixou seu peludo beliscar uma criança de patinete na rua) é VOCÊ. Ele pode até rosnar e latir antes de matar, mas quem vai pra cadeia é VOCÊ. Por isso, acho cão agressivo inaceitável, sobretudo se é do tipo que vai à rua. Na rua, tem muita gente que não gosta de cachorro, e o direito de um acaba exatamente onde começa o de outro.


A gente custa muito a aceitar que nossos peludos, praticamente nossos bebês, podem ser agressivos. Acontece que todo cachorro que tem boca morde, oras! E todo cachorro que não sabe dizer "Ó, sai daqui...", "...ih, pára com isso...", "...xiiii, não tô gostando...", "ó, pega aí não, que aí eu sinto dor", "ei, cara, isso aí é meu!" - morde. Enfim, todo cão pode morder. Muitas vezes, um cão passa anos sem morder, até que um belo dia um traíra de sua matilha de humanos resolve ter o desplante de questionar sua posição hierárquica, expulsando o cão-alfa (geralmente um poodle-toy) do sofá; e aí, aquele bebê-cão arreganha as dentanhas pra fora. Nessas horas, só tenho a dizer uma coisa: o cão está certo, simplesmente porque está sendo coerente: o sofá sempre foi dele, então que diabos esse cachorro feio de duas pernas* pensa que é pra questionar isso?!? Ah, convenhamos: se for parar pra pensar na falta de lógica que impera na maioria das casas com cães, tem muito mais cachorro precisando de psicanalista no Rio do que gente!


Tirando esses casos de agressividade canina provocada pelo dono (90%), há alguns tipos que são causados por problemas físicos e outros que representam um desafio pra ciência. Conheci vários casos desse último grupo. Como o de um cocker spaniel dourado macho, de 4 anos, que, de uma hora pra outra, passou a morder violentamente a filha de 7 anos da dona da casa. E apesar d'o Cocker não ser um cão intimidador, ele tem uma boquinha suficientemente grande pra levar uma menininha prum cirurgião plástico.

A proprietária desse cão levou-o à clínica em que eu trabalhava para sacrificá-lo, mas como era um bichinho 100% saudável, nós, veterinários, pedimos que ela o deixasse conosco para que tentássemos resolver o problema. Não sabíamos como: era uma clínica em que só trabalhava recém-formado, e isso era o máximo por um lado, porque fazíamos mesa redonda pra tudo, vivíamos debruçados sobre livros e não perdíamos nenhum curso ou congresso. Mudamos a dieta do cão com base em resultados parciais de uma pesquisa sobre agressividade nos EUA, usamos homeopatia, demos todo nosso carinho, mas, de repente, do nada, aquele peludo de olhinhos ternos se transfigurava num capeta possuído pelo diabo. Se é que isso é possível. Nessas crises, ele destruía tudo que se pusesse na sua frente, inclusive grades de inox. Nunca vi nada igual! Tentamos identificar a causa das crises (vassouras, crianças, pessoas passando rápida ou lentamente, telefone tocando, ventos e vultos em geral, enfim, tudo) para manter o cão sedado e, aos poucos, ir aumentando sua exposição aos desencadeantes da agressão, ao passo que íamos reduzindo o sedativo. Porém, quando o bichinho ficava zangado, não tinha Valium que o tombasse.


Tristes com nosso fracasso, recorremos ao nosso professor universitário de comportamento animal, que disse haver uma única solução pra isso: a eutanásia.


De lá pra cá, vi mais de vinte casos assim. Eles são raros, mas existem. Por isso é tão importante não cruzar um cachorro mordedor, independente da raça. Na maiora das vezes, é verdade, os pitbulls somos nós. Mas temos de ficar atentos pros casos que fogem a qualquer controle.


* É assim que os cães nos vêem.

PS: Celso, este post não é nenhuma indireta pro Che!!! :o)

quarta-feira, novembro 29, 2006

Meu amigo, o dragão.

Quando criança, eu era tão desesperada por um bichinho de estimação que vivia trocando meus dentes de leite pela promessa de um peludo. Um dia, vários dentes de leite depois, minha mãe finalmente aceitou me dar meu primeiro cachorro. Por falta de experiência e pela urgência infantil que impede qualquer pesquisa e enlouquece qualquer mãe, levamos o animal doméstico mais próximo de uma besta-fera que havia à venda: um Pequinês. É claro que minha mamma não sabia que Pequinês não serve pra criança. Pra falar a verdade, e verdade seja dita, ela nem sabia que aquela bolinha de pêlos iria, um dia, se tornar um cão, porque ele mais parecia um floquinho de pelúcia. E assim, saímos da loja (de peixes, canários, plantas e xaxins) felizes da vida com o cachorro mais agressivo que eu conheci em toda a minha vida. Eu o batizei de Pêgo, antes mesmo d'ele Pêgar o pé do primeiro membro da família e de absolutamente todas as pessoas de nosso convívio.

Hoje, sempre que quero me sentir culpada, fico tentando entender o que transformou aquele animal em um tigre, mas muitos colegas especialistas em comportamento animal já tentaram me convencer que o forte do Pequinês nunca foi a sociabilidade; tanto, que desapareceu "das prateleiras" das pet shops, junto com os xaxins. Talvez tenha contribuído (pra transformação da bolinha de pêlos em dragão) o terror que o veterinário tocava, dizendo que o Pequinês não podia se irritar, senão seus olhos seriam projetados pra fora das órbitas. Ora, você diz isso pra um adulto ou uma pessoa que possa se assustar com a visão de um cão sem olhos, mas 3 crianças pequenas dariam todos os seus dentes de leite pela chance de ver esse espetáculo de camarote. O resultado é que nós 3, fedelhos, vivíamos atormentando o pobre cão pra ver se seus olhos lhe pulariam da cara, mas isso nunca aconteceu. Eu só vi meu primeiro paciente canino com olho pra fora da órbita no Hospital de Pequenos Animais de minha faculdade, e concluí que, quando criança, eu esperava algo realmente mais incrível. Não é nada demais: não vale mesmo à pena atiçar um cachorro só por causa disso. Melhor coisa é deixar o olhinho lá, no lugarzinho dele, em paz.

Pêgo era a pessoa da casa que mais cartas recebia: toda semana chegava uma do Ministério da Saúde nos intimando a apresentar os atestados de vacinação do cão e deixá-lo em observação por tantos dias, porque tinha agredido fulano de tal, em nossa quadra. Quando chegava uma carta, eu corria pra ver quem tinha sido mordido dessa vez: de alguns eu sabia, de outros não, porque nos revezávamos na tarefa de passear com o dragão. Ele, aliás, sempre descia pra dissolver impasses nas nossas brincadeiras de criança. O Pêgo era uma espécie de arma branca marrom, sobretudo pro meu irmão, que tinha mais impasses do que eu por ser menino. Meninas são naturalmente mais diplomáticas, e meninos mais belicosos.

Embora eu assuma minha parcela de culpa na construção daquele monstro, peço sempre pro meu advogado de defesa lembrar que eu era muito pequena; e crianças muito pequenas não podem manipular cães sem a supervisão dos pais, porque o resultado será invariavelmente uma maldade contra o cão e um risco pra criança. Eu fui mordida tantas vezes, e quase todas no rosto, que é um milagre eu não ter um nariz de plástico, por exemplo. Meu irmão, uma vez, brincando de carrinho perto do Pêgo, quase perdeu a orelha, que ficou literalmente pendurada por um fiapo de pele. Foram dezenas de vacinas na barriga só na nossa casa. E eu sempre implorava de joelhos e em meio a um rio de lágrimas pra minha mãe reconsiderar quando ela, farta de tantos acidentes e idas a hospitais, ameaçava se desfazer do cão.

Um dia, não houve jeito: ela pôs um anúncio no jornal doando nosso Pequinês. Pedi à fada do dente que não deixasse ninguém ler o anúncio, mas um homem leu e respondeu. Minha mãe conversou com o moço pelo telefone, explicou que o Pêgo era um ótimo cão de companhia para pessoas mais velhas e sem filhos, e lá fomos nós todos dar nosso melhor amigo ao carrasco de meia idade. Pêgo nem desconfiava que aquele passeio de carro a uma quadra estranha seria o fim de seu convívio conosco. Eu chorei por todo o trajeto, implorei e jurei que ia morrer, mas minha mãe ainda estava curando a orelha dependurada de meu irmão e permanecia inflexível. O novo dono do Pêgo abriu só uma fresta da porta, por onde nos estendeu -- por cortesia, engano ou ironia -- um saco de castanhas do Pará e arrastou, para dentro de sua casa suja e escura, nosso cachorro pela coleira. A idéia do escambo, numa hora dessas, me parecia surreal, e até hoje eu tenho verdadeiro horror a castanha do Pará por causa disso. À medida que o homem puxava Pêgo pra dentro, o cão enfiava suas garrinhas no chão e tentava fazer o caminho inverso, em nossa direção. Não me recordo de ter visto cena mais triste envolvendo um cachorro, em toda a minha vida. Voltei pra casa doente de tristeza e com ódio dos meus pais, mas hoje, pra ser bem realista, sei que as únicas soluções seriam a recolocação do bichinho noutra casa com menos riscos de acidentes ou a eutanásia. Nos EUA, a agressividade é a segunda maior causa de eutanásia em cães, só perdendo pro câncer.

Minha alegria voltou um mês depois, quando o homem sujo e devorador de castanhas do Pará ligou pra minha mãe perguntando se podíamos ficar com o Pêgo por alguns dias, porque ele ia viajar. Ficamos com ele por mais dois anos, porque o homem das cavernas nunca mais voltou, graças à fada do dente.

Afinal, a maldita fada ouvia. Mas só às vezes.

terça-feira, novembro 28, 2006

O gato que pulava em sapatos

O bebê gato Luizinho, pronto pra ser adotado.


Um dos primeiros livros que li na vida, pouco depois da cartilha do "Pompom, meu gatinho", foi "O gato que pulava em sapatos". Por falta de telhado, ele pulava em sapatos de salto alto. Era um cotoco de gato, como o Luizinho aí da foto (lindo e siamês-like, disponível para adoção aqui), e se achava muito importante quando conseguia escalar um salto 12 e dali pular pra uma prateleira com o enxoval do gatinho: escova, bolinhas, ração, etc. Completamente fascinada pelo gatinho e seu enxoval (boneca pra quê?!?), eu vivia pedindo um peludo desses pra minha mãe. Na época, no entanto, porque eu sou duma época remota em que os médicos eram tão simplórios que diziam que gato transmitia sua asma pras crianças (SIC, mil vezes SIC!), minha mãe me convenceu a aceitar um cão em vez de um gato.

Por ironia do destino, ganhei um Pequinês. O cão que odeia crianças. Mas isso é outra história.

segunda-feira, novembro 27, 2006

A música que toca na sua cuca.

Foto-flickr roubada daqui.


Hoje ouvi em meu radinho a seguinte seqüência randômica de músicas:
1. Mantra (Nando Reis e os Infernais)
2. I want you back (Jackson Five)
3. Barato Total (Gal e Nação Zumbi)

Sem sacanagem: enquanto eu escutava essa seqüência, foi me dando uma sensação tão boa, uma vontade tão incrível de fazer o bem, de ajudar o próximo, de ser voluntária de alguma coisa... me dava uma euforia!... Aí eu dava "pause" e falava pra mim mesma: "Vanessa, acorda! Você tá variando. Isto é só uma música, hello-ow!" Mas era só apertar "play" de novo e a sensação voltava, mais forte que antes, e eu tinha a certeza absoluta de que mais um pouco e incorporaria a Irmã Dulce ou Madre Teresa de Calcutá em pleno coletivo.

Quando eu parei de lutar contra a euforia e deixei a estranheza dar lugar a uma descarga tão forte de endorfina que eu poderia ficar chapada por toda vida, por cinco vidas, tive uma idéia: se a música modula o humor (e modula), algum cientista maluco poderia inventar um iPod de implante intracraniano pra fazer essas músicas que enxarcam a alma de alegria tocarem o tempo todo em nosso cérebro, de preferência na região onde se processam os pessimismos e depressões. Seria uma espécie de radioterapia contra o baixo astral, sem querer fazer um trocadilho infame, mas já fazendo.

Numa boa: acho que até já fizeram esse experimento e escolheram os Hare Krishnas como cobaias. Pensem nisso: não é à toa que estão sempre felizes, cantando, e têm a cabeça raspada.

sábado, novembro 25, 2006

Vingança

Quando falei aqui de despeito, achei que houve alguma confusão quanto aos conceitos de despeito, ciúme, raiva e vingança. Não importa o que diga o Houaiss, e o Houaiss diz muitas coisas, mas eu vejo as coisas da seguinte maneira: despeito é aquilo de que fala "Nervos de Aço", do Lupicínio, que ao ver a amada em um braço "que nem um pedaço do seu pode ser", sente aquele ressentimento. Um amargor existencial que só passaria se um trem descarrilhasse e passasse justo em cima daquele casal que agora desfila feliz, só pra provocar, na sua frente. Isso sim, é despeito. É um desgosto furioso, uma mistura de raiva com ciúme e sede de vingança. Ciúme, raiva e sede de vingança estão contidos em despeito, e portanto são menores que ele. Despeito é um troço muito profundo.

***

Um parêntese aqui pra contar um causo familiar. Tenho uma tia casada com um americano: ela não fala bem o inglês, ele não fala nada de português. Uma dia, ela estava na cama gemendo de enxaqueca. Ele perguntou se a dor era muito forte, ao que ela disse, em bom português: "Pra caralho!" Ele tentou repetir: "...Carrr-ah-lee-o? Significa que é profundo?". E minha tia, com toda a paciência que uma enxaqueca permite, respondeu: "Sim, George, quando eu disser que dói pra caralho, significa que a dor é muito profunda. E que se você não sumir em 3 segundos vai sobrar pra você!" Ele sumiu em dois segundos.

***

Pois bem, voltando ao despeito, essa amálgama de sentimentos ardidos como pimenta. Ter sede de vingança é uma coisa; se vingar, de fato, é outra bem diferente. Perdemos as contas das vezes que desejamos uma morte horrível aos nossos desafetos, mas depois a raiva passa e gente nem lembra que o pulha ou bruxa (aquilo!) existiu. Seria diferente, no entanto, se a gente fizesse algo pra puxar o tapete do infeliz em algum momento da vida. Não sou dada a vinganças, porque a análise me tornou individualista demais pra perder tempo pensando em quem não merece meu pensamento. Porém, observando o comportamento de parentes e pessoas conhecidas, classifiquei a vingança em 3 tipos:


1. Vingança por impulso: aquela que é executada com ódio, no calor das emoções. Exemplos da vida real: furar os pneus do cara na frente de 3 mil pessoas no BG; derramar um copo de vodka no cabelo de chapinha da mulher que seu ex está paquerando na festa; destruir CDs raros, que poderiam ter sido gravados pro seu HD antes do acesso de fúria; descobrir a senha do e-mail do cara e escrever pra todas as mulheres de sua lista de contato dizendo que ele é viado, brocha e tem chulé; quebrar com o macaco todos os vidros de um carro que pegou a vaga que você levou 40 min pra conseguir no shopping, às vésperas do Natal.

2. Vingança violenta premeditada: aquela em que o despeitado contrata um matador de aluguel por 200 reais. Exemplos da vida real: 80% dos casos do Linha Direta (que vai acabar inflacionando o mercado de matadores de aluguel, porque a rapeize vai acabar percebendo que está ganhando menos do que poderia).

3. Vingança cultural moderninha: quando o autor usa sua raiva para criar mais do que nunca, sempre dando um cruzado de esquerda com luva de pelica no queixo de seus desafetos, que, por sua vez, nunca poderão ir pra justiça reclamar do alvitamento por causa da troca de nomes e da declaração, nos créditos, de que "esta é obra ficcional e qualquer semelhança com a realidade é mera infelicidade". Exemplos da vida real: sambistas, poetas e o Woody Allen.

4. A vingança é um prato que se come frio: aquela que cai no colo do autor quando ele menos espera. Exemplos da vida ficcional: você abre a porta de casa pra entrevistar a nova empregada e encontra -- olharzinho humilde, pisando sobre seu capacho -- sua ex-patroa carrasca. ("Doméstica", Eduardo Dusek).

Nem preciso dizer qual é o meu tipo preferido.

sexta-feira, novembro 24, 2006

Despeito é ruim e eu não gosto.

Uma amiga me indicou este site, onde mulheres supostamente traídas, enganadas, abusadas ou de qualquer outra forma desiludidas podem se vingar dos ex-namorados, publicando sua foto e um breve relato sobre o tipo de mau caráter que ele é ou foi.

Acontece que o feitiço acaba virando contra a feiticeira: nos comentários, quem vai pro paredão é invariavelmente a dona da ladainha, e o caso acaba sendo encerrado por excesso de provas. Afinal, quem desdenha quer comprar.

Não quero ficar pregando sobre justiça divina, mas esta é apenas mais uma prova cibernética de que não vale à pena perder nosso precioso tempo denigrindo outro ser humano. O amor é um bichinho que rói, rói, rói. Rói o coração da gente e dói, dói, dói. Caiu, feriu, doeu? Ah, menina: levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima!

Joseph Climber

Por Deus, este é Joseph Climber!

terça-feira, novembro 21, 2006

Chucrute e A Lenda Urbana do Olho Furado

Passei os últimos 3 dias sem ver um pente. Antes de sair de casa, perguntava pra minha mãe: "Tá muito chucro?" Como as mães acham os filhos lindos de qualquer jeito, ela só sorria e dizia que adora meu cabelinho encaracolado. Bem... Encaracolado é modo de dizer. Depois de um banho sem pentear, meu cabelo fica "cheio"; depois de dois banhos, fica afro-soft; no quinto, quase-rasta. No sexto, só rapando-fora.

Então foram 3 dias e 5 banhos sem pentear o cabelo. Olho-me no espelho e não encontro palavras pra definir o monstro que criei. Cabocla Jupira? Uri Geller do pente de prástico? Carlinhos Brown? Não. Definitivamente, essa de cabelo chucro não sou eu, e sim minha ancestral do período paleolítico. Viva o leave-in e os cremes domadores de cachos rebeldes!

***

Roga uma lenda urbana mineira que, certa vez, um homem conhecido por sua saúde de ferro - fruto de um pacto com um exu -, contraiu uma conjuntivite quase invalidante e resolveu aproveitá-la para desafiar a ciência e os limites do corpo humano. Para isto, passou uma semana completa sem pingar um colírio no olho escangalhado, esfregando-o bastante com a mão suja para precipitar o colapso dramático das estruturas oculares.

No dia em que a moléstia cancróide começou a lhe provocar dores perfurantes nos olhos, nosso herói acordou com uma bolha d'água no canto externo de seu globo esquerdo que o impedia de bater a pestana de cima na de baixo. O bravo seresteiro, sem se fazer de rogado, pegou uma agulha - esterilizada artesanalmente no fogão de sua cozinha - e tentou furar o próprio olho pra aliviar o inchaço na vista. A aventura, no entanto, não produziu nenhum derramamento de pus, sangue, água ou recheio natural de olho, para a grande decepção de nosso cientista maluco. Preocupado com a possibilidade de um vazio ocular, o valente fura-olho finalmente cedeu às pressões de sua namorada e foi a um oftalmologista, que o cobriu de esporro e remédios, que o rebelde candidato a cego se recusou a usar.

Dizem que hoje ele ainda disfarça a cegueira do olho esquerdo com uns óculos de soldagem. Por baixo daquelas impenetráveis lentes negras, no entanto, um olho mumificado dá testemunho de que o homem moderno perdeu definitivamente o instinto pra sobreviver sem a providencial ajuda da Medicina.


segunda-feira, novembro 20, 2006

Que língua é essa?

É isso que dá cabular aula de inglês.

Prima, adorei!!! Passei mal de tanto rir!

Ovelha branca

Por uma dessas mazelas da genética, em minha geração, pintaram 3 loiros de olhos claros na família: minha irmã e dois primos. Num primeiro olhar pela vitrine da maternidade, todo mundo pensava que eram filhos do leiteiro. Minha irmã sofria toda vez que alguma visita olhava pra mim e dizia à minha mãe: "Nossa, sua filha é a sua cara! Mas quem é essa russinha aqui?" Em segredo, eu e meu irmão lhe dizíamos que ela havia sido encontrada na lixeira. Se fosse hoje, eu acrescentaria: "quase morta". Tenho ouvido isso muito de protetoras.

Cansada de ser torturada pelos irmãos negros, minha loira irmã (dizíamos, em tom de ofensa, que ela parecia uma menina rica) passou uma fase de sua infância tendo manifestações racistas que nos chocavam profundamente, mas era óbvio que nós havíamos criado aquele monstro.

Uma vez, uma turminha de colegas de classe de minha irmãzinha foi me buscar no meio da aula de Educação Moral e Cívica, no ginásio, pra resolver um impasse: minha russa irmã tinha ofendido uma coleguinha negra durante uma partida de handball. Fui lá, pisando firme, mais pra chegar antes do linchamento do que pra torcer o pescoço de minha irmãzinha. Encontrei a professora em estado de choque, a aula de educação física parada, e uma multidão consolando a menina ofendida. Perguntei pra Sam:
- O que houve?
- A Feijão errou o passe de propósito e eu disse: "Só podia ser preta!"
- Peraí: qual o nome da menina?
- Não sei. Todo mundo chama ela de Feijão.

Depois de dar um esporro na minha irmã, fui me desculpar com a Feijão. Sendo eu morena, achei que caberia a mim fazer a retratação familiar.
- Não chore, disse eu. Minha irmã não falou por mal. Ela é meio estúpida mesmo.
Mas a menina chorava tanto, que eu não tinha uma brecha. Falou uma das amiguinhas dela, neta do Brizola:
- Pô, mó sacanagem da Sam. A Feijão nem é preta!..
Fiquei olhando pra menina que concordava com amiga sem parar de chorar: sua pele cor de chocolate e suas maria-chiquinhas alisadas por um genérico do henê rená. As palavras fluiram da minha boca:
- Mas a Feijão é preta, gente... O problema não é esse, e sim a associação da falta à cor da pele.
Eu logo fui cercada por uma multidão enfurecida, que queria comer meu fígado. Sem saber, havia proferido as palavras proibidas: a Feijão não era preta, não podia ser preta, não podia ser rotulada como preta, porque era gente boa. Muito embora feijão -- pelo menos onde eu moro -- seja preto, preto, preto.

Sentindo que o preconceito menos perigoso ali era o da minha infantil e traumatizada irmã, peguei-a pela mão e ordenei que voltasse pra sala de aula sem dar um pio. Dispensei-a de pedir desculpas e descobri, aos 12 anos, que o racismo no Brasil é intenso. E está onde a gente menos espera.

Rainha Negra

Não é privilégio de poucos, eu sei, mas eu tenho muito orgulho de descender de negros. Minha tataravó foi trazida da África em um navio negreiro e, aqui chegando, foi traumaticamente separada de sua irmã no mercado de escravos. Minha bisa nasceu livre pela Lei do Ventre Idem e criou minha avó, A Grande Matriarca, com a noção de que família é coisa pra se manter unida a qualquer custo. Qualquer custo sendo, entre outras coisas, passar um ano se aguentando num sub-emprego e indo diariamente ao gabinete do Presidente JK, no Palácio do Catete, para lhe pedir um cargo público que possibilitasse o sustento e a união de seus sete filhos, abandonados pelo pai, um italiano de caráter menor. JK acabou cedendo. Nesse ínterim, contudo, as sete crianças foram espalhadas por colégios internos subsidiados pela LBV. Apesar da diferença de idade, todos aprenderam a ler e a escrever na mesma época, porque não havia escola na roça. E todos driblaram as estatísticas da miséria, graças à coragem e à perseverança de minha avó.

Por toda a garra dessa rainha negra, minha avó, a maior matriarca que já conheci, às vezes eu sinto mesmo pena de não pertencer à geração anterior. Não que eu não quisesse ser filha de minha mamma, mas, por uma geração a menos, eu poderia ostentar na pele a beleza de minha origem.

Como consolo, resta-me a bunda -- enorme, redonda, do tipo que samba sozinho. Prova inequívoca de que eu não tenho um pé na Alemanha.

Feliz Dia da Consciência Negra a tutti!


PS: Além de minha vó, que nunca me sai da memória poética, este post também foi inspirado num belo presente musical (homônimo) que a Jussara me mandou por e-mail hoje de manhã. Obrigada, querida!

domingo, novembro 19, 2006

I need space!

A Gisela me fez lembrar de uma animação engraçadíssima da Aardmann, em que animais de um zoológico são entrevistados e falam de suas condições de vida. O destaque é pro grande felídeo brasileiro reclamando do espaço e da comida inglesa. Veja detalhes em: http://www.atomfilms.com/af/content/atom_221

sábado, novembro 18, 2006

Contato

Já havia dez anos que estava fora do país e, desde o início, decidiu que seu maior grito de independência seria despistar a família superprotetora. Começou a trocar de telefone a cada 3 meses. Tirou seu nome da lista. Primeiro teve um indentificador de chamadas, mas depois achou mais seguro contratar o serviço de triagem de ligações da companhia telefônica, que obrigava a pessoa que lhe telefonasse a gravar uma mensagem como "Oi, é a mamãe, lembra?", esperar vinte segundos na linha aguardando autorização e pagando DDI, pra depois ouvir a mensagem automática: "Sorry. O usuário não está disponível para atender sua ligação." Deixou claro que ela ditaria as regras dali em diante: eu contato vocês, e não o contrário.

Só ligava quando lhe dava na telha. Geralmente em feriados nacionais, no meio da tarde ou em horários em que as chances de encontrar alguém seriam mínimas. Quando calhava de alguém da famiglia atender, passava 30 minutos falando sobre o tempo e a economia americana, pra finalmente responder como iam as coisas:
- Perdi todo o cabelo, mas já fui virada do avesso e os médicos não encontraram nenhuma doença. Me puseram na psicoterapia. Saio em cinco meses. Estou usando peruca.
- Ó, céus, é o fim do mundo! Isso é muito grave!!! Por que você não volta pro Brasil? Você nunca teve isso aqui, e aqui é tudo mais fácil...
- A ligação vai cair em dois segundos.
- Pu-pu-pu-pu-pu-pu-pu-pu...

Ou então, depois de meia hora falando sobre a morte de uma modelo brasileira anoréxica que só ficou famosa mundialmente depois de morta:
- O motivo d'eu não ter ligado nos últimos dois meses é que eu deixei meu celular no trabalho.
- E você não foi trabalhar por dois meses?
- Não. Caí da escada e fraturei algumas vértebras. Mas já estou bem.
- Ó meu Deus, ISSO É MUITO GRAVE!!! Você ficou tetraplégica?!? Quem está te dando banho? Quem está cozinhando pra você? Nós vamos aí te buscar já!
- O cartão está acabando. E eu não estou tetraplégica. Estou patinando e tudo.
- Pu-pu-pu-pu-pu-pu-pu-pu...

***

Toda vez que o telefone tocava no meio da tarde ou de um feriado nacional, o ar se tornava irrespiravelmente pesado e todos ficavam tensos naquela família superprotetora normal. Nunca se sabia se do outro lado da linha haveria um inconveniente operador de telemarketing ou uma caçula desgarrada, recém recuperada de um desastre aéreo ou d'um ataque terrorista. Na segunda hipótese, eles sabiam que teriam que passar 30 insustentáveis minutos conversando sobre o tempo, a economia americana e celebridades para conseguir riscar a superfície da muralha que mantinha essa ovelha desgarrada do rebanho. E, de contato errático em contato errático, iam montando um complicado quebra-cabeças pra tentar entender como, quando e por que a ovelhinha construíra essa muralha intransponível em torno de si.

Ledo engano.

Niemeyer, meu muso quase centenário, casou-se às escondidas.

Com tanto mistério, por um momento pensei que ele fosse se casar comigo.

sexta-feira, novembro 17, 2006

Mais jackass impossível!!

Todos já viram vídeos de explosões provocadas pela combinação de Menthos com Coca-Cola Light. Agora vocês verão dois imbecis em ação sob o mesmo tema. Um deles quase perde o olho, mas acha tudo a-fucking-mazing.

quinta-feira, novembro 16, 2006

Gás hilariante

Tudo bem que eu tenho o riso frouxo, mas ultimamente tenho gargalhado acima da média. Hoje eu vi um depoimento da novela Páginas da Vida, em que uma mulher se declarava feliz no casamento porque seu marido é um cara excepcional; tanto, que nem olha pras bundas das outras mulheres que passam por ele na rua. Ao fim do encantado VT, minha mãe me pergunta: "Não entendi: essa mulher é casada com um Down?" Mijei de rir.

Depois do trabalho, fui pr'academia fazer uma enganação aeróbica. A "cardio area", onde ficam esteiras e bicicletas ergométricas, deveria ser mais propriamente chamada de "farting area". É impressionante como as pessoas se soltam quando correm! Mesmo com toda a minha compreensão da fisiologia do aparelho digestivo, eu não consigo achar normal uma mulher perfumadérrima peidar ao meu lado enquanto corre ou caminha. Eu vou recalcando o riso, mas quando vejo aquela nuvem verde dominar o ambiente com o gás hilariante do peido alheio, chega um momento em que eu gargalho até me faltar o ar, e chego a ter pontadas ao ver que o suspeito número um do peido, diante de minha gargalhada que só falta apontar o culpado, evita cruzar o olhar com o meu na esperança de que eu seja discreta e não grite: "Caraca, como é que você faz pra feder desse jeito?!?"

***

Eu tive um namorado que, por problemas de saúde que lhe fugiam ao controle, peidava violentamente (coitado). Uma vez, fomos ao cinema com um casal de amigos. E lá pelo décimo minuto de fita, ele começou a se soltar. Imaginando a reação de nossos amigos, que por muito menos teriam processado o cinema e mudado de cidade, eu comecei a rir. E o filme nem estava engraçado ainda. Aliás, era um filme triste. E, do início ao fim, eu era a única - sozinha, desagradável - que gargalhava na sala. Descontroladamente, embora o odor fosse repugnante até pras minhas amorosas narebas.

***
Algumas combinações de palavras me fazem perder a consciência de tanto rir. Uma vez o Lau falou, não sei em que contexto, que a cólica provocada por gazes é uma dor de pum encravado. E eu, na semana passada, falando sobre minha conjuntivite, expliquei pro meu interlocutor que não podia ler porque estava com o olho escangalhado. Quaquaraquacá!

Porque essas coisas me fazem rir, eu não sei. Talvez eu tenha sido esquecida numa câmera de gás hilariante quando pequena, e até hoje não tenha limpado esse nitrogênio do meu sistema. Talvez o riso seja só uma forma de passar por essa vida sob o signo da leveza.

quarta-feira, novembro 15, 2006

Tamanho não é documento.




As constantes propagandas que recebo sobre "penis enlargement" me fazem pensar até que ponto o tamanho é uma angústia cosmopolita de dimensões alarmantes. Este post foi idealizado para acalmar os homens secretamente complexados de seus pipis: mulheres não acham que o tamanho importa. Desde que o tamanho seja normal, é claro.

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Chicken soup for the little ones' soul:
Imagino que, em algumas culturas, onde é comum o homem andar com os documentos soltos pelo meio do mato, o ideal é que o tamanho do pau não ultrapasse o comprimento do dedo mindinho. É só pensar com a cabeça de um jacaré: entre uma salsicha de 20 cm e outra de 3, qual a que você devoraria com sua bocarra de meio metro? Com base nesta premissa, acredito que, em algumas tribos indígenas, os homens de pau grande não consigam chegar à idade reprodutiva com seu equipamento completo. Resultado: reproduzem-se os adaptados portadores de bigulhinhos. Se você acha que seu pau é pequeno demais, experimente passar uma temporada num lugar desses, pra elevar sua moral.

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Não sei quem inventou que o tamanho do pau está relacionado ao tamanho do nariz, pé e mão, ou que ele corresponde ao comprimento da base da mão até não sei aonde. Por um desses protocolos estimativos, eu teria um pênis de proporções eqüinas se fosse homem. Ainda bem que Deus sabe o que faz!

Se uma mulher que você mal conhece lhe disser: "Nossa, que mão enorme você tem!", tenha certeza de que ela está mal intencionada.

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Ao contrário do que pensam os homens, que adoram encher a boca pra dizer que mulheres contam tudo umas pras outras (ao passo que eles, não, eles são reservadíssimos!), eis o que garotas falam durante o chope no BG, no dia seguinte a uma transa inédita:

- Saí com fulano.
- E aí?
- Fraquinho. Mecânico. Parece um robô. Quase aproveitei o sexo oral pra lixar minhas unhas.

Ou então:
- Finalmente dormi com o beltrano.
- E aí?
- Ah, foi ótimo. Ele é todo romântico e carinhosinho.
- Ai, amiga!... Que lindo! Vocês estão namorando?
- Não sei. Ele não me liga há 12 horas e 37 minutos. Talvez ainda esteja dormindo.

A última coisa que a gente fala é sobre o tamanho do pau do cara. Nós temos ética: só falamos disso quando o pau é muito pequeno mesmo. Ou extraordinariamente grande. Pensando bem, nós não tocamos muito nesse assunto porque a mulher relativiza completamente essa questão do tamanho. A gente usa metáforas ("grande como uma Big Coke" ou "pequeno como um salgadinho de festa"), e não réguas. Em toda a minha vida, nunca ouvi uma mulher usar o sistema métrico pra se referir ao tamanho peniano. Homem é que tem mania de levar régua pro banheiro e pra cama. É batata: se ao ler um conto erótico você encontrar a palavra "centímetros" na descrição do herói-garanhão, sobretudo se a medida for maior que 20cm, você pode ter certeza que foi um cueca que escreveu. Especialmente se ele assinar "Michele" ou mencionar virgens em sua primeira vez. (a blogueira enfia o dedo na garganta e vomita, só de pensar)



PS: Se você tem complexo do tamanho do seu pênis e se eu, apesar de toda a minha sutileza (UAHUAHAUHA), não o ajudei a perder essa sensação de que o mundo lhe é injusto, escreva um e-mail para vanorresponde@gmail.com, que sua mensagem será respondida por um joelhaçoterapeuta de Bagé especialista em complexo de inferioridade.
PS2: o vanorresponde@gmail.com tem filtro de spam pras palavras pennis, p_eN_iS, penis e outras cinquenta mil variantes, então use a sua maior cabeça pra driblar o bloqueio!

In vino, veritas.

Eu amo meus amigos. Se for necessário, e deusmelivreeguarde se for mesmo necessário, eu mato, estupro, sequestro, roubo, morro e faço o diabo por eles.

Minha prima vai ser mãe, gente. Tem um neném do tamanho dum grão de arroz na barriga dela, com 4 milímetros e 108 batimentos cardíacos por minuto. Pergunta se eu tô chorando. É claro que eu tô, pô! Eu sou humana, caramba! E esse bebê só vai ter o tamanho dum grão de feijão na semana que vem. Fala sério, é muita emoção.

Agora eu vou dormir porque eu tô bêbada. Feliz aniversário, Aline. E Carrie. Feliz aniversário, Carrie. Escreve o que eu tô dizendo: inferno astral de cu é rola.

E tenho dito!

Ique!

terça-feira, novembro 14, 2006

Aumente seu pênis, você está sendo traído.

Tenho dó da ingenuidade dos spammers, que insistem em me mandar propaganda de VV-i-aG_RA e engenhocas pra aumentar meu pênis (como eles descobriram?!?) e mensagens de amigos desconhecidos, me alertando pro fato de que eu - moi! - estou sendo traída. Obviamente, eu marco tudo como spam e deleto sem abrir essas besteiras. Não quero dar munição pra bandido, mas pra uma pessoa abrir uma mensagem de remetente desconhecido, o título tem de ser instigante. Ainda assim, eu só abro em cyber café, uma vez por ano.

Aqui vão sugestões de títulos instigantes que me fariam pensar duas vezes antes de abrir ou não:


Voe Gol: carnaval na Bahia em 3 parcelas de R$49,99!
Globo Online: Lula confessa tudo.
Último Segundo: José Dirceu é encontrado morto em seu apartamento.
Reuters Brasil: O limbo está de volta!
Correio do Estado: Brasileira encontra a cura pro câncer.
Emagreça 5kg até o Natal sem sacrifícios.


Esta última é só pra ilustrar que todo mundo tem seu calcanhar de Aquiles.

Por que mentem os taxistas?

Ontem peguei o mesmo táxi daquele cara que me contou o causo do coelho pimpão. Comentei que havia contado a estória do coelho pros meus amigos e que todos se divertiram, ao que ele respondeu:

-- Ah, esse coelho é uma figura! Está lá em casa até hoje, gordo que só ele.

Confesso que minha primeira reação foi de alívio: então o coelho não morreu! Não foi pra panela! Num segundo momento, contudo, eu olhei pra cara dele pelo retrovisor e me ocorreu que o coelho jamais poderia ter morrido, porque esse coelho provavelmente nunca existiu; e coelhos ficcionais não morrem. Depois, eu senti uma inveja quase raivosa do taxista por ele ter conseguido inventar um estória tão fantástica -- envolvendo um taxista, um coelho que gosta de andar de carro, feirantes, frentistas, uma passageira míope, um poodle-de-malandro e uma vizinha assassina --, e eu não. Então, fiquei dividida entre o triunfo do flagrante (És mentiroso, ó taxista!) e a diplomacia. Acabei optando pela segunda, sorri e permaneci em silêncio o tempo todo, espiando vez por outra a cara do taxista pelo espelho, pra ver se lhe cresciam galhos e folhas no nariz, tal qual um Pinóquio contemporâneo.

Poucos segundos antes de descer, no entanto, notei que não tinha superado minha decepção por ter descoberto que a estória do coelho era inventada. Como é triste saber que a arte, embora imite a vida, tantas vezes a supera! Abatida pela melancolia de me perceber reles personagem real que nunca se assemelhará, em feitos, a uma personagem fantástica, perguntei ao meu contador de causos preferido, já com a porta aberta:

-- E o coelho? Casou e teve filhos?
-- Muitos! Até com a poodle ele já cruzou. Agora que ela tá prenha, vamos ver no que vai dar. Não teve uma gata no sul que pariu uns cachorrinhos? Pois é. Quem sabe minha poodle não vai parir uns coelhinhos?


Um sorriso holístico me percorreu todos os meridianos da alma. Despedi-me, feliz, fazendo cara de "quem sabe?", e saí com a certeza de que a mente humana é um calabouço insuperável de idéias.

segunda-feira, novembro 13, 2006

Beijo de bigode

Que me desculpem os homens hermeticamente heterossexuais, mas beijo de bigode é bom demais! Praqueles cuecas que nunca tiveram o prazer de sentir uma vassourinha de pêlos sedosos abraçando seus lábios e fazendo uma cosquinha gostosa em seu nariz, eu recomendo o beijo de bigode interespecífico. É outro barato, não tem nada do erotismo do beijo humano, porém é lindo de outra forma. E molhado.

Que me desculpem os nojentinhos de plantão, mas quem nunca foi beijado por um cão ou gato não conhece o idílio. É claro que, em caso de beijo bicho-gente, convém que ele seja unilateral: humano fecha a boca, bicho passa a língua. Apenas uma hipocrisia higiênica para nos lembrar de manter a pose de humano. E para gente se fazer de difícil, um pouquinho.

O melhor do beijo de bigode canino é quando ele vem de surpresa, na cama, de manhã, acompanhado de um nariz molhado que cafunga seu cangote por baixo dos lençóis. Os dias que começam assim são sempre bons. Nesse aspecto, o beijo de bigode de pêlo-de-arame é o melhor de todos, porque é o que mais faz cosquinha. Dá uma olhada na foto abaixo e imagina!


A Hanna, essa simpática cadelinha de seis meses, é uma legítima portadora de bigode pêlo-de-arame. Para agendar um kiss-drive -- e, quiçá, adotá-la --, escreva para o adote@sosvidanimal.com.br pedindo informações.

domingo, novembro 12, 2006

A palavra com a letra P

Quando o Povo Brasileiro veio morar conosco, o pobrezinho era muito doente, e nada parecia animá-lo. Como era um cachorrinho de rua e eu ainda não tinha chegado a nenhuma conclusão sobre seu caráter, ou sobre a probabilidade d’ele me morder, na hora de me aproximar com a coleira e a guia, eu fazia um carnaval e vendia a idéia do passeio na coleira como a coisa mais fantástica do universo. Era crucial que ele gostasse de passear, mesmo doente, senão ele faria cocô e xixi em casa; e, se fizesse, minha mãe o despejaria. Então, passeamos dez vezes por dia nos primeiros dias, e a cada vez que eu pegava a coleira, repetia o mesmo carnaval e o mesmo convite, com voz de palhaço Carequinha: Vamos no passeeeeeeeeeiô?!?

Como cachorro inteligente que é, o Povo nunca se aliviou em casa e logo entendeu que a palavra “passeio” era a senha para a abertura de um portal que o levaria ao ar livre, gramas frescas e um buquê de outros aromas instigantes. Se alguém chegasse em casa tarde e perguntasse, sobre o cão, "Quando foi o último passeio?", seria obrigatório que houvesse outrem (invariavelmente eu!) de prontidão e tênis para passear com o cão, ainda que ele tivesse acabado de chegar de uma caminhada de duas horas. A simples pronúncia da palavra o agitava de tal modo, que temíamos (eu temia) que seu coração fosse entrar em extra-sístole de agonia. O Povo era incansável para passeio, e isso nos fez abolir essa palavra de nossas conversas. Passamos a nos referir a ela (a palavra proibida, que assanhava o cão rueiro) como “a palavra com a letra P”, expressão que sussurrávamos entre os dentes, assoviando e olhando pro teto, a fim de despistar o cão. Mesmo assim, não houve jeito: ele, metendo aquele focinho cheio de bigode na conversa da gente, logo entendeu que “a palavra com a letra P” era a nova senha para a abertura do portal que o levaria a bla bla bla. Foi assim que tivemos de dar ao Povo um sítio pra chamar de seu, pois um cão incansável para aquela palavra com a letra P, precisa se nãnãnã sozinho. E ele continua se nãnãnando sozinho, e nós continuamos proibidos de pronunciar a palavra com a letra P.

Moral da estória: Nunca ensinem um cão a tiranizar seu dono, pois ele aprende rápido e não esquece jamais.
Moral da estória 2: Nunca acreditem que um veterinário faz em casa, com seus bichos, aquilo que ele ensina aos clientes (ele faz justamente o contrário).
Moral da estória 3: Cães mandam, donos obedecem.
Moral da estória 4: Se você não tem tempo de passear longamente ao menos duas vezes por dia com um cão, reconsidere o desejo imoral de tê-lo em detrimento de sua felicidade.

sexta-feira, novembro 10, 2006

Cutucão

Tudo que tem cão é bom. Bom dia!


Marcelo Min / Fotogarrafa
Originally uploaded by Van-Or.

In: Fotogarrafa . Foto: Marcelo Min



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Até quando?
Gabriel, o Pensador

Não adianta olhar pro céu com muita fé e pouca luta
Levanta aí que você tem muito protesto pra fazer e muita greve
Você pode e você deve, pode crer

Não adianta olhar pro chão, virar a cara pra não ver
Se liga aí que te botaram numa cruz e só porque Jesus sofreu
Num quer dizer que você tenha que sofrer

Até quando você vai ficar usando rédea
Rindo da própria tragédia?
Até quando você vai ficar usando rédea
Pobre, rico ou classe média?
Até quando você vai levar cascudo mudo?
Muda, muda essa postura
Até quando você vai ficando mudo?
Muda que o medo é um modo de fazer censura

Até quando você vai levando porrada, porrada?
Até quando vai ficar sem fazer nada?
Até quando você vai levando porrada, porrada?
Até quando vai ser saco de pancada?

Até quando você vai levando porrada, porrada?
Até quando vai ficar sem fazer nada?
Até quando você vai levando porrada, porrada?
Até quando vai ser saco de pancada?

Você tenta ser feliz, não vê que é deprimente
Seu filho sem escola, seu velho tá sem dente
Você tenta ser contente, não vê que é revoltante
Você tá sem emprego e sua filha tá gestante
Você se faz de surdo, não vê que é absurdo
Você que é inocente foi preso em flagrante
É tudo flagrante
É tudo flagrante

Até quando você vai levando porrada, porrada?
Até quando vai ficar sem fazer nada?
Até quando você vai levando porrada, porrada?
Até quando vai ser saco de pancada?

Até quando você vai levando porrada, porrada?
Até quando vai ficar sem fazer nada?
Até quando você vai levando porrada, porrada?
Até quando vai ser saco de pancada?

A polícia matou o estudante
Falou que era bandido, chamou de traficante
A justiça prendeu o pé-rapado
Soltou o deputado e absolveu os PMs de Vigário

Até quando você vai levando porrada, porrada?
Até quando vai ficar sem fazer nada?
Até quando você vai levando porrada, porrada?
Até quando vai ser saco de pancada?

Até quando você vai levando porrada, porrada?
Até quando vai ficar sem fazer nada?
Até quando você vai levando porrada, porrada?
Até quando vai ser saco de pancada?

A polícia só existe pra manter você na lei
Lei do silêncio, lei do mais fraco:
Ou aceita ser um saco de pancada ou vai pro saco

A programação existe pra manter você na frente
Na frente da TV, que é pra te entreter
Que pra você não ver que programado é você

Acordo num tenho trabalho, procuro trabalho, quero trabalhar
O cara me pede diploma, num tenho diploma, num pude estudar
E querem q'eu seja educado, q'eu ande arrumado q'eu saiba falar
Aquilo que o mundo me pede não é o que o mundo me dá

Consigo emprego, começo o emprego, me mato de tanto ralar
Acordo bem cedo, não tenho sossego nem tempo pra raciocinar
Não peço arrego mas na hora que chego só fico no mesmo lugar
Brinquedo que o filho me pede num tenho dinheiro pra dar

Escola, esmola
Favela, cadeia
Sem terra, enterra
Sem renda, se renda. Não, não!

Até quando você vai levando porrada, porrada?
Até quando vai ficar sem fazer nada?
Até quando você vai levando porrada, porrada?
Até quando vai ser saco de pancada?

Até quando você vai levando porrada, porrada?
Até quando vai ficar sem fazer nada?
Até quando você vai levando porrada, porrada?
Até quando vai ser saco de pancada?

Muda, que quando a gente muda o mundo muda com a gente
A gente muda o mundo na mudança da mente
E quando a mente muda a gente anda pra frente
E quando a gente manda ninguém manda na gente

Na mudança de atitude não há mal que não se mude nem doença sem cura
Na mudança de postura a gente fica mais seguro
Na mudança do presente a gente molda o futuro

Até quando você vai levando porrada?
Até quando vai ficar sem fazer nada?
Até quando você vai ficar de saco de pancada?
Até quando você vai levando?

quinta-feira, novembro 09, 2006

Quem foi que disse...

... que uma joaninha só não faz halloween? ;-)


PS: pode dizer, vai: essa "tia" é babona pra danar!

Tudo na vida é passageiro, menos o coelho e o motorista.

Tenho andado muito de táxi, mais do que gostaria. É o preço que pago por minha desorganização, mas algumas vezes a corrida se paga sozinha. Como hoje, quando um taxista fofo que me transportou por 10 exatos minutos, usou o gancho d'eu ser veterinária pra iniciar um monólogo maravilhoso sobre um coelho que lhe cruzou o caminho dia desses:

Outro dia, dona, passando pela Fonte da Saudade, um coelho -- olha só como são as coisas! -- atravessou a rua, pulando na frente do meu carro. Tava escuro ainda, eu saí do carro, não entendendo nada, né?, pra ver o que que eu quase tinha acabado de atropelar. E tava lá o coelho no meio fio, todo encolhido, coitado. Olhei em volta, não tinha ninguém, né?, vi aquele coelho todo gordinho e enfiei o bicho dentro do meu carro, debaixo do banco do carona. Não deu nem hora, o coelho mijou aquilo ali tudo. E aquele xixi de coelho, né dona? -- a senhora que é veterinária sabe, né? -- fede pacaramba! Tive de parar no posto pra lavar o tapete, e o posto era defronte pruma feira ali em Botafogo, sabe onde?, então pedi umas cenouras pro feirante, forrei os tapetes do carro tudo com jornal e deixei o coelho debaixo do meu banco, que tava mais seco, com as cenouras. E fomos rodar, eu e o coelho. E o coelho, sabe como é, né?, comendo que nem um maluco aquelas cenouras lá. Daí, não deu nem meia hora, peguei uma passageira indo pra Copacabana e ela, dentro do túnel, tudo meio escuro, me estendeu umas bolinhas e disse: 'Ó, moço, alguém deixou arrebentar um colar aqui: tá cheio de bolinha no chão do táxi.' Eu vi aquilo na mão da dona, mas o que que eu ia dizer pra ela? Que ela tava com a mão cheia de cocô de coelho? Peguei e não disse nada. Fiquei quieto, na minha. Mas com uma vontade danada de torcer o pescoço daquele diabo de coelho. Deixei a passageira e fui no posto duns camaradas meus, limpei o tapete do carro de novo, arrumei uma caixa e pedi pra eles cuidarem do coelho pra mim até eu ir pra casa. Não deu nem hora, me ligam os cara do posto, pedindo pr'eu ir pegar o coelho, que ele não ficava quieto na caixa e o gerente não queria ele ali. Tive que voltar lá pra pegar o coelho e levar em casa, lá em Vargem. Chegando lá, não tinha ninguém em casa, só a poodle da minha filha. Enquanto eu comia um negócio, tou ouvindo um caim, caim, caim: era o fiudaputa do coelho que tinha sentado porrada na poodle. O mau caráter ficou de pé que nem um canguru, rapaz, e deu na poodle de soco na cara e tudo, nunca vi uma coisa dessas! Aí, não teve jeito: não tinha como deixar a poodle sozinho com esse coelho descarado, então fui na vizinha pedir uma vaga pro coelho no galinheiro dela. E já fui dizendo: ó, esse coelho é vigarista; se ele bateu no meu cachorro, vai fazer ensopadinho dessas suas galinhas aí. Mas a vizinha não se acanhou: deu uma vaga pro coelho e disse que eu podia pegar ele de volta à noite.

E aí?, perguntei eu.

E aí, dona, já viu, né? A vizinha me disse que o coelho fugiu, mas tenho pra mim que ela passou o bicho na panela. Eu bem que notei os zoinho dela brilhando quando eu deixei o coelho com ela. Ela pegou o bicho na mão, medindo peso e tudo.

***

Eu ia perguntar se ele já tinha dado carona pra algum outro bicho estranho, mas fiquei em silêncio para apreciar o momento e a estória. E fiquei pensando, cá com os meus botões: MM tem razão: o mundo é muito estranho.

quarta-feira, novembro 08, 2006

OK, não resisti.

Passou o halloween -- que eu acho duma demência medonha, mas estou perdoada porque fui criada num ambiente onde o equivalente mais próximo do Jason-mata-ela-mamãe era a mula-sem-cabeça, só que sem o ataque da serra-elétrica -- e eu não dei um pio sobre o assunto, porque assunto ruim bom, é assunto ruim morto; e quanto mais se fala em halloween, mais vivo ele fica para nós, colonizados. Mas aí a Gabi, que tem endosso pra respirar halloween porque mora nos EUA e tem filha americana, me manda as fotos mais lindas do mundo de sua lindinha fantasiada de Joaninha. E eu fico pensando que o halloween -- com minúscula mesmo, de pirraça -- tem sim, uma importante função sócio-afetiva: a de incrementar os álbuns de fotografia da família.




Poucos dias depois, a Mary coloca em seu blog várias fotos de cães fantasiados que me deram vontade de vomitar de nervoso e conflito: tive um misto de pena e acesso de gargalhada quando vi o Pug fantasiado de aranha e o terrier de duende estelar. Não pude deixar de cobiçar esta fantasia de cachorro quente para o Povo Brasileiro. Sonhei com uma odalisca pra minha Princesa Radija, mas ela precisaria emagrecer uns 5 kg, assim como sua mãe, para entrar num modelito dança do ventre.

Foto roubada do blog da Mary, que roubou deste Flicker aqui.

***


Enfim, halloween não presta, mas, se consumido com moderação, os efeitos colaterais são mínimos.



PS super importante:

Não consegui subir a foto completa da Joaninha da Gabi: por algum motivo que só o blogger conhece, ele cisma de só carregar esse pedacinho da fotografia do pequeno inseto em fuga. Ainda incompleta assim, linda como os amores! (obrigada, Gabi!)

A Mesa Telefônica

Por uma dessas razões que até a razão desconhece, ou simplesmente porque no serviço público nada faz sentido, a colocaram na mesa telefônica de seu setor. Pela reação de horror dos colegas ao descobrir que sua função, doravante, seria atender o telefone de reclamações -- aquele que é divulgado no RJTV --, ela logo entendeu que ser telefonista, ao contrário do que parece, não seria a coisa mais fácil do mundo. E em dois dias entendeu porque a antiga telefonista, que acabara de se aposentar depois de 30 anos no serviço, era tida como uma pessoa rabugenta e de temperamento descontrolado. No terceiro dia, aliás, parou de julgar mal os colegas que se fingiam de mortos quando um dos dois telefones tocava enquanto o outro estava em uso: atender aqueles telefones exigia mais controle emocional que escalar o Everest, domar tigre asiático e atravessar a Linha Amarela de ré sob fogo cruzado sem bater em carro algum. Tudo ao mesmo tempo.

Na primeira semana, tudo foi descoberta e ela achou ótimo poder ajudar o público -- pessoas como ela mesma, afinal. Na segunda semana, começou a perder a identificação com parte do público, mais especificamente com pessoas que ligavam dizendo:

- Meu bem, não sei-si-cê pode me ajudar, mas por acaso teria o telefone da SUIPA?
- Ó, não sei se é aí, mas como este é o quinto telefone que me dão, vai ter que ser aí...
- Aqui quem está falando é o segundo sub-sargento do III XYZ (ou outra sigla qualquer), e eu queria fazer uma reclamação... Ah, quer dizer que isso agora não é com vocês?!? Qual seu nome, CPF e identidade, heim? O prefeito da cidade vai adorar receber um dossiê sobre isso!
- Como assim, Muriqui não é Rio de Janeiro? Muriqui é Rio de Janeiro!!! Como assim, esse serviço é municipal? Muriqui é um municípo, sim, minha filha, acorda pra cuspir! E o estado de Muriqui é Rio de Janeiro, e vocês vão ter que me ajudar, sim! Ah, deixa o Lula saber que os incompetente daí, que eu pago com meu imposto suado, tão só na coçação de saco em vez de trabaiá!

Na terceira semana, pediu autorização à chefe para mandar um, em cada seis contribuintes desaforados, à merda. Embora parecesse um pleito justo, a autorização não foi concedida, o que fez com que ela se viciasse em chocolates e café, o equivalente comestível do grito de "VAI SE FUDEEEEEERRRRR!!!". Na quarta semana, passou a atender com sotaque de baiana, para ter, na criação, caracterização e consistência da personagem, ao menos algum estímulo intelectual. A personagem baiana, talvez por influência da própria história de vida de sua criadora, era muito cordial e solícita: passava tempo demais com cada contribuinte ao telefone, o que acabava chamando a atenção dos colegas de repartição que, vez por outra, tinham de se fingir de mortos pra não atender as ligações que gritavam na segunda linha. Então, na quinta semana, incorporou a gaúcha que, por uma distração freqüente (as pessoas se distraem muito ao telefone, enquanto riscam setas no papel), se tornava paulista e carioca na mesma ligação. E o contribuinte perguntava:
- Nossa, que estranho o seu sotaque! De onde você é, afinal?
- A-di-vi-nhe! -- a baiana sempre voltava pra lhe salvar com sua natural simpatia.

Mas o jogo estava ficando arriscado, então desenvolveu um método para cansar o contribuinte antes que ele fizesse o contrário:

- Você ligou para 3395-2190, Centro de Controle de Zoonoses do Município do Rio de Janeiro, Fulana de tal, matrícula tal falando, bom dia!
- Quem? Onde? Ih, desculpe... acho que foi engano.

E depois de 34 telefones batidos na cara; 576 telefones de outros serviços nada-que-ver informados; 720 reclamações registradas; três elogios; uma cantada; e duas ameças de morte, 90 dias se passaram. E porque sempre há um dia depois do outro, ela voltou a trabalhar no que gosta.

Ainda bem.


PS: Este é um conto ficcional. Qualquer semelhança com a realidade é mera infelicidade.

PS2: Embora este seja um conto ficcional, o telefone do CCZ do MUNICÍPIO, PORRA! do Rio de Janeiro está correto.


segunda-feira, novembro 06, 2006

Depois de Finados

Não gosto desse feriado de Finados: minha má formação católica incompleta me enche de culpa por planejar viagens prolongadas justo quando os cemitérios de todo o país recebem hordas de parentes com suas lágrimas e flores. Não acho que esta conjuntivite seja o fruto psicossomático de alguma culpa, até porque já viajei horrores e fui a praias estupendas em todos os feriados de Finados de que posso me lembrar, e em nenhum deles minha latente auto-flagelação cristã me impediu de esquecer completamente dos mortos celebrados enquanto eu me bronzeava ou enchia a cara.

Este ano, porém, foi atípico. No sábado, minha mãe liga à tarde e pergunta: "Você lembra do primo fulano?" Nã. "Pois é, acabo de voltar do enterro dele." E passou a descrever como tinha sido a encomenda do corpo, linda como os amores, quando um ímpeto de auto-preservação me impeliu a interrompê-la:
- Mãe, fico feliz que a cerimônia tenha sido tão bonita, mas podemos falar sobre isso outra hora? Até porque eu preciso de um tempo pra lembrar quem era o primo fulano.
- Ele dormiu na casa de sua avó algumas vezes.
- Ahn. Coitado.
- ...
Sentindo que ela não queria que o assunto acabasse tão logo, continuei:
- Morreu de quê, o pobre?
- Não sei. Ele era velhinho já.
- Você viajou 3 horas de carro pra ir a um enterro e não descobriu como o cara morreu?
- Eu não ia perguntar isso pras minhas primas, estavam todas muito abaladas. E elas gostavam tanto de mamãe, choraram tanto quando me viram, bla bla bla.
- ...
Deixei o assunto se esgotar, apesar do roaming milionário que eu estava pagando. Estava claro que o morto chorado em questão não era o primo, e sim minha vó. A gente perde uma ou duas pessoas realmente importantes na vida e passa a vida inteira aproveitando a morte alheia pra chorar a saudade daqueles que nos fazem falta de verdade.

***

Café da manhã de segunda, pós Finados. Meus pais contam que no sábado, um primo de meus primos morreu atropelado. E que uma tia minha sofreu um acidente de carro no domingo:
- E agora ela passa bem?, perguntei sem dar margem à desgraça.
- Não sabemos ainda. Ela sente muitas dores.
- ...
Não quis prolongar o assunto, portanto fiz alguns segundos de silêncio e voltei minha atenção ao suco de laranja que meu pai tinha acabado de espremer e misturar com alguma fruta não identificada no liquidificador.
- Batido com o quê?, perguntei, referindo-me ao suco.
- Não sei ao certo. Aparentemente, bateu num poste ou árvore e capotou.
- Ahn.
Não achei que seria conveniente repetir a pergunta, até porque não era assim tão importante saber que fruta líquida eu estava tomando, já que quase todas elas têm a mesma pontuação vigilante-pesística. De meu olho, vinham pontadas lancinantes que pareciam o prenúncio da erupção de alguma espécie de gremling, parasitos espaciais de incubação bulbar com o sórdido plano de dominar a Terra. Suspirei profundamente enquanto levava o lencinho ao olho, na tentativa de conter a invasão alienígena sobre meu café da manhã, ao que meu pai perguntou:
- Dói?
Pensei em dizer a verdade, só dói quando eu respiro, mas apenas disse:
- Vou sobreviver.

Depois de um feriado de Finados desses, sobreviver tornou-se uma meta e tal.

Hipocondria e cão-guia

Confesso, sem muito orgulho, que sou um caso genuíno de hipocondria. Aliás, só confesso que sou hipocondríaca porque nós, pessoas que sabemos quando estamos doentes muito antes d'os médicos, temos uma vantagem evolutiva sobre as pessoas subneuróticas de outras naturezas: por termos a mente povoada por alertas a sintomas precoces de um tudo, desenvolvemos um raro instinto de sobrevivência que dificilmente nos deixa morrer antes dos 90 anos.

Fazendo uma fria análise retrospectiva de todas as vezes em que escrevi sofridas cartas de despedida a meus familiares e amigos antes de juntar coragem de ir ao médico para ver do que se tratava aquela tosse persistente -- sem dúvida, eu imaginava, uma manifestação respiratória de evolução sutil jamais descrita do Ebola --, concluí que a doença mais grave que tive foi alergia. Tão grave que quase me matou vinte vezes, mas, como hipondríaca confessa, não espero que isso impressione vocês agora.

O fato de minhas manifestações patológicas mais graves terem todas sido de cunho alérgico (não desprezem o poder de um camarão ou de um ácaro de poeira!) não me impede de servir de incubadora, vez por outra, de uma virose não letal enervante. Como esta agora que, de acordo com o oftalmologista que me viu em BH, o segundo que consultei em 4 dias, me carcomerá primeiro o olho esquerdo durante duas semanas, para depois reiniciar o ciclo no olho direito, sem que haja remédio eficaz contra a causa ou os sintomas. Ou seja: um mês de compressas frias, sem sombra, rímel ou delineador. Meu combalido sistema imune, assoberbado pelas reações histéricas desproporcionais a alérgenos que não fariam mal a uma mosca, vem lutando contra este adenovírus devorador de bulbos oculares desde setembro, quando tive um pequeno e breve surto, mas desta vez não houve jeito: nunca tive uma conjuntivite tão cruel. Minha vontade é ficar de olhos fechados o tempo inteiro, o que significa apenas vencer os 4 mm que restam abertos entre uma pálpebra edemaciada e outra quando arregalo aquilo que outrora era um grande olho castanho. Se eu não me adaptar aos óculos escuros em ambientes fechados, precisarei pegar um cão-guia emprestado até me recuperar completamente. O último médico garantiu, para meu alívio, que não se trata de herpes ocular, a única doença no mundo que me assusta mais que câncer. E eu não sei bem porquê.

Dentro deste contexto mezzo hipocondríaco, mezzo doente de verdade, agradeço a preocupação e o carinho de todos. Hipocondríacos, dizem, adoram chamar a atenção, mas como diria minha ária favorita duma ópera-rock composta no seio da família Carneiro:


Carência afetiva
Quem é que não tem?
Procure direito
Você também tem!


PS: a família Carneiro tinha um labrador-humano chamado Marilyn Monroe of Mapple Leaf. Acabo de ler "Marley & eu", sobre um labrador desajustado de nome igualmente pomposo, que por sua vez me fez suspirar de saudades da heroína de "Os olhos de Emmma". Fecho os olhos e me vejo como uma ilha cega, cercada de cães-guias por todos os lados. Eu acredito no poder curativo da baba canina.

domingo, novembro 05, 2006

Saúde é tudo na vida.

Neguinho passa a vida inteira querendo engordar ou emagrecer, ter o cabelo menos crespo ou menos liso, bla bla bla, e, um belo dia, uma doença realmente grave lhe acomete e as coisas realmente importantes tornam-se inequivocamente evidentes. É justamente neste estado de iluminação vital que eu me encontro agora, que uma conjuntivite viral alastrante, edemaciante, hemorrágica, dolorosa e altamente virulenta deveras me corrói o globo ocular esquerdo, não coincidentemente o lado anatômico correto do coração, este músculo estriado cardíaco com tendências kármico-masoquistas de manifestação psicossomática.

Meu feriado de finados não poderia ser mais divertido: não fosse pela presença sempre amorosa e destemida do Lau, o único ser humano no planeta que não dá um grito de horror ao me ver com o olho esquerdo liquefeito em meio a um rosto deformado, eu estaria buscando o sentido da vida no cemitério São João Batista.

Quando chegar ao Rio, escrevo mais. Perdoem minha ausência. Agradeço qualquer reza, torcida ou mandiga forte por meu globo ocular esquerdo enquanto há tempo.

Feliz horário de verão!


Feliz horário de verão!
Originally uploaded by Van-Or.

Não fui abduzida por marcianos! Estou bem, exceto por um olho vazado pela conjuntivite viral que estou incubando desde setembro.